Open-access Índice de vulnerabilidade social, fragilidade física e delirium em idosos hospitalizados

Índice de vulnerabilidad social, debilidad física y delirium en personas mayores hospitalizadas

Resumo

Objetivo  Analisar a relação entre o índice de vulnerabilidade social e condição de fragilidade física e o delirium em idosos hospitalizados.

Métodos  Estudo transversal e analítico desenvolvido com idosos em um hospital no Sul do Brasil. Foram empregados os instrumentos de coleta questionário sociodemográfico, índice de vulnerabilidade social, marcadores do fenótipo de fragilidade física e Confusion Assessement Method. Utilizou-se estatística descritiva e inferencial.

Resultados  Dos 305 idosos avaliados, 59,4% eram do sexo feminino, 40,9% com idade superior a 80 anos e 92,6% com morbidades. Houve associação entre hospitalização e sexo feminino com baixa e média vulnerabilidade (64,8%; IC95% 55,9-72,7 e 63%; IC95% 53,2-71,8, respectivamente, com p=0,0262). O delirium foi observado em 29,5% (IC95% 22,3-38,4) dos idosos com idade superior a 60 anos com baixa vulnerabilidade, 17% (10,9-25,5) média, 14,5% (8,6-23,9) alta, com p=0,0151. Acima de 80 anos, não se observou associação entre delirium e o índice de vulnerabilidade, com p=0,235. A ocorrência de delirium atingiu 44,3% (32,5-56,7) idosos com baixa vulnerabilidade, 35% (22,1-50,5) média e 25% (12-44,9) alta. Não houve associação entre fragilidade e vulnerabilidade social, com p=0,927. Em idosos com 80 anos ou mais, prevaleceram os frágeis nos três estratos de vulnerabilidade (baixa 59,7%; média 57,5% e alta 56%), p=0,788.

Conclusão  A hospitalização e o delirium se associaram a mulheres mais jovens, pré-frágeis e provenientes de baixa e média vulnerabilidade social. A condição de fragilidade não se correlacionou à vulnerabilidade social. Destaca-se a necessidade de melhor compreensão dos fatores biopsicossociais que podem aumentar o delirium em idosos hospitalizados com baixa vulnerabilidade social.

Idoso; Hospitalização; Fragilidade; Delirio; Classe social; Vulnerabilidade social

Abstract

Objective  To analyze the relationship between the social vulnerability index and physical frailty condition and delirium in hospitalized older adults.

Methods  Cross-sectional analytical study of older adults developed in a hospital in southern Brazil. The collection instruments used were a sociodemographic questionnaire, the social vulnerability index, physical frailty phenotype markers and the Confusion Assessment Method. Descriptive and inferential statistics were used.

Results  Of the 305 older adults evaluated, 59.4% were female, 40.9% were aged over 80 years and 92.6% had morbidities. There was an association between hospitalization and female sex with low and medium vulnerability (64.8%; 95%CI 55.9-72.7 and 63%; 95%CI 53.2-71.8, respectively, with p=0.0262) . Delirium was observed in 29.5% (95%CI 22.3-38.4) of older adults over 60 years of age with low vulnerability, 17% (10.9-25.5) medium, 14.5% ( 8.6-23.9) high, with p=0.0151. There was no association between delirium and the vulnerability index in older adults aged over 80 years, with p=0.235. Delirium affected 44.3% (32.5-56.7) of older adults with low vulnerability, 35% (22.1-50.5) with medium and 25% (12-44.9) high. There was no association between frailty and social vulnerability, with p=0.927. Among older adults aged 80 years or over, frail people prevailed in the three vulnerability strata (low 59.7%; medium 57.5% and high 56%), p=0.788.

Conclusion  Hospitalization and delirium were associated with younger, pre-frail women from low and medium social vulnerability. The condition of frailty did not correlate with social vulnerability. The need to better understand the biopsychosocial factors that can increase delirium in hospitalized older adults with low social vulnerability is highlighted.

Resumen

Objetivo  Analizar la relación entre el índice de vulnerabilidad social y la condición de debilidad física y el delirium en personas mayores hospitalizadas.

Métodos  Estudio transversal y analítico llevado a cabo con personas mayores en un hospital del sur de Brasil. Se emplearon los siguientes instrumentos para la recopilación: cuestionario sociodemográfico, índice de vulnerabilidad social, marcadores del fenotipo de debilidad física y Confusion Assessement Method. Se utilizó la estadística descriptiva e inferencial.

Resultados  De las 305 personas mayores evaluadas, el 59,4 % era de sexo femenino, el 40,9 % de más de 80 años y el 92,6 % con morbilidades. Se observó asociación entre hospitalización y sexo femenino con vulnerabilidad baja y mediana (64,8 %; IC95 % 55,9-72,7 y 63 %; IC95 % 53,2-71,8, respectivamente, con p=0,0262). El delirium se observó en el 29,5 % (IC95 % 22,3-38,4) de las personas mayores de más de 60 años con vulnerabilidad baja, el 17 % (10,9-25,5) mediana y el 14,5 % (8,6-23,9) alta, con p=0,0151. No se observó relación entre delirium e índice de vulnerabilidad en personas de más de 80 años, con p=0,235. La incidencia de delirium llegó al 44,3 % (32,5-56,7) de personas mayores con vulnerabilidad baja, 35 % (22,1-50,5) mediana y 25 % (12-44,9) alta. No se observó asociación entre debilidad y vulnerabilidad social, con p=0,927. Entre las personas mayores de 80 años o más, prevalecieron los débiles en las tres categorías de vulnerabilidad (baja 59,7 %; mediana 57,5% y alta 56%), p=0,788.

Conclusión  La hospitalización y el delirium se asociaron a mujeres más jóvenes, predébiles y con vulnerabilidad social baja y mediana. La condición de debilidad no se correlacionó con la vulnerabilidad social. Se resalta la necesidad de una mejor comprensión de los factores biopsicosociales que pueden aumentar el delirium en personas mayores hospitalizadas con vulnerabilidad social baja.

Anciano; Hospitalización; Fragilidad; Delirio; Clase social; Vulnerabilidad social

Introdução

Idosos hospitalizados frequentemente trazem consigo não só a doença de base/crônica, mas um conjunto de características próprias e do contexto no qual residem. Nesse cenário, surge o Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB), que considera dimensões sobre a adequação do domícilio, o perfil e a composição familiar, o acesso ao trabalho, à renda e às condições de escolaridade.(1)

Na área da saúde, a vulnerabilidade social surge como um conceito utilizado para compreender, de forma abrangente, as questões sociais que podem afetar a saúde dos idosos. É considerada o grau em que as situações sociais gerais tornam um indivíduo suscetível a resultados de saúde ruins.(2)

Ainda que a vulnerabilidade social seja importante para indivíduos em qualquer faixa etária, seu impacto é provavelmente maior em pessoas idosas, devido ao aumento da incidência de mudanças sociais significativas.(3) Essas transições incluem aposentadoria, morte de um parceiro de vida e dependência de outras pessoas para atividades de autocuidado, como compras ou higiene pessoal. Para alguns idosos, o acúmulo de mudanças sociais pode resultar em declínio funcional, psicológico e fisiológico,(2) frequentemente reconhecidos como componentes da fragilidade.

Tendo em vista tais relações, os bairros com menor vulnerabilidade social podem fornecer mais oportunidades para apoiar a saúde e o bem-estar. Os processos sociais baseados na vizinhança, como a coesão e a participação social, protegem contra a fragilidade por meio da criação e manutenção das conexões sociais e redes de apoio.(4,5)

Em revisão de escopo realizada nos Estados Unidos em 2019, foram analisados 13 estudos envolvendo esta temática. Constatou-se associação entre a fragilidade e as características sociais e físicas dos residentes dos bairros, incluindo as privações da população, a diversidade, a heterogeneidade étnica, a coesão social e a capacidade de caminhar. A maioria dos estudos incluídos nessa revisão avaliou a fragilidade utilizando o fenótipo baseado no Cardiovascular Health Study ou uma abordagem de índice. A medição do fenótipo avalia os componentes físicos da fragilidade, enquanto uma abordagem de índice avalia os contribuintes físicos e psicossociais para o desenvolvimento da fragilidade.(6)

Por sua vez, a fragilidade física é definida como um estado clínico caracterizado por aumento da vulnerabilidade no indivíduo quando exposto a estressores internos e externos, além de ser um dos principais contribuintes para o declínio funcional e mortalidade precoce em idosos.(7)

A condição de fragilidade foi alvo de um estudo transversal e analítico realizado em Curitiba (PR) com 1.716 idosos da comunidade e observou 65,3% de pré-frágeis e 15,8% frágeis.(8) Em revisão sistemática com metanálise que incluiu 26 estudos, totalizando amostra de 13.502 idosos hospitalizados, observou-se prevalência de fragilidade de 34% (intervalo de confiança de 95% - IC95% 0,26-0,42, p=0).(9)

Um estudo conduzido com 2.413 idosos no Caboolture Hospital, Austrália, objetivou avaliar a fragilidade e os desfechos hospitalares em uma área de desvantagem socioeconômica. O instrumento Clinical Frailty Scale (CFS) foi associado à mortalidade em 28 dias, com chances de mortalidade aumentando 1,5 vez por unidade de aumento na CFS (IC95% 1,3-1,7). Para os autores, as intervenções e a alocação de recursos devem considerar a gestão do idoso frágil como prioridade no ambiente hospitalar. Nesse mesmo estudo, o delirium foi evidenciado em 0,8% dos idosos robustos e 5% dos frágeis; p<0,001.(10)

Frequentemente identificado em idosos no ambiente hospitalar, o delirium se associou ao status de emprego e fatores demográficos, como idade, sexo, etnia e a própria fragilidade física.(11) Do mesmo modo, em estudo realizado em contexto hospitalar, o delirium atingiu 21% (IC95% 0,17-0,25; p<0,01) dos pacientes. O risco do idoso frágil hospitalizado desenvolver delirium foi de 66% (RR 1,66; IC95% 1,23-2,22; p<0,01).(9)

Em estudo conduzido em Boston, nos Estados Unidos, com 560 idosos de idade superior a 70 anos com o objetivo de avaliar a associação entre características do nível socioeconômico de bairros e a incidência e gravidade de delirium em idosos submetidos a cirurgias não cardíacas de grande porte, a vulnerabilidade social associou-se ao delirium. Residir nos bairros menos favorecidos associou-se a maior risco de delirium (46%), em comparação aos bairros mais favorecidos (23%), p=0,01.(12)

Inclusive em países desenvolvidos como os Estados Unidos, é importante quantificar os determinantes sociais de saúde em suas múltiplas dimensões. Observou-se que 9,6% dos setores censitários apresentaram regiões de extrema pobreza e consequentemente, de maior preocupação para os profissionais de saúde e defensores de políticas públicas. Apesar desses países apresentarem melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), observa-se correlação entre a vulnerabilidade social e as condições de saúde.(13) Tais resultados podem ser agravados em países de baixa renda ou com desigualdades sociais.(2,12)

Até o presente momento, não foram encontrados estudos que investigassem a associação da vulnerabilidade social à fragilidade e ao delirium em idosos hospitalizados. Compreender a ligação entre fragilidade e delirium em idosos hospitalizados advindos de uma área socioeconômica desfavorecida é relevante, visto que a vulnerabilidade socioambiental é considerada fator contribuinte para reinternações.(14)

Os estudos relacionados às temáticas hospitalização, fragilidade, delirium e vulnerabilidade social podem levar à otimização de recursos e implementação de melhorias na qualidade e no valor dos cuidados de saúde. Além disso, salientam o trabalho interprofissional a fim de alcançar a integralidade do cuidado dentro da perspectiva da clínica ampliada. Intervenções direcionadas para subpopulações de alto risco podem trazer benefícios diretos e produzir melhorias nos diferentes níveis de Atenção à Saúde.

Frente ao exposto, o presente estudo teve como objetivo analisar a relação entre o índice de vulnerabilidade social e condição de fragilidade física e o delirium em idosos hospitalizados.

Métodos

Trata-se de estudo de corte transversal e analítico, realizado com idosos internados em um hospital de média complexidade de Curitiba. O cálculo do tamanho da amostra foi não probabilístico, com método de amostragem aleatória simples e desfecho em proporções, representativo dos internamentos no ano 2019. A ferramenta de orientação do STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE), traduzida para o português do Brasil e constituída por uma lista de 22 itens de verificação, foi utilizada para a construção sistematizada do estudo.(15)

O estudo foi realizado com dados secundários do banco de dados do projeto Fragilidade Física e os Desfechos Clínicos, Funcionais, Psicossociais, Nutricionais e na Demanda de Cuidados em Idosos Hospitalizados, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob parecer 4.985.540. Os critérios de inclusão dos participantes foram: idade igual ou superior a 60 anos; estar hospitalizado para tratamento clínico e/ou cirúrgico; apresentar a condição de fragilidade física estratificada pelo fenótipo de Fried;(16) ter sido avaliado com a ferramenta de rastreio de delirium Confusion Assessment Method (CAM).(17) Foram excluídos moradores de cidades da região metropolitana de Curitiba, já que tais cidades não dispunham da aferição do IVAB.

Inicialmente, foi realizado o rastreio cognitivo mediante aplicação do Miniexame do Estado Mental(18) validado para o português do Brasil,(19) com o objetivo de selecionar os idosos aptos para responder os questionários do estudo. Quando o idoso apresentou alteração cognitiva e/ou défice de comunicação, o acompanhante presente no momento da coleta de dados foi convidado a responder as questões na presença do idoso. Caso a pessoa presente no momento da entrevista não se sentisse segura para responder às questões, o acompanhante principal era contatado para se conseguir informações seguras.

Entende-se como acompanhante principal a pessoa que se responsabiliza pelos cuidados diretos ao idoso e que o conheça há pelo menos três meses. Dessa forma, este acompanhante principal teria conhecimento para responder as questões relacionadas à saúde física e mental do idoso presentes nos questionários sociodemográficos, clínicos e no fenótipo de fragilidade. Esse acompanhante habitualmente é um cuidador informal, ou seja, um familiar, amigo, vizinho que desempenha tais atividades sem nenhuma remuneração.

A coleta de dados consistiu na aplicação de questionário sociodemográfico com as seguintes variáveis de interesse: idade, sexo, cor, estado civil. A fragilidade foi classificada por meio dos marcadores do fenótipo da fragilidade física, a saber: força de preensão manual diminuída; velocidade da marcha reduzida; autorrelato de fadiga/exaustão; perda de peso não intencional e redução do nível de atividade física.(16) O delirium foi avaliado pelo CAM,(17) validado para a língua portuguesa do Brasil.(20) O instrumento conta com quatro características cardinais que permitem distinguir o delirium de outros comprometimentos cognitivos: início agudo e curso flutuante; défice de atenção; pensamento desorganizado; e alteração do nível de consciência.

O hospital escolhido para a coleta de dados compõe a Rede de Atenção a Saúde (RAS) do município, sendo o atendimento 100% vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). A RAS inclui as Unidades Básicas de Saúde, as quais são classificadas de acordo com o IVAB pela Secretaria Municipal de Saúde. Os idosos hospitalizados que participaram do estudo foram agrupados conforme a UBS de origem, identificadas a partir da consulta ao prontuário eletrônico próprio do município (E-saúde).

As notas do IVAB e as categorizações em baixa, média e alta vulnerabilidade foram obtidos por meio da classificação da Unidade de Saúde de procedência do idoso conforme o decreto municipal 638, que institui o IVAB das Unidades Municipais de Saúde na Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba.(1)

O IVAB considera quatro dimensões: adequação do domicílio; perfil e composição familiar; acesso ao trabalho e renda; condições de escolaridade. Na dimensão adequação do domicílio, são analisados tipo de domicílio, densidade por dormitório, material de construção, presença de água encanada e rede de esgoto. No perfil e composição familiar, são avaliados os responsáveis pela família, razão entre crianças e adolescentes e adultos, presença de trabalho infantil, presença de crianças e adolescentes internados, presença de adultos internados, presença de idosos internados, presença de pessoas com deficiência, idosos em condição de agregado e analfabetismo do chefe de família. O acesso ao trabalho e renda leva em consideração o trabalho dos adultos e renda familiar mensal per capita. Nas condições de escolaridade, a presença de crianças e adolescentes fora da escola, defasagem idade e série, e jovens e adultos sem ensino fundamental são analisados.(1)

As Unidades Municipais de Saúde localizadas no primeiro tercil (percentagem menor que 3,9%) são denominadas como de baixa vulnerabilidade, no segundo tercil como de média vulnerabilidade (percentagem maior ou igual a 3,9% e menor que 7,8%) e no terceiro tercil como de alta vulnerabilidade (percentagem maior ou igual 7,8% até o limite superior, que pode atingir 100%).(1)

Previamente à aplicação dos testes, com o intuito de padronizar a execução e minimizar vieses de coleta, treinamentos teóricos e práticos foram realizados com os examinadores, que são membros de um grupo de pesquisa constituído por discentes de graduação e pós-graduação de enfermagem de uma instituição de ensino. Um estudo-piloto, com o objetivo de verificar a necessidade de adequação dos questionários e testes propostos, foi realizado com 30 idosos. Esses participantes integraram a amostra final, já que não houve alterações nos questionários e testes aplicados. Os dados foram coletados de março a julho de 2022 nas enfermarias clínicas e/ou cirúrgicas do hospital e o tempo médio de aplicação do instrumento de coleta foi de aproximadamente 30 minutos.

Foi utilizada estatística descritiva, média, desvio-padrão, mediana, máximo, mínimo, com apresentação em tabelas de distribuição de frequência e teste não paramétricos do qui-quadrado e teste exato de Fisher para avaliar a associação entre as variáveis de interesse do estudo. Tendo em vista a comparação de grupos independentes, optou-se pela utilização dos testes não paramétricos devido à presença de dados categóricos. O teste exato de Fisher é uma alternativa ao teste de qui-quadrado quando a frequência das variáveis é baixa, menor que cinco. As análises estatísticas foram realizadas no software R 4.2.1., com nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%.

O estudo atendeu as normas éticas nacionais que envolvem seres humanos (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 50459821.0.0000.0102/ Parecer nº: 4.985.540).

Resultados

Da amostra de 305 idosos, houve predomínio do sexo feminino (59,4%), da cor branca (70,6%), casados (39,7%) e com idade igual ou superior a 80 anos (40,9%). Houve associação entre sexo feminino e as regiões de baixa (64,8%; IC95% 55,9-72,7) e média vulnerabilidade (63,0%; IC95% 53,2-71,8), com p=0,0262 (Tabela 1).

Tabela 1
Condições sociodemográficas e índice de vulnerabilidade social

Na tabela 2, observa-se que houve predomínio de idosos robustos na condição de baixa vulnerabilidade (14,8%; IC95% 9,5-22,1), com predomínio da condição de pré-fragilidade nos três estratos de vulnerabilidade social. Já nos idosos com idade igual ou superior a 80 anos, houve predomínio de frágeis nos três estratos de vulnerabilidade, sem associação entre fragilidade e vulnerabilidade social, com p=0,788.

Tabela 2
Associação entre fragilidade física e índice de vulnerabilidade social em pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 e 80 anos

Na tabela 3, o delirium nos idosos com idade igual ou superior a 60 anos provenientes de áreas de baixa vulnerabilidade foi de 29,5% (IC95% 22,3-38,4), de média 17% (IC95% 10,9-25,5) e de áreas de alta 14,5% (IC95% 8,6-23,9), com p=0,0151. Nos idosos com idade igual ou superior a 80 anos, a distribuição de frequência do delirium em pacientes provenientes de áreas de baixa vulnerabilidade foi de 44,3% (IC95% 32,5-56,7), de média 35,0% (IC95% 22,1-50,5) e de áreas de alta 25,0% (IC95% 12,0-44,9), com p=0,235.

Tabela 3
Associação entre a ocorrência de delirium e o índice de vulnerabilidade social em pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 e 80 anos

Discussão

As mulheres predominam em regiões de baixa e média vulnerabilidade e homens em áreas de maior privação e/ou alta vulnerabilidade. O estudo realizado com dados do Rochester Epidemiology Project (Mayo Clinic) incluiu 197.578 indivíduos de Minnesota, Estados Unidos, 49,5% da amostra com 50 anos de idade ou mais, teve como objetivo determinar a associação entre o status socioeconômico, as condições crônicas e as diferenças por idade, sexo, raça ou etnia. Estimou-se a prevalência de condições crônicas e uma medida composta de desvantagem socioeconômica do bairro, o Índice de Privação de Área (IPA). Para as condições cardiometabólicas hiperlipidemia, diabetes mellitus, arritmias cardíacas e doença arterial coronariana, os padrões foram semelhantes em homens e mulheres, mas se encontraram associações mais fortes com o aumento do quintil de IPA nas mulheres, em comparação aos homens.(21)

Apesar de diversos estudos evidenciarem que o processo de envelhecimento feminino cursa com maior incapacidade, comorbidades e menor acúmulo de capital (social, financeiro, de saúde), o que as torna mais suscetíveis ao gradiente social de saúde,(2,3)não foi observada essa relação nas idosas hospitalizadas. Neste estudo, houve presença mais significativa de homens entre os idosos provenientes de áreas de maior vulnerabilidade. Pesquisas futuras são necessárias para esclarecer os fatores de desenvolvimento que levam a essas diferenças entre os sexos e identificar estratégias eficazes para intervir na relação entre a posição socioeconômica e desfechos desfavoráveis.

A condição de fragilidade física e as diferenças observadas em bairros com diversidade socioeconômicas e étnicas de San Antonio, Texas, Estados Unidos, foram objeto de um estudo transversal conduzido com 394 idosos de 65 anos de idade ou mais. A prevalência de fragilidade foi de 15,6% no bairro central, 9,4% no bairro de transição e 3,5% nos subúrbios (p=0,01).(22) No presente estudo, não foi evidenciada associação entre fragilidade física e o índice de vulnerabilidade em idosos hospitalizados. Observou-se predomínio de pré-frágeis nos idosos com idade igual ou superior a 60 anos e de frágeis na população com 80 anos de idade ou mais. A ausência de associação entre fragilidade física e índice de vulnerabilidade pode estar relacionada ao processo de seleção dos sujeitos e ao desenho do estudo, já que o estudo é do tipo seccional, realizado em um único ambiente hospitalar e, portanto, com particularidades na avaliação, como a descompensação de alguma condição clínica.

Estudo longitudinal envolvendo a terceira e a quarta etapa do Duke Established Populations for Epidemiologic Studies of the Elderly (EPESE) analisou 1.740 idosos em uma área rica em serviços de saúde. Não houve associação entre fragilidade e a vizinhança desfavorável, possivelmente pela melhor saúde da amostra e o fácil acesso aos serviços de saúde.(23) A literatura também aponta associação da fragilidade física com fatores sociodemográficos e clínicos de idosos como, baixa renda,(24) idade, sexo feminino e baixa escolaridade.(8)

Em revisão sistemática com metanálise realizada no Reino Unido em 2022 objetivou avaliar a relação entre vulnerabilidade social, mortalidade e fragilidade em pessoas idosas. O nível de vulnerabilidade social da metanálise medido pelo índice de vulnerabilidade social foi de 0,3 (IC95% 0,24-0,36). O maior índice de vulnerabilidade social foi observado na Tanzânia 0,47 (IC95% 0,44-0,50), enquanto o menor índice de vulnerabilidade social foi relatado na China 0,15 (IC95% 0,15-0,15). O nível mais alto do índice de fragilidade foi 0,32 na Tanzânia e na Europa, e a menor fragilidade relatada em um estudo dos Estados Unidos, no Havaí, com 0,15. Em todos os estudos, a vulnerabilidade social foi um preditor significativo de mortalidade para ambos os sexos.(25)

Em estudo prospectivo conduzido em Boston com 560 idosos acima de 70 anos, houve associação entre a vulnerabilidade social e o delirium. O objetivo foi avaliar a associação entre características do nível socioeconômico de bairros e a incidência e gravidade de delirium em idosos submetidos a cirurgias não cardíacas de grande porte. Residir nos bairros menos favorecidos foi associado a maior risco de delirium (46%), quando comparado aos bairros mais favorecidos (23%) (razão de risco de 2,0; IC95% 1,3–3,1, com p=0,01).(12) Esses dados divergem dos encontrados neste estudo; entre os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, 29,5% de regiões de baixa vulnerabilidade apresentaram delirium e 14,5% dos de regiões de alta vulnerabilidade, com p=0,0151. O delirium é sabidamente subdiagnosticado, e seu rastreio depende do treinamento de profissionais de saúde.(26) Regiões de baixa vulnerabilidade podem ter maior acesso a cuidadores profissionais, treinados na identificação de alterações sutis no estado mental do idoso, e, por isso, há direcionamento mais precoce ao ambiente hospitalar. Estudos que possam elucidar essa hipótese, verificando o tipo de cuidado, profissional ou não, em cada segmento de vulnerabilidade social devem ser incentivados. Compreender os fatores psicossociais que podem levar ao aumento de delirium em idosos hospitalizados é importante para o gerenciamento desta condição.

A distribuição de frequência de delirium em idosos com idade igual ou superior a 80 anos provenientes de áreas de baixa vulnerabilidade foi de 44,3% (IC95% 32,5-56,7), de média 35% (IC95% 22,1-50,5) e em áreas de alta 25% (IC95% 12,0-44,9). Apesar do aumento expressivo de delirium em idosos com 80 anos de idade ou mais, não houve associação com a vulnerabilidade social.

A utilização de ferramentas para avaliação de vulnerabilidade social, como a IVAB, permite comparar unidades de saúde de forma objetiva, identificando áreas que necessitam maior aporte de recursos do estado, primando pelo princípio da equidade do SUS. A identificação da vulnerabilidade social dentro do território, em uma perspectiva que vá além da identificação da pobreza (insuficiência de renda) e a relação com a hospitalização, fragilidade física e delirium, suscita pensar em planos de gerenciamento de cuidados em saúde e enfermagem individualizados.

Destaca-se como limitações do estudo o desenho seccional, que não possibilita o estabelecimento da relação de causa-efeito, a presença de diferentes instrumentos para avaliação dos diferentes estratos de vulnerabilidade social e a não realização do rastreamento dos fatores de risco clinico da ocorrência de delirium.

Conclusão

Houve associação entre hospitalização e delirium em mulheres idosas mais jovens provenientes de regiões de baixa e média vulnerabilidade social. Essa associação não foi observada nas idosas provenientes de regiões de alta vulnerabilidade. A fragilidade física evolui com o aumento da idade, uma vez que a pré-fragilidade predominou em idosos mais jovens com idade igual ou superior a 60 anos, e a condição de frágil naqueles acima de 80 anos de idade. A fragilidade física não mostrou relação com o índice de vulnerabilidade social, enquanto o delirium apontou relação com áreas de menor índice de vulnerabilidade social em idosos mais jovens, na faixa etária de 60 a 80 anos. Os fatores individuais devem ser interpretados dentro do contexto mais amplo de indicadores de desvantagem social, evidenciando a necessidade de uma abordagem complexa e multifatorial para o planejamento do cuidado do idoso hospitalizado. Destaca-se a necessidade de melhor compreensão dos fatores psicossociais que podem levar ao aumento de delirium em idosos hospitalizados provenientes de áreas de baixa vulnerabilidade social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2023
  • Aceito
    17 Jun 2024
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