Resumo
Idosos podem apresentar limitações quanto à mobilidade, o que os expõe a um maior número de quedas. As farmácias, locais constantemente visitados por idosos, podem não apresentar uma acessibilidade adequada, ampliando os riscos. Este estudo analisou os fatores que afetam a mobilidade de pessoas idosas em farmácias com base na norma NBR 9050/2020. Três estabelecimentos foram avaliados, utilizando a metodologia walkthrough. Plantas técnicas foram elaboradas a partir de registros de vídeo para verificar os principais pontos da norma. Os resultados evidenciam inconformidades,tais como: circulação inadequada com obstáculos, como caixas, tapetes e partes estruturais; falta de largura mínima, além de áreas de exposição elevadas que oferecem potenciais riscos. Um dos locais apresentou escadas e rampas sem corrimão, contrariando a norma. Essas limitações na acessibilidade nos ambientes dificultam a mobilidade de idosos e aumentam o risco de desequilíbrio, tropeços e quedas. Em conclusão, além de melhorar a acessibilidade, mobilidade e segurança nas farmácias, é essencial que profissionais de projeto e autoridades públicas sigam rigorosamente as normas técnicas, associadas aos novos conhecimentos específicos, para garantir a participação social dos idosos em ambientes públicos.
Palavras-chave
Acessibilidade; Locomoção; Ergonomia; Espaços construídos; Farmácias; Envelhecimento
Abstract
Older adults may experience mobility limitations, which increase their risk of falls. Pharmacies, frequently visited by the elderly, may not provide adequate accessibility, further raising these risks. This study analyzed the factors affecting the mobility of older adults in pharmacies based on the NBR 9050/2020 standard. Three establishments were evaluated using the walkthrough methodology. Technical plans were developed from video recordings to verify key compliance points with the standard. The results revealed non-conformities, such as inadequate circulation with obstacles like boxes, carpets, and structural elements, as well as insufficient width, in addition to elevated display areas posing potential risks. One of the locations had stairs and ramps without handrails, violating the standard. These accessibility limitations in the environment hinder elderly mobility and increase the risk of imbalance, tripping, and falls. In conclusion, beyond improving accessibility, mobility, and safety in pharmacies, it is essential that design professionals and public authorities strictly adhere to technical standards, alongside new specific knowledge, to ensure the social participation of older adults in public spaces.
Keywords
Accessibility; Locomotin; Ergonomics; Built Spaces; Pharmacies; Aging
Introdução
De acordo com os dados da World Health Organization1 (WHO, 2020), o número de pessoas, ao final da próxima década, com mais de 60 anos será 34% maior do que em 2019, atingindo o montante de 1,4 bilhão. Até 2050, a população de idosos crescerá exponencialmente, chegando a 2,1 bilhões em todo o mundo (WHO, 2020). No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que, em 2010, os idosos representavam 10,8% da população total, número que, em 2022, atingiu 15,6%, correspondendo a mais de 32 milhões de idosos (IBGE, 2022). Tal quadro é explicado pelo aumento da expectativa de vida, reduções nas taxas de mortalidade e natalidade, o que modifica significativamente a estrutura etária da população brasileira (Vasconcelos; Gomes, 2012; Ortiz Flores, 2016) e mundial (Bloom; Zucker, 2023). Outro indicativo importante a se destacar é que a maioria dessa população reside em centros urbanos, o que foi condicionado, de forma paralela, à progressiva urbanização do Brasil (Sant’Anna, 2006). Nesse sentido, é crucial que essas cidades ofereçam serviços e estruturas adequadas, visando proporcionar bem-estar, autonomia e segurança aos habitantes, sendo necessário criar e adaptar esses cenários para oferecer suporte às alterações físicas, sensoriais e sociais decorrentes do envelhecimento (WHO, 2007).
De acordo com Paschoal (2006), o envelhecimento traz implicações em diversos aspectos da vida da pessoa idosa, acarretando sérias consequências em diferentes dimensões, tais como física, psíquica e social. Por exemplo, durante o processo de envelhecimento há mudanças na percepção visual e auditiva, o que prejudica a interação com o ambiente construído (Paiva, 2012) e a mobilidade (Lage et al., 2020) do idoso. Ainda, o envelhecimento causa perda de massa e força muscular e diminuição do equilíbrio, amplitude de movimento e flexibilidade que afetam diretamente a mobilidade (Larsson et al., 2019). Desta forma, ambientes que facilitam a acessibilidade e segurança da mobilidade de pessoas idosas parece ser uma estratégia interessante para reduzir o risco de acidentes, como tropeços, escorregões e quedas, e aumentar a inclusão (Sofiatti et al., 2021). Apesar disso, muitos locais de uso público, como farmácias, parecem não se preocupar em facilitar a acessibilidade desta população.
As farmácias são caracterizadas como estabelecimentos comerciais que desempenham papel de unidades de prestação de serviços voltados à saúde (São Paulo, 2016). Dessa forma, o acesso a esses locais tornou-se fundamental no dia a dia das pessoas, não apenas como fonte de serviços de saúde, mas também como estabelecimentos que oferecem uma variedade de produtos. Com o crescente número de pessoas idosas frequentando esses ambientes, torna-se imperativo que esses espaços garantam a segurança dos indivíduos. Para isso, é importante garantir acessibilidade para pessoas com distintos níveis de capacidade de interação, como os idosos. A acessibilidade caracteriza-se pela “[...] possibilidade de utilizar, alcançar e usufruir, com segurança e autonomia, de espaços, equipamentos, mobiliários, assim como também de informações e comunicações ligadas a sistemas de tecnologia [...]” (ABNT, 2020, p. 2). Logo, a acessibilidade garante a inclusão e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas e, consequentemente, melhoria na qualidade de vida. Para ampliar a acessibilidade a todos os indivíduos, foi elaborada, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 9050 em 1985, que tem como intuito apresentar diretrizes para acessibilidade em edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos. Desde então, a norma passou por quatro revisões, em 1994, 2004, 2015 e, a última, em 2020.
Sendo assim, o objetivo deste estudo é analisar fatores que afetam a mobilidade de pessoas idosas em ambientes farmacêuticos, a partir da análise das características do ambiente, como circulação, pisos e revestimentos, desníveis, degraus, rampas e mobiliários (obstáculos), considerando como elemento de referência a NBR 9050/2020. Espera-se, com este estudo, identificar os desafios enfrentados pelos idosos em ambientes farmacêuticos e contribuir assim para o aprimoramento da acessibilidade nas farmácias, a fim de tornar um ambiente mais inclusivo e seguro para a população idosa.
Materiais e métodos
Características do estudo
Este estudo de caráter descritivo utilizou um procedimento de avaliação de forma técnica, a partir do registro em vídeos e análise das características ambientais de três diferentes farmácias na cidade de Bauru (SP), com base em itens específicos (Tabela 1) da norma NBR 9050 (ABNT, 2020). Para além destes itens, outros aspectos complementares sobre a acessibilidade de mobilidade do espaço por pessoas idosas, preconizados por Figueiredo Júnior et al. (2019) e Cruvinel, Dias e Godoy (2020), então relacionados à superfície, degraus e escadas, caminhos de passagem, obstáculos e disposição dos móveis no local.
Procedimentos
O estudo foi realizado em três etapas, ocorrendo em campo, para coleta de dados, e em ambiente laboratorial, para preparação e análise dos dados.
Para isso, foi utilizada a metodologia walkthrough. Este modelo consiste na visita in loco para a familiarização do local e levantamento das informações relevantes para a análise, sendo complementado por meio de registros de vídeo e de imagens (Rheingantz; Azevedo; Queiroz, 2009). A metodologia foi aplicada devido à possibilidade de identificar as qualidades e defeitos de ambientes construídos em relação ao seu uso, possibilitando o apontamento mais preciso dos pontos que necessitam de atenção (Rheingantz; Azevedo; Queiroz, 2009). A seleção dos locais de coleta foi estrategicamente orientada para reunir uma representação diversificada do ambiente farmacêutico. Inicialmente, 10 farmácias foram escolhidas, com um equilíbrio cuidadoso entre unidades de redes nacionais e estabelecimentos locais, que tendem ser mais frequentados por idosos. A priorização das farmácias de bairro foi motivada pela sua tendência de não utilizar apoio arquitetônico para o layout das lojas. Após visitas e apresentação da pesquisa aos responsáveis, apenas três unidades locais consentiram. Ressalta-se que a autorização restringiu a pesquisa ao registro visual por meio de gravações, assim, para a avaliação dos locais selecionados, adotou-se um método sistemático que combinou observação direta com a análise detalhada das gravações em vídeo. As medidas apresentadas neste estudo foram derivadas utilizando objetos de referência conhecidos, como por exemplo o tamanho do revestimento do piso, proporcionando uma base para estimativas precisas. É importante ressaltar que essas medidas são aproximadas, mas foram cuidadosamente calibradas para fornecer uma representação confiável das características físicas dos ambientes estudados.
Após a definição dos locais foram determinados os aspectos a serem avaliados (Tabela 1), tornando a aquisição de imagens mais específica.
Os horários de registro das imagens das farmácias selecionadas foram padronizados, sendo todas as gravações realizadas no período da manhã, com início às 8:00 horas. Assim, os locais em questão apresentavam poucos usuários, permitindo a circulação mais livre e fluída com a câmera; e melhor visualização de todos os aspectos de interesse ao estudo. As gravações duraram em média 10 minutos em cada local de estudo. Foram realizadas pelo menos duas capturas para obter o máximo de informação visual para a análise.
A partir dos registros de vídeos, foram elaboradas as plantas dos locais para a análise técnica. As análises dos materiais coletados e processados foram realizadas e discutidas por dois pesquisadores, culminando em um consenso que reflete uma compreensão dos dados. A análise pautou-se na NBR 9050 (ABNT, 2020), a qual apresenta diretrizes específicas, particularmente de superfície, degraus e rampas, obstáculos no caminho, percursos e caminhos de circulação, mobiliários dos locais e os acessos aos ambientes. Também foram consideradas observações a partir de outros estudos (supracitados), que trataram da mobilidade e ergonomia para pessoas idosas e seus riscos. De maneira global, a análise foi realizada seguindo os itens estabelecidos da norma (Tabela 1) a serem analisados a partir da observação dos vídeos, considerando os parâmetros estabelecidos pela 9050/2020.
Resultados
As Figuras 1, 2 e 3 apresentam as disposições dos ambientes em relação à arquitetura e ao layout interno comercial das três farmácias analisadas. Os resultados de cada ambiente serão apresentados abaixo.
No ambiente apresentado na Figura 1, observa-se o uso de revestimentos, no caso, porcelanatos, de formato quadrado e com acabamentos acetinados, que se adequam a espaços comerciais, pois são considerados pisos estáveis e antiderrapantes, conforme item 6.3.2 da norma (Tabela 1). Também se percebe o uso de revestimentos de características polidas em algumas regiões do estabelecimento. Em geral, os pisos apresentaram boas condições em relação à irregularidade, fator que pode ocasionar quedas. Quanto à paginação do local, os pisos foram assentados de maneira uniforme, mantendo o formato quadrado do revestimento. Entretanto, nesse caso, também foi utilizada uma paginação diferente, alternando entre dois tipos de revestimentos, formando desenho no chão e apresentando contraste entre eles (Figura 1). O contraste é bastante importante desde que delimite uma rota acessível das demais, o que não ocorre no local, já que a paginação se dá interferindo na faixa de circulação e ainda podendo gerar uma impressão de tridimensionalidade, que deve ser evitada, uma vez que pode causar sensação de insegurança, conforme item 6.3.2 da NBR 9050 (Tabela 1).
No que se refere aos degraus e rampas, o local não apresenta em seu interior nenhum dos sistemas, sendo apenas caminhos regulares. No dia da análise, também não foi identificado nenhum obstáculo presente nos caminhos de locomoção. Além disso, o acesso ao edifício está instalado em uma esquina e, nesse caso, conta com duas entradas para a loja, sendo apenas uma por meio de rampa, que apresenta inclinação suave, inferior a 8,33%, garantindo o acesso ao interior da loja, e a segunda, com um desnível em relação à calçada, gerando assim um degrau para o acesso.
Quanto às áreas de circulação do edifício, os corredores do local são formados a partir da disposição de gôndolas para a colocação de produtos, estando localizadas nas laterais do edifício e delimitando os caminhos. As gôndolas existentes apresentaram uma altura aproximada de 1,35m. Já as prateleiras de exposição laterais, demonstraram alturas superiores a 2,00m, passando altura das portas do local (Figura 1). Os corredores apresentaram tamanho suficiente para movimentação e locomoção (pelo menos 60 cm de área de circulação), entretanto não em conformidade com o item 6.11.1, que pela classificação e fluxo, tamanho mínimo seria de 90 cm. O local também apresenta corredores que se estreitam conforme o caminho, diminuindo a largura de circulação. Devido às larguras dos corredores, a área de giro, espaço destinado para realizar a manobra de mudança de direção, possui, em média, as dimensões de 60 cm x 60 cm, alterando conforme os corredores se estreitam.
No segundo local, representado pela Figura 2, destaca-se a disposição dos revestimentos em formato de losango, com alteração do padrão do piso somente nas áreas destinadas a degraus e rampas. Os pisos instalados possuem características acetinadas, são antiderrapantes e encontram-se em excelente estado, sem qualquer sinal de danificação ou irregularidade aparente, seguindo padrões da NBR item 6.3.2 (Tabela 1).
No que se refere aos degraus e rampas, o local destaca-se por ser o único a incorporar esses elementos em seu interior. Os degraus, por sua vez, não seguem uma regularidade, apresentando variação na altura dos espelhos e ausência de corrimão, conforme especificado no item 6.9.4.2 da NBR 9050 (Figura 2). Quanto à rampa que possibilita o acesso ao mesmo espaço dos degraus, sua inclinação é inferior a 8,33%, proporcionando uma superfície firme e estável.
Destaca-se que o Edifício B foi o único a apresentar obstáculos durante a análise, observando-se a presença de caixas e sacolas obstruindo os caminhos, possivelmente destinadas à reposição, o que resulta em corredores mais estreitos e desconfortáveis para a locomoção.
As gôndolas do ambiente apresentam uma altura aproximada de 1,30 m, desempenhando o papel de delimitar e criar os corredores de circulação. Já as prateleiras laterais possuem altura média aproximada de 1,70 m. O primeiro nível do estabelecimento apresentou medidas mínimas (pelo menos 60 cm de área de circulação), permitindo giros de 90° em algumas áreas. Contudo, nos corredores do segundo nível, observa-se um estreitamento que compromete a largura dos corredores.
O acesso à loja é nivelado com a calçada, garantindo acessibilidade de todas as maneiras. No entanto, é importante notar pequenas quebras nos pisos de acesso, gerando uma irregularidade na superfície.
A Figura 3 apresenta o terceiro edifício analisado. Em relação à superfície e paginação do local, o estabelecimento utiliza revestimentos com características acetinadas, sem nenhuma irregularidade aparente, proporcionando uma superfície firme e estável. A paginação é simples e contínua, adotando pisos no formato quadrado ao longo de toda a loja.
Em relação aos degraus e rampas, a loja conta com uma rampa destinada exclusivamente ao acesso ao interior do estabelecimento. A inclinação aproximada da rampa não ultrapassa os 8,33% e é revestida com um tapete de borracha antiderrapante.
O edifício apresenta apenas duas fileiras de gôndolas, que, apesar de serem em menor número, possuem uma altura média aproximada de 1,35 m, delimitando os corredores de circulação (Figura 3). Essas áreas atendem às medidas mínimas de 60 cm, e em algumas regiões, as medidas são superiores a 70 cm. Nas áreas fora dos corredores, o espaço proporciona ampla medida para circulação, não apresentando obstáculos nos caminhos que possam representar riscos para os indivíduos. Assim como nos outros edifícios analisados, o local também é equipado com prateleiras, as quais apresentam altura superior a 2,00 m, alcançando o alinhamento das portas.
Discussão
O presente estudo analisou acessibilidade de ambientes farmacêuticos relacionada à mobilidade de pessoas idosas, baseado na NBR 9050 de 2020. Os resultados do estudo mostraram que as áreas de circulação, o posicionamento e altura das gôndolas e as superfícies dos ambientes farmacêuticos dificultam a mobilidade de indivíduos idosos. As áreas de circulação apresentaram espaço menor do que o recomendado com gôndolas dificultando a locomoção, além das gôndolas apresentarem alturas acima do padrão recomendado, e as superfícies apresentarem revestimentos polidos e contrastantes e degraus e rampas no interior do estabelecimento. Estes achados indicam que a acessibilidade, quando relacionada à mobilidade de idosos, em ambiente farmacêuticos, torna-se reduzida devido a fatores extrínsecos presentes que acabam gerando maior dificuldade e riscos. Esses fatores estão diretamente relacionados ao número de quedas em pessoas idosas (Sofiatti et al., 2021). Desta forma, do ponto de vista prático, há necessidade de revisão da acessibilidade dos ambientes farmacêuticos para idosos, facilitando a mobilidade e aumentando a segurança e independência. A seguir, foram apresentadas interpretações em relação às limitações de acessibilidade em ambientes farmacêuticos para idosos.
A circulação nos espaços farmacêuticos em geral é o principal ponto que não está de acordo com a ABNT NBR 9050/2020 e, desta forma, pode ser considerado fator de risco para os idosos. A presença de obstáculos, como caixas, tapetes e até mesmo as gôndolas, pode gerar desequilíbrio e tropeços, responsáveis por grande parte das quedas (Paiva; Lima; Barros, 2021). Objetos como caixas de reposição de estoque presentes em um dos locais analisados não devem ficar expostos ou comprometer a área de circulação, pois pode afetar diretamente a mobilidade dos idosos que necessitam desviar ou ultrapassar os objetivos. De acordo com Silva et al. (2023), adaptações no padrão são responsáveis pelo aumento no risco de tropeços e quedas de idosos.
As gôndolas e as prateleiras de exposição nas paredes laterais também são fatores que podem gerar desequilíbrio devido às suas alturas. Segundo Araújo et al. (2008), objetos em áreas muito altas ou muito baixas podem fazer com que os indivíduos sofram quedas tentando alcançar algum objeto esticando-se ou abaixando-se. Um estudo realizado com um grupo de indivíduos idosos mostrou que os mesmos buscam deixar armários e utensílios nos ambientes residenciais em altura de fácil alcance para evitar o risco (Cruvinel; Dias; Godoy, 2020). Objetos em locais muito altos ou baixos exigem um controle do centro de massa mais preciso, o que não ocorre em idosos, gerando mais desequilíbrio e apresentando mais riscos de quedas (Bianchi et al., 2020). Assim, recomenda-se a exposição de itens essenciais para a faixa etária em alturas fácil alcance em ambientes farmacêuticos.
Os espaços de corredores, criados com o layout das gôndolas, também não estão em conformidade com a norma NBR 9050/2020, que estabelece larguras mínimas para corredores em edificações de 90 cm. Essa medida permite a passagem de indivíduos que utilizam ferramentas de tecnologia assistiva, como bengalas, andadores e cadeiras de rodas. A área destinada para realização do giro ou manobra necessitaria de um espaço mínimo de 1,20 m x 1,20 m para giros de 90° com cadeira de rodas. Esse espaço, o qual o indivíduo é capaz de realizar uma manobra manuseando um andador, foi observado apenas em um único ponto de um dos locais analisados. A redução do espaço de circulação aumenta o risco de tropeços durante o andar, especialmente para idosos. Estudos têm mostrado que idosos necessitam de um espaço pessoal, caracterizado como a área que circunda o corpo e que permite transações humanas em relação a uma distância (Freitas, 1979), maior para realizar giros e desvios (Lowrey; Watson; Vallis, 2007). Desta forma, é necessário que os espaços de circulação dos corredores sejam repensados em ambientes farmacêuticos para evitar acidentes.
Quanto à superfície dos ambientes farmacêuticos analisados, em geral, atendem às expectativas e necessidades dos usuários de acordo com a NBR 9050/2020, que descreve que os revestimentos e acabamentos precisam ser regulares, firmes, estáveis, não apresentar trepidação, com uma ressalva em relação à condição antiderrapante. Em um dos locais analisados, parte do revestimento tinha natureza polida, representando um fator de risco, uma vez que revestimentos polidos não são antiderrapantes. Pisos polidos possuem características mais degradantes e podem representar um risco, principalmente em momentos após a limpeza, quando ficam mais escorregadios ao entrar em contato com a água. Este é um dos fatores que podem aumentar o número de quedas em pessoas idosas (Figueiredo Júnior et al., 2019; Carochinho; Caldeira; Jacob, 2022; Sofiatti et al., 2021).
A mudança de revestimento presente na paginação do ambiente A pode aumentar o risco de quedas nos corredores. A NBR 9050 (2020, p. 53) enfatiza que “[...] deve-se evitar a utilização de padronagem na superfície do piso que possa causar sensação de insegurança (por exemplo, estampas que, pelo contraste de desenho ou cor, possam causar a impressão de tridimensionalidade) [...]”. Sendo a visão um processo complexo que envolve toda estrutura do olho, controle motor e neural, a obtenção de informações do ambiente influencia diretamente na orientação do movimento do corpo. Considerando que com o envelhecimento, ocorrem modificações no sistema visual, como o aguçamento da sensibilidade ao contraste (Sofiatti et al., 2021), a mudança no padrão e nas cores podem interferir diretamente na orientação durante o caminhar e torna-se um fator que pode contribuir com quedas em pessoas idosas. Além disso, a não padronização dos tamanhos dos espelhos dos degraus não garante um ritmo constante no subir e descer da escada (Gastaldi; Castilho, 2012). Isso se deve por alguns motivos, tais como pela dificuldade dos idosos em adaptar-se a tamanhos irregulares durante o uso dos degraus, relacionada também à maior variabilidade da marcha, e também pela dificuldade da percepção visual que é diminuída com o envelhecimento (Sofiatti et al., 2021), fazendo com que tenham mais dificuldades em detectar as variações de tamanhos dos espelhos.
Estudos relatam que escadas e degraus, quando não apresentam corrimão, são considerados agentes de alto risco (Araújo et al., 2008; Paiva; Lima; Barros, 2021; Ribeiro et al., 2008). Segundo a norma brasileira, corrimãos devem estar instalados em rampas e escadas, mesmo em situação de degrau isolado. Isso é representado na NBR 9050 (2020, p. 64), que diz: “[...] quando se tratar de degrau isolado, com um único degrau, deve ser instalado um corrimão, respeitando 4.6.5, com comprimento mínimo de 0,30 m cujo ponto central esteja posicionado a 0,75 m de altura, medido a partir do bocel ou quina do degrau [...]”. Não foi o que ocorreu nos ambientes farmacêuticos analisados. A falta de corrimão representa um aumento significativo no risco de quedas em idosos, principalmente devido à questão postural e desequilíbrio ocasionado pela mudança no centro de massa (Bianchi et al., 2020). Assim, a estabilidade dos indivíduos idosos fica reduzida sem o uso de corrimão, passando a apresentar dificuldade para subir e descer degraus sem apoio.
Apesar de achados interessantes, este estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, embora a medição dos locais não tenha sido realizada, a avaliação visual cuidadosa e sistemática proporcionou condições favoráveis para compreender os principais problemas observados nos locais de estudo, especialmente em relação à acessibilidade e à mobilidade do público idoso. Ainda, a análise por dois profissionais diminui os vieses das análises. Segundo, foram analisados apenas três estabelecimentos. Embora a maioria dos ambientes farmacêuticos apresentarem estrutura e organização similar, pode ser que uma análise de mais locais mostre achados mais consistentes. Finalmente, os idosos não foram questionados sobre as limitações de acessibilidade encontradas no estudo. Sugerimos para pesquisas futuras analisar a opinião dos idosos em relação aos pontos indicados neste estudo e mensurar a mobilidade de idosos no ambiente farmacêutico para confirmar os achados deste estudo.
Conclusões
Com base nos resultados e discussões apresentadas, conclui-se que os ambientes farmacêuticos enfrentam desafios significativos em termos de acessibilidade relacionada à mobilidade para idosos, refletindo problemas comuns em ambientes construídos. A principal barreira identificada nas análises está relacionada com as áreas de circulação, onde a não conformidade com as dimensões estabelecidas pela NBR 9050/2020 para corredores e áreas de manobra, dificultam a circulação de pessoas, principalmente as que dependem de tecnologias assistivas. Ainda, outras barreiras foram identificadas, tais como revestimentos inadequados, pisos polidos que representam riscos de escorregões, mudanças bruscas na paginação, que podem aumentar o risco de quedas, a presença de obstáculos nos corredores (como caixas, tapetes e gôndolas), criando condições propícias para desequilíbrio e tropeços, a falta de corrimão em degraus e escadas, bem como a disposição inadequada de prateleiras em alturas não acessíveis. Fatores esses que contribuem para o desafio enfrentado pelos idosos ao utilizar esses espaços.
As análises realizadas nos ambientes farmacêuticos destacam a importância do cumprimento das normas e regulamentos de acessibilidade, como a NBR 9050/2020, por parte de profissionais envolvidos diretamente com projetos de espaços públicos. Fica evidente a necessidade de uma fiscalização mais eficaz e rígida por parte dos órgãos responsáveis, a fim de garantir que projetos, como de espaços farmacêuticos, cumpram com os requisitos mínimos legais de acessibilidade.
Por outro lado, as barreiras identificadas e pontuadas não se limitam apenas a ambientes farmacêuticos, mas também estão presentes em muitos outros espaços comerciais ou espaços públicos urbanos. Sendo assim, além de promover a melhoria da acessibilidade, mobilidade e segurança nas instâncias farmacêuticas, esta análise sugere que os profissionais e agentes governamentais se comprometam com o estrito cumprimento das regulamentações técnicas, aliado à incorporação dos conhecimentos mais recentes específicos para cada cenário de aplicação, visando promover a efetiva inclusão social dos idosos nos diversos espaços públicos.
Portanto, é crucial que medidas corretivas sejam implementadas em todos os ambientes farmacêuticos, visando atender às normas de acessibilidade e proporcionar condições adequadas para a mobilidade dos idosos.
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Editado por
-
Editora:
Luciana Inês Gomes Miron
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Jan 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
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Recebido
11 Mar 2024 -
Aceito
13 Maio 2024