Resumo
Este trabalho aborda a verticalização habitacional em cidades brasileiras que declinam da conexão com o espaço público. O objetivo é identificar a condição de urbanidade em uma área habitacional verticalizada recente, orientados por meio do diagnóstico das condições de conectividade, permeabilidade e acessibilidade, resultante das implantações de tais empreendimentos. A análise se dá pela perspectiva dos atributos de vitalidade e qualidade do espaço coletivo para a compreensão de uma região morfológica, tendo a cidade de Sorocaba-SP como estudo de caso. Para as análises, foram realizados levantamentos, mapeamentos e sistematizações que levaram à seleção da área verticalizada, o Parque Campolim. Os resultados apontam a verticalização recente como instrumento estratégico de viés neoliberal, que consolida territórios desconsiderando a esfera coletiva e a qualidade socioambiental. A verticalização contemporânea ocorre com a interferência de agentes econômicos que determinam, orientam e transformam, na ausência de um planejamento urbano adequado e sustentável, com empreendimentos que priorizam a lógica de maior lucro. Esse processo implica formas urbanas distantes da urbanidade almejada onde as relações humanizadoras como o caminhar e as convivências, bem como a permeabilidade e conectividade não são valorizadas, reforçando desigualdades sociais que podem comprometer o futuro de cidades que se desejam justas e inclusivas.
Palavras-chave
Morfologia urbana; Habitação coletiva; Espaços públicos; Verticalidade urbana
Abstract
This work examines the context of vertical housing development in Brazilian cities, which is declining in its connection with public space. The aim is to identify the condition of urbanity in a recent vertical housing area, guided by a diagnosis of the conditions of connectivity, permeability, and accessibility resulting from the implementation of such developments. The analysis is conducted from the perspective of the attributes of vitality and quality of the collective space for understanding a morphological region, with the city of Sorocaba-SP as a case study. For the analysis, surveys, mapping, and systematization were carried out, selecting the area of Parque Campolim. The results show the recent verticalization as a strategic instrument of the neoliberal city, consolidating territories without a collective sphere and socio-environmental quality. Contemporary verticalization is driven by economic actors who reshaped urban landscapes, prioritizing profit over sustainable planning. This process leads to urban forms far from the desired urbanity, where humanizing relationships such as walking and coexistence, permeability, and connectivity are not valued, reinforcing social inequalities that could jeopardize the future of cities that are supposed to be fair and inclusive.
Keywords
Urban morphology; Collective housing; Public spaces; Urban verticality
Introdução
As ponderações sobre os modos de vida urbana conduzem às reflexões sobre as cidades e os fatores de ingerência em seus índices de expansão, suscetíveis aos contextos temporais e econômicos. As investigações sobre os núcleos de assentamento atuais são necessárias à compreensão de comunidades, de suas relações com a forma urbana e dos encadeamentos desses conjuntos com o meio natural e dos índices de qualidade de vida e sustentabilidade.
Em uma sociedade cada vez mais urbana (ONU-Habitat, 2022), se faz pertinente examinar os efeitos do crescimento das cidades sob a perspectiva da convivência das pessoas nos espaços conformados para a assimilação de tais demandas de expansão. Os dados sobre população e domicílios do último Censo demonstram um crescimento nacional no período intercensitário de 2010-2022 com diferentes dinâmicas espaciais regionais, estaduais e municipais que, contudo, evidenciam a robustez da interiorização da população nesse período (IBGE, 2023). Ademais, no exame dos maiores índices de crescimento absoluto, verifica-se a intensificação dos números de domicílios em apartamentos nas cidades classificadas como capitais regionais pelo último relatório de Regiões de Influência das Cidades – REGIC, 2018 (IBGE, 2020, 2023).
A verticalização pode ser um recurso competente na resposta às demandas de crescimento urbano, sob a ótica de instrumentação em um planejamento que busque articulação entre diferentes fatores que compõem as cidades. Na perspectiva da sustentabilidade urbana, pode ser importante aliada para frear a expansão e ampliar as densidades, construindo territórios mais compactos (Roso; Oliveira; Beuter, 2021). A verticalização também pode ser instrumento na promoção de oportunidades para que um maior número de pessoas possa residir em espaços com melhores índices de urbanidade, acesso a trabalhos e infraestrutura pública (Rolnick, 2014), apenas maximizando o aproveitamento da valorização do solo urbano (Ayoub et al., 2021). Além de estabelecer novas formas de morar, malhas urbanas e oferecer a possibilidade de multiplicação do solo, o processo de verticalização detém potencial de possibilitar proximidades e diminuir tempo com deslocamentos (Silveira; Silveira, 2014).
Entretanto, o que se observa em muitas cidades brasileiras é a permanência da expansão periférica, juntamente com a verticalização de outras áreas, cujo padrão de implantação urbanística é inadequado ao suporte necessário à vida pública, isto é, incapaz de incentivar a presença, a convivência e apropriação das pessoas nos espaços públicos (Yunda; Sletto, 2020). Este padrão de ocupação verticalizada se soma às condições desiguais de acesso a bens, serviços e infraestrutura nas cidades pelos diversos grupos da sociedade, gerando segregação, exclusão e o espraiamento da cidade, inclusive sobre áreas ambientalmente frágeis. Ao sistema econômico vigente interessa reforçar esses modos de produção e reprodução que, por meio da lógica neoliberal, promovem um caos urbano sistêmico (Smith et al., 2009).
Ademais, o processo recente de verticalização pouco se apresenta como promotor da vitalidade urbana e de aproveitamento de infraestrutura existente, pois não enfatiza a permeabilidade, a vinculação com o espaço público do entorno, da qualidade do espaço pedonal, dentre outros benefícios proporcionados pela maior densidade urbana (Lacerda; Leitão; Queiroz, 2010; Symmes, 2017; Rios; Viana; Morrone, 2022), resultando em espaços com insatisfatórios graus de urbanidade, condição que se refere às características e capacidade de acolhimento às pessoas (Aguiar, 2010). Assim, a síntese dos atributos arquitetônicos e urbanísticos que, em conjunto, propiciam a interação e a apropriação das pessoas com os lugares, se expressa nas condições diversas de urbanidade, na medida em que apresenta maior ou menor capacidade de acolhimento. Por sua vez, a vitalidade urbana compreende o fluxo e a permanência de pessoas nos espaços públicos (Holanda et al., 2012). Dentro dessa dimensão, a urbanidade é algo que o ambiente urbano oferece através dos principais elementos morfológicos. Logo, um elevado grau de urbanidade corresponde à elevados níveis de acessibilidade, densidade, diversidade e continuidade espacial.
É possível dizer, portanto, que os espaços públicos possuem papel fundamental na vida urbana, pois, sem eles, um terreno denso e altamente construído não se constitui cidade (Sassen, 2013). Eles são capazes de oferecer algo essencial da vida urbana: a liberdade de ir e vir, do uso e apropriação por qualquer cidadão. Os espaços públicos possibilitam os encontros inesperados entre pessoas de diferentes grupos, ideologias ou classe social, e é por isso que possuem papel basilar nesta dinâmica urbana (Innerarity, 2010).
Todavia, o padrão corrente de empreendimentos verticais declina, em grande parte, da conexão com o espaço público, ocupando terrenos de grandes dimensões e caracterizando-se por extensões muradas, marcando a paisagem urbana pelos volumes das torres e/ou pelos fechamentos dos diversos pavimentos de garagem junto à calçada (Holanda et al., 2012; Alas, 2013). Tais implantações rejeitam os valores da urbanidade e da vitalidade no espaço público e, apesar de munidos de câmeras, controles de acesso e barreiras, não resultam em segurança (Whyte, 1980; Bentley et al., 1999; Carmona, 2021) – direcionando-se para a valorização da renda do solo, pressionando a legislação urbanística municipal para potencializar a financeirização do espaço urbano (Ayoub et al., 2021).
O fenômeno do surgimento de novos bairros verticais em decorrência das lógicas do mercado imobiliário suscita a questão abordada por essa pesquisa, qual seja, compreender os efeitos da forma urbana resultantes em um território que se conforma a partir da implantação de edifícios que rejeitam as relações do privado com o público. Neste contexto, este trabalho aborda a conjuntura de verticalização em capitais regionais brasileiras com expressivos índices de crescimento populacional, em dinâmicas que expõem os conflitos urbanos entre os atores que produzem o espaço intraurbano e os munícipes. Assim, o objetivo desse estudo é identificar as condições de urbanidade em uma área habitacional verticalizada recente, orientados por meio do diagnóstico das condições de conectividade, permeabilidade e acessibilidade, resultante das implantações de tais empreendimentos. Tal análise, de caráter qualitativo, se embasa pelos atributos de vitalidade e qualidade do espaço coletivo para a compreensão de uma região morfológica recente.
Para atingir o escopo pretendido, apresenta-se o diagnóstico de um estudo de caso na cidade de Sorocaba-SP, cidade-sede da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), destacada como um dos pontos de referência geográfica de crescimento populacional do interior do Brasil no período intercensitário (IBGE, 2023). Foram examinados os arranjos de quadras, a conectividade do traçado das ruas e as alternativas de deslocamentos na forma urbana do Parque Campolim, objeto dessa investigação, no perímetro em que o tecido urbano está em processo de consolidação mediante os processos de construção da paisagem verticalizada.
Urbanidade, vitalidade e verticalização
Nas transformações decorridas no conceito de urbanidade pela passagem do tempo, pode-se identificar um núcleo comum: a relação com uma cidade. A urbanidade surge da interação de uma configuração espacial, práticas espaciais e temporais, ideias e percepções, e autodescrições ou descrições (Rau, 2020). Os conceitos de urbanidade mudam ao longo do tempo ou são regionalmente diferentes, tendo se tornado um termo corrente na década de 1960. As avaliações sobre a perda de urbanidade por autores como Jane Jacobs (2000) levaram às críticas do Desenho Urbano da era moderna. Assim, os conceitos associados à urbanidade são tratados a partir das investigações das relações entre as pessoas e o ambiente construído em que estão inseridas, considerando-se as possibilidades de interações, apropriações e a qualidade ambiental urbana nas experiências dos cidadãos que convivem nesses espaços (Holanda et al., 2012; Aguiar, 2010, 2016; Rammé, 2020; Albieri; Gomes, 2021).
Para a efetivação de ambientes responsivos, é imperioso garantir espaços providos de vitalidade urbana, com atenção aos atributos de permeabilidade, variedade, legibilidade, robustez, apropriação visual, riqueza e personalização para o desenvolvimento de projetos de áreas urbanas (Bentley et al., 1999). O projeto urbano deve contribuir para o bem-estar dos indivíduos considerando a realidade do contexto atual, em que oportunidades são constrangidas pelo mercado econômico e articulações políticas legislativas. O projeto, enquanto processo, deve ser visto como atividade de integração comum a todos aqueles implicados na geração e manutenção das áreas para que estas possuam características que garantam espaços bem-sucedidos ao uso e convívio das pessoas (Carmona et al., 2021).
Os tópicos sobre a forma urbana, uso do solo, tráfego, comunidade, ambiente construído, cidadãos, economia urbana, ambiente sociocultural e instalações estão indissociavelmente ligados à vitalidade urbana através de determinadas características e condições (Liu; Gou; Xiong, 2022). A vitalidade urbana é possível contributo para estabelecimento de laços sociais comunitários, na interface entre o ambiente construído e a coesão social, como um pré-requisito para uma cidade segura e bem-sucedida em termos de vida nas ruas, sendo conceituada e avaliada à medida que os espaços urbanos possuem vida e animação (Mouratidis; Poortinga, 2020).
Diferentes formas de expansão urbana e paisagística, uso e ocupação do solo, os padrões das formas construtivas, os diferentes graus de densidade populacional, mobilidade e diversidade da população têm efeitos e proporcionam estímulos diferentes na vida urbana. A conectividade da rede rodoviária, a acessibilidade do tráfego e a densidade das intersecções – que estão intimamente relacionadas ao uso do solo – melhoram a mobilidade da população dos quarteirões e aumentam a sua vitalidade (Liu; Gou; Xiong, 2022).
Ignorar questões de conectividade, acessibilidade e flexibilidade de usos causa a reprodução de formas urbanas menos sustentáveis, com menores níveis de igualdade social e entraves de viabilidade econômica em longo prazo (Carmona et al., 2021). As novas centralidades possuem a densidade funcional do centro histórico, mas, fisicamente, não são tão densas. As novas áreas tendem a ser conformadas pela lógica baseada no automóvel e ao privilégio em seus requisitos de espaço, e não nas distâncias percorridas pelos pedestres (Russin, 1999).
Em relação à verticalização urbana, constitui-se como processos que determinam paisagens, acarretando novos valores residenciais, de localização, segurança e infraestrutura. Portanto, seus encadeamentos em relação aos espaços das cidades deveriam garantir uma evolução urbana geradora de riqueza, qualidade ambiental e de vida para as pessoas.
Nas últimas décadas, os processos de verticalização são observados não somente nas grandes metrópoles, mas também nas cidades de grande e médio porte (Morais; Silva; Medeiros, 2007). No Brasil, a partir da década de 1970, cidades classificadas em menores níveis de hierarquia urbana (quando comparadas às grandes metrópoles) passaram a atrair investimentos e a sofrer modificações socioeconômicas. Políticas públicas de âmbito federal de desenvolvimento para cidades médias foram implementadas visando reduzir migrações metropolitanas. Assim, cidades médias têm apresentado crescimento e transformações geradas com a expansão urbana horizontal e vertical (Oliveira; França, 2012). A verticalização habitacional, nos moldes recentes, tem se traduzido numa forma de precariedade urbana num primeiro momento, mas com perspectiva de futura precarização habitacional, em um processo semelhante ao que ocorre em outros países (Symmes, 2017), implicando na hiper densificação.
Neste contexto, este trabalho se orienta pelo aprofundamento das condições de conectividade e permeabilidade do tecido das ruas, caminhabilidade e oportunidades, cenário de acessibilidade e mobilidade às pessoas e definição dos limites entre os espaços públicos e privados, por meio das análises do sistema de ruas no plano do tecido urbano verticalizado do Parque Campolim em Sorocaba-SP.
Sorocaba e o Parque Campolim
Sorocaba está localizada no interior de São Paulo (Figura 1), possui 723.574 habitantes, caracteriza-se como a 7ª cidade mais populosa do Estado paulista e a 27ª mais populosa do país (IBGE, 2023). Além do aumento populacional de 23,3% em relação aos dados do Censo 2010, verifica-se o crescimento econômico, ocupando a 7ª colocação no ranking nacional de cidades do interior. Além disso, o Produto Interno Bruto (PIB) da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS) cresceu 0,7% no primeiro trimestre de 2023, sendo o maior PIB das regiões do interior paulista neste período (IBGE, 2023; FSEADE, 2024).
Região Metropolitana de Sorocaba (RMS) no Estado de São Paulo, localização do município de Sorocaba na RMS, divisas oficiais e tecido urbano
A institucionalização da RMS, em 2014, acelerou os processos de consolidação metropolitana local e de expansão de sua área de influência. A cidade de Sorocaba recebe pessoas que buscam melhores condições de vida, vindas de cidades menores da RMS e do sul do Estado de São Paulo e que acabam por ofertar sua força de trabalho aos arranjos macrometropolitanos. Sob a ótica das dinâmicas econômicas no contexto territorial entre as Regiões Metropolitanas de Sorocaba, São Paulo e Campinas, além da proximidade, observa-se a abertura para novos investimentos e a subordinação funcional da RMS em relação às demais regiões metropolitanas. Aponta-se que o crescimento demográfico e econômico de Sorocaba e região deve considerar as limitações existentes pelos agentes políticos, sociais e econômicos envolvidos no combate às desigualdades socioespaciais produzidas, com vistas a uma expansão socialmente justa (Mauá Filho; Lima, 2023).
No Censo de 2022 (Figura 2), Sorocaba está inserida na maior classe de tamanho populacional, com mais de 500.000 habitantes. Juntamente aos 40 demais núcleos de mesma classificação, compõe 0,74% dos municípios brasileiros que, em totalidade, abrigam mais da metade da população total nacional (58.876.980 habitantes). A cidade foi destacada como 4º munícipio brasileiro com maior variação absoluta de crescimento demográfico.
Censo 2022: Gráficos de distribuição dos municípios segundo classes de tamanho e Sorocaba destacada como o 4º maior índice de crescimento absoluto populacional
Dentre as Capitais Regionais, Sorocaba obteve o maior percentual de crescimento, seguida por Joinville-SC, Uberlândia-MG e, desconsiderando-se as capitais estaduais, Ribeirão Preto-SP. Esses dados demonstram o contexto de capitais regionais em acelerada expansão demográfica, em percentuais notadamente maiores em relação às grandes metrópoles.
Além disso, no exame dos dados sobre os domicílios nas cidades destacadas na Tabela 1 resta demonstrado semelhante aumento percentual de residências em apartamentos – destaca-se que, desde o Censo de 2010 (IBGE, 2011), Sorocaba obteve 13,51% de aumento dessa tipologia de acordo com os últimos dados divulgados, totalizando 21,80%, apresentando, ainda assim, o menor percentual dentre as capitais regionais (IBGE, 2023). Sublinha-se que, dentre essas, Sorocaba era a única que possuía menos de 10% dos domicílios em apartamentos (IBGE, 2011), fatores que podem corroborar a confirmação de que a cidade passa por um processo de verticalização tardia. Ademais, a reunião dos gráficos com os percentuais de tipos de domicílios atuais das quatro Capitais Regionais supracitadas, demonstrada na Figura 3, salienta o maior percentual em residências em vila ou condomínios na cidade.
Cidades com mais de 500.000 habitantes com maiores índices de crescimento absoluto populacional e a expansão em domicílios em apartamentos
Diante dessa conjuntura, observa-se o crescimento vertical e a ampla oferta de empreendimentos imobiliários residenciais. Nos últimos 12 anos, tal crescimento pode ser examinado na paisagem da cidade, nas pesquisas do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (SECOVI-SP) e nas notícias dos jornais locais que pontuam o aumento da preferência dos sorocabanos pela moradia em apartamentos (Jornal Cruzeiro do Sul (JCS) (JCS, 2023a, 2023b). Mesmo a pandemia do Covid-19 não impactou negativamente a produção da construção civil sorocabana; ao contrário, os números de comercialização e construção dos edifícios vêm sendo cada vez maiores (JCS, 2020a, 2020b, 2021, 2022a, 2022b, 2022c). A origem da formação do núcleo urbano de Sorocaba é datada de 1654, em uma época em que os arredores da primeira construção da cidade e o rio eram utilizados como ponto de paragem bandeirante e, posteriormente, rota do comércio de muares (Straforini, 2001; Celli, 2012). A cidade manteve a concentração das funções comerciais e administrativas em seu núcleo urbano inicial – o Centro – durante séculos, até o início dos anos 2000, quando passa a partilhar tais atribuições com o bairro Parque Campolim (Figura 4), com ocupação fomentada a partir da inauguração do Shopping Esplanada, em 1991. As construções dos primeiros edifícios altos da cidade ocorreram durante a década de 1950, no centro. Na década de 1980, o sul da cidade começa a presenciar o surgimento de loteamentos (Barreto, 2007). O local se caracteriza pela apropriação da população de alta renda (Burgos, 2015), concentrando condomínios horizontais a partir dos anos 2000 e, nos últimos anos, a proeminente ocupação verticalizada.
Para identificação das áreas nas quais tais processos vêm ocorrendo, os dados sobre os edifícios com mais de cinco pavimentos na cidade foram sistematizados de acordo com os locais e anos de implantação. O Código de Obras do Município (Sorocaba, 1966) estabelece a obrigatoriedade do uso do elevador aos edifícios com altura superior a 10 metros, contados a partir do nível de acesso. Além disso, foram selecionados os edifícios com cinco ou mais pavimentos apontados pela pesquisa que documenta as construções de três ou mais pavimentos de Sorocaba até o ano de 2018 (Monteiro; Mauá, 2019). Esses dados foram complementados por informações sobre os anos de conclusões dos edifícios e atualizados com as detecções mais recentes (de 2019 a 2024), por meio de levantamentos nos sites das construtoras, portais com informações públicas de registros de condomínios, na plataforma de acervo disponível para assinantes do Jornal Cruzeiro do Sul (JCS, 2024) e por meio de confirmações em campo iniciadas nos dias 6 de agosto de 2023 e atualizadas no dia 9 de março de 2024.
Dessa forma, foram elaborados mapeamentos que identificam as edificações altas (Figura 5) e as décadas de ocorrência de suas construções (Figura 6), com perímetros urbanos estabelecidos a partir da compreensão das conexões viárias na leitura do sistema de ruas no plano da cidade de Sorocaba (Figura 4). Em seu conjunto, o plano da cidade é constituído pelas complexidades dos elementos de ruas (sistemas de ruas), parcelas (quarteirões) e edifícios (plantas de implantação) (Conzen, 2022).
Regiões com edifícios altos em Sorocaba-SP – classificações por quantidades e década de conclusão dos empreendimentos
Ao observar os dados do mapa (Figura 6), que versa sobre as décadas e quantidades de edifícios em cada região, confirma-se a produção verticalizada iniciada durante as décadas de 1950 e 1960 na região central e intensificada durante os anos 1970 até os anos 2000. O núcleo histórico de Sorocaba é a segunda região que possui mais edifícios altos na cidade (conforme os dados dos levantamentos, são oitenta e oito torres). Ao colocar como outra centralidade o período a partir dos anos 2000, nota-se que o Parque Campolim passou a absorver a demanda habitacional voltada à população de alta renda, o que até então ocorria no centro da cidade.
A documentação de registro do loteamento do Parque Campolim data de 1976 e o início de implantação do bairro ocorreu a partir de 1981. Neste sentido, a Figura 7 apresenta a área que foi planejada para ocupar porções dos dois lados da via de acesso ao shopping, a Avenida Antônio Carlos Comitre, estendendo-se além da Rodovia Raposo Tavares – porção com edifícios altos, construídos a partir dos anos 2000 (Barreto, 2007). Atualmente, as porções de terra ao sul e ao oeste em relação à implantação inicial possuem logradouro que as identifica conjuntamente como Parque Campolim; porém, não há registros de aprovações de loteamentos e parcelamentos do solo.
Menciona-se que o Esplanada Shopping Center (atual Iguatemi Esplanada) situa-se na divisa entre Sorocaba e Votorantim, imediatamente ao leste do Parque Campolim e ao sul da Rodovia Raposo Tavares (Figuras 4 e 7). Essa região, destinada à moradia daqueles com maior poder aquisitivo, desenvolveu-se a partir da construção, por parte do poder público, do viaduto que passa pela Rod. Raposo Tavares, permitindo o acesso da Av. Antônio Carlos Comitre ao então novo shopping center, a consequente valorização da área sul do loteamento e a verticalização urbana no local (Barreto, 2007).
Uma comparação das fotos aéreas dos anos de 2011, 2015, 2019 e 2023 (Figura 8) ilustra que tais extensões de terra são locais de efetivação dos empreendimentos nos anos recentes e constitui-se pela área de interesse deste estudo, situada ao nordeste da região circunscrita pelas principais conexões viárias. Na observação das modificações ocorridas nos últimos treze anos, ressalta-se a transformação da Rua Antônio Perez Hernandez, ao sul da área demonstrada, revelando-se como local que se conforma a partir das sucessivas implantações verticais. A verticalização é observada nas porções nordeste, central (próximas às construções de caráter industrial, estas adjacentes à Rod. Raposo Tavares) e, proeminentemente, na porção sul.
O processo de ocupação ao sul do perímetro sugere a produção civil acelerada no local, haja vista que, enquanto na foto aérea de 2011 é notada a divisão estabelecida pelo condomínio de casas adjacente, na imagem de 2023, a faixa que antes se caracterizava enquanto vazio, apresenta enfática presença de edificações, estas ainda mais altas que as primeiras construções verticais da região ao nordeste. Deste modo, a rua Antônio Perez Hernandez concentra as edificações altas recentes, com fundos de lotes dividindo muros com as casas do condomínio.
Procedimentos metodológicos
Para a obtenção da delimitação do objeto de análise, qual seja, o tecido da região em que se observa a verticalização urbana recente no Parque Campolim, foi identificada a Região Morfológica por meio da verificação das plantas das ruas, parcelamento e edificações do plano urbano (Conzen, 2022; Rammé; Pina, 2019).
Configurando o estudo de caso desta pesquisa, a área verticalizada do Parque Campolim se encontra nos limites administrativos situados entre as cidades de Sorocaba e Votorantim, em uma região onde há conurbação urbana. Para a definição do traçado do perímetro de estudo, ao norte e leste manteve-se a utilização do traçado das conexões viárias da Rod. Raposo Tavares, Av. Gisele Constantino ao leste, ao sul pelas divisões de fundos de lotes de edifícios verticais com os condomínios fechados horizontais e, ao oeste, o delineamento foi estabelecido junto à Área de Preservação Permanente (APP), conforme demonstrado na Figura 9.
Delimitação da área de estudo, loteamentos fechados ao sul e sudoeste e enxerto do Mapa de Próprios Municipais da Prefeitura de Sorocaba (PMS)
A Figura 9 mostra que não há permeabilidade viária pública, constituindo-se imensa barreira, sob a perspectiva da acessibilidade, uma vez que o parcelamento de quadras se constitui por vias com controle de acesso privativo.
Ademais, assinala-se uma situação de apropriação das nascentes e Áreas de Preservação Permanente (APP) por parte dos loteamentos fechados implantados entre os anos de 1999 e 2006 (Souza, 2018; PMS, 2018, 2024a). As quadras dos condomínios circundam as APPs e o acesso a essas é bloqueado por meio do controle das portarias, identificando uma contradição no mapeamento de áreas públicas pela prefeitura, uma vez que as APPs são internas aos loteamentos fechados e, mesmo assim, são pontuadas como públicas (PMS, 2024b), contabilizando como parte da área verde obrigatória para aprovação de seu projeto de implantação.
Foram examinados os arranjos de quadras, a conectividade do traçado das ruas e as alternativas de deslocamentos na forma urbana do Parque Campolim. As orientações organizadas na Dimensão Morfológica do Desenho Urbano (Carmona et al., 2021) abarcam a necessidade de haver combinações de diferentes tamanhos de quadras em uma malha urbana bem conectada que permita acessibilidade e boas condições de mobilidade às pessoas (Bentley et al., 1999; Jacobs, 2000; Carmona et al., 2021), garantindo, desse modo, a multiplicidade de caminhos possíveis (Rapoport, 1978; Jacobs, 2000; Bentley et al., 1999; Carmona et al., 2021) em distâncias confortáveis para os deslocamentos (Rapoport, 1978). Para que se atinja este objetivo, deve haver complexidade visual nos itinerários urbanos, com variedade de edifícios e acomodação de equipamentos e atividades próximas às superfícies de fachadas (Rapoport, 1978; Whyte, 1980; Appleyeard, 1981; Bentley et al., 1999; Jacobs, 2000; Carmona et al., 2021).
Para isto, foram elaborados:
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mapas de tecido urbano que contrastam os desenhos dos traçados de parcelamento de quadras e comunicações viárias;
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mapa das ruas sem saída, apoiado por imagens dos locais; mapa de distâncias dos caminhos; e
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esquema de análise topográfica da Rua Antônio Perez Hernandez, apoiada por imagens do local.
Conexões, percursos e alternativas da trama vertical
Conforme exposto, as análises aqui apresentadas orientam-se ao esclarecimento dos atributos de conectividade, deslocamentos e das condições e alternativas na forma urbana ocupada prioritariamente por habitações verticais; busca-se, nas recomendações que objetivem espaços urbanos vitais, os parâmetros de análise para compreensão do espaço público. Dirige-se aos esclarecimentos em relação aos graus de acessibilidade e mobilidade no convívio das ruas, das oportunidades de escolhas de caminhos e das condições de movimentação e integração social.
No diagnóstico do plano da malha viária do Parque Campolim (Figura 10), a constituição do tecido urbano do local demonstra-se deficiente. A imagem à esquerda destaca as figuras das quadras e o sistema viário; na segunda, observa-se as divisões dos lotes dentro das quadras preenchidas; e o terceiro mapa sistematiza o dimensionamento das quadras, classificando-as de acordo com as áreas.
A leitura dos mapas (Figura 10) sugere que a consolidação da malha urbana está submetida aos movimentos de inserção dos empreendimentos verticais, partindo da conexão viária arterial ao leste (Av. Gisele Constantino), dos fundos de lotes industriais ao norte (próximos à Rua Wilson Evangelista, em obras) e dos muros dos condomínios ao sul (Figura 9), até o núcleo do contorno – onde ainda se observa vazios urbanos com características de terrenos de chácaras e, ao oeste, verifica-se a fronteira com a Área de Preservação Permanente e, ainda assim, construções verticais próximas, conforme demonstrado no discorrer deste diagnóstico. Tal movimento de ocupação prenuncia a formação de um território urbano que tende, em algum momento, a se aproximar da extensão da APP ignorando sua importância ambiental.
Para a utilização de parâmetros orientadores das classificações dos tamanhos de quadras, utilizou-se a legislação local vigente, qual seja, o Código de Obras do Município (Sorocaba, 1966). Portanto, tem-se o estabelecimento da primeira classificação com quadras de oitenta metros de extensão em ambos os lados, resultando em 6.400 m2 de área; e, sucessivamente, as demais até as “superquadras” em tecidos com 180.000 m2 de área.
A Figura 11 apresenta, em mesma escala, os mapas da malha viária dos perímetros deste estudo e da região central de Sorocaba. Com exceção das quadras ao nordeste (originárias do projeto do loteamento inicial do bairro), a área do Parque Campolim conforma-se em quadras enormes, sem parcelamento e intersecções viárias adequados e, ainda assim, pontua-se a ocorrência de onze problemas de conexões: dez desses, ruas sem saída e um viário de caminhada pedestre de terra, que é utilizado enquanto passagem de carros.
Chama a atenção o contraste entre a existência de ruas curtas e não conectadas, a escassez de ruas locais apropriadas e a consolidação de ruas super extensas que desempenham o papel de coletar os acessos ao interior da área a partir do eixo viário arterial ao leste (Av. Gisele Constantino). Pontua-se, dessa forma, uma quantidade relevante de registros de ruas sem saída no local (Figura 12) e a baixa ocorrência de intersecções viárias, fatores que demonstram a precariedade de parcelamento do solo e da permeabilidade urbana da área.
A Figura 13 apresenta as vistas superiores das situações indicadas no Mapa de Próprios Municipais (PMS, 2024b), que conformam pequenas áreas livres que permitem a circulação pedestre. As situações 1 e 2 conformam espaços de permeabilidade em relação à avenida adjacente, com dimensões suficientes para suportar as atividades de uma área livre de lazer. Destaca-se a situação 1, pois difere-se das demais uma vez que, apesar de possuir maior área, é desprovida de cuidados de manutenção e infraestrutura viária. A situação 3 pontua a interrupção da via ao encontro da faixa verde que antecede e permeia a área institucional. As situações 4, 5 e 6 obstruem o tráfego automotor, porém permitem a transposição do pedestre e constituem-se por áreas de preservação ambiental. A porção nordeste do perímetro de estudo apresenta situações de falta de conectividade desde sua concepção inicial com a presença de cul-de-sacs e “faixas verdes” como estratégia de não invadir a APP.
Organizadas na Figura 14, as situações 7 a 11 apresentam o traçado do viário público sendo interrompido ao conceder espaço aos acessos de lotes privados. Destaca-se a “mata” ao lado de um grande empreendimento com quatro altas torres na situação 9, que possui maior porcentagem de área e árvores inseridas no espaço interno do condomínio clube, delimitado pelo muro – que delineia a passagem de terra adjacente.
O mapa com os percursos internos (Figura 15) pontua os caminhos de acordo com as distâncias percorridas em relação à medida máxima até que se depare com uma possibilidade de mudança de trajetória; a apresentação em conjunto com o esquema do perímetro e as curvas de níveis da topografia do local intenta a maior compreensão a respeito das inclinações de relevo desses itinerários. A ausência de variedade de tamanho ou arranjos de quadras e poucas intersecções viárias geram baixos níveis de permeabilidade e conectividade urbana, dificultando os deslocamentos automotores e, principalmente, a caminhabilidade. A porção nordeste, já mencionada por apresentar menores extensões de quadras, demonstra, por meio da interpretação de seus caminhos, que os arranjos do tecido indicam um certo superdimensionamento de quadras, uma vez que, ainda assim, constitui-se pela presença de longos caminhos. A parte sul do perímetro de análise possui três caminhos onde se faz necessário percorrer mais do que 550 metros até que se haja a possibilidade de cruzamentos – sendo a R. Antônio Perez Hernandez com mais de 800 metros de percurso.
Uma leitura esquemática da topografia da Rua Antônio Perez Hernandez, onde situa-se o maior percurso sem permeabilidade e encontro de outras conexões viárias (Figura 16) indica percursos longos e exaustivos para o pedestre. O trecho constituído pela maior quantidade de ocupações em ambos os lados da Rua Antônio Perez Hernandez não possui expressiva inclinação do relevo, situação que se altera conforme a aproximação ao trecho com maior ocorrência de terrenos vazios e relevo mais baixo, característica topográfica de áreas próximas de cursos hidrológicos e de importância ambiental (ressalta-se a APP, delimitadora da região a oeste).
As Figuras 17 e 18 apresentam esquemas em que cada imagem é acompanhada da vista superior da rua, com o posicionamento de observação das fotos indicado em amarelo. No nível das calçadas, na averiguação da conexão das superfícies construídas com a rua, os empreendimentos verticais não estabelecem vínculos com o espaço público, impedidos pelas próprias barreiras, distantes dos atributos de urbanidade – os fechamentos não permitem a permeabilidade visual, não há áreas de descanso e permanência e, tampouco, espaços que permitam atividades no decorrer das fachadas. Da forma como são colocados no traçado das implantações dos edifícios residenciais e em suas materialidades construtivas, os limites estabelecidos traduzem a ausência de diretrizes de suporte à correlação dos espaços internos (lote) e externos (rua).
imagens da Rua Antônio Perez Hernandez (intersecção com viário de terra/ pista de caminhada), 9 de março de 2024
A Figura 19 revela, à esquerda, as fachadas muradas do condomínio residencial de casas) e o acesso a um dos condomínios verticais (canto inferior); e, à direita, observa-se comércio próximo à APP, com equipamentos esportivos e de lazer, tais como quadras, inseridos dentro do lote também murado (canto superior) e o bar na esquina com a Av. Gisele Constantino, via arterial delimitadora do perímetro estudado (canto inferior). Em dissonância com as recomendações para vitalidade urbana, a rua mais verticalizada do Parque Campolim, além de ainda se constituir como cenário de obras da construção civil verticalizada, possui pouco comércio. Além disso, é possível ver exemplo de acesso de condomínio residencial por escada diretamente na calçada e, embora exista faixa ajardinada, não há mobiliário urbano ou vegetação para sombreamento.
Rejeição da urbanidade
Ruas e quadras longas e com alta ocupação do solo constituem espaços opressivos, ao passo que uma malha mais permeável pode estimular conexões com parques e praças, diferentes usos e variedade de tipologias habitacionais na constituição de uma densidade adequada (Jacobs, 2000). Os dimensionamentos dos quarteirões se relacionam ao aspecto de permeabilidade viária, uma vez que, quanto menores as quadras, maiores serão as alternativas de percursos (Bentley et al., 1999). O arranjo de quadras pode determinar a qualidade da forma urbana, mas não necessariamente definir as formas arquitetônicas. Os padrões de ruas são mais resilientes em relação à infraestrutura e devem apresentar medidas que permitam transformações, bem como áreas suficientes para desenvolvimento comercial, circulação e espaço social (Carmona et al., 2021).
O desenho de circulação no interior das quadras, voltado para o pedestre e a fruição, deve ser uma alternativa mais presente, pois potencializa a interação social e a flexibilização das formas arquitetônicas. Contudo, a produção atual do padrão de verticalização vê estas possibilidades como desperdício e redução de lucros, preferindo se concentrar na defesa de cidadelas enclausuradas como única alternativa de segurança.
Importante estabelecer vínculos dos novos caminhos com os existentes, prevendo as intensidades de uso e facilitando a permeabilidade com a multiplicidade de caminhos e conexões (Rapoport, 1978). Outro aspecto ignorado por tais empreendimentos em Sorocaba é a fachada, que desconsidera a relação e a percepção com as pessoas e com espaço público ao adotar muros e garagens. Diversas cidades já usam a fachada ativa, juntamente com o incentivo de uso misto no térreo das edificações, com acesso aberto, como instrumento urbanístico para dinamizar espaços e passeios públicos. Em espaços predominantemente residenciais, a complexidade e a variedade de usos devem ser buscadas, associando texturas, formas, pesos, vegetação, sons, contrastes, simbolismo, significado e variação temporal. Da mesma maneira, a acessibilidade dentro e fora dos empreendimentos precisa ser mais bem considerada nos seus diversos aspectos, destacando-se as calçadas e passeios.
As pessoas desejam ambientes ricos e complexos e que ofereçam novas informações e variedade. Base neurológica recente associada ao domínio da arquitetura tem colaborado para o aprimoramento da análise de como os lugares e edificações influenciam pensamentos e sentimentos dos usuários (Ellard, 2016). Nela, se busca compreender a influência das construções e espaços urbanos na percepção das pessoas. A experiência de Ellard (2016) confirmou que fachadas monótonas influenciam negativamente, levando as pessoas ao estado de tédio.
Conclusões
O estudo da área de verticalização recente da cidade de Sorocaba, o Parque Campolim, demonstra a consolidação de um local com baixas condições de urbanidade. A análise morfológica aponta situações que podem ser irreversíveis, uma vez que grande parte da ocupação desse território ocorre na ausência de um projeto de parcelamento de quadras ou de uma legislação competente. Existe, ainda, possibilidade de agravamento do quadro se o vasto vazio verde existente entre as áreas verticalizadas a nordeste e ao sul forem ocupadas da mesma maneira ou de forma pior.
A concentração verticalizada pode ser um instrumento potente de atendimento às demandas populacionais de crescimento mais compacto, mas não é o que vem sendo feito. As estratégias mercadológicas visando alto valor de troca se sobrepõem à Arquitetura e Urbanismo, definindo outros valores para a arquitetura e paisagem urbana: segurança, homogeneidade socioeconômica, equipamentos e serviços de uso exclusivo e que se traduzem em muros altos, cercas eletrificadas, guaritas fortificadas e negligência com o pedestre e espaço público. No caso do bairro Campolim, em Sorocaba, todos os itens da cartilha mercadológica estão presentes, com o agravamento da ausência completa de tratamento das APPs pelo planejamento urbano. Salienta-se que o poder público deixa de cumprir seu papel em serviço à população, uma vez que se deixa cooptar pelos interesses exclusivos do setor privado, se esquivando, em muitos casos, de cuidar do interesse público e da qualidade socioambiental urbana.
Os padrões atuais de verticalização urbana estão distantes da sustentabilidade necessária para o futuro das cidades no sentido de mitigar os impactos negativos da crise ambiental e gerar formas urbanas capazes de maiores níveis de adaptação para evitar a continuidade dos efeitos nocivos da mudança climática, no que as cidades são as grandes responsáveis (IPCC, 2024).
Evidencia-se, no caso estudado, uma produção habitacional desvinculada do contexto urbano e humanístico. Em fins da década de 1990 e início dos anos 2000, o poder público autorizou o enclausuramento de territórios, apropriando-se das áreas de preservação e nascentes, reservando-as exclusivamente para a população de maior renda. Hoje, a verticalização atualiza o processo de exclusividade pela oferta habitacional mercadológica, desconsiderando as relações intrínsecas entre projeto urbano e arquitetônico dos edifícios, bem como as transições e os vínculos do lote com a esfera coletiva da rua e da cidade.
Os resultados obtidos direcionam à afirmação que de a ausência de atributos que corroborem a vitalidade urbana seria estratégica e deliberada no sentido da maximização de lucro do capital de incorporação, diante de uma demanda superior à oferta. Ademais, faltam produtos diferenciados, restringindo mais ainda a oferta e a concorrência. Infelizmente, não se verifica mínima avaliação da população e do poder público perante o prognóstico problemático para a região, que pode implicar a precarização da já inexistente qualidade ambiental, bem como requisitar altos investimentos do município para, minimamente, sanar problemas que poderiam ter sido evitados praticamente sem custos. Esse estudo indica que, ao se negar acolhimento de espaços de convívio, fluxos e permanências, encontros e experiências, esse novo modelo de expansão urbana verticalizada resulta em um tecido de potência autodestruidora enquanto ambiente coletivo com reflexos para toda a cidade.
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Editado por
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Editora:
Karin Regina de Castro Marins
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Mar 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
-
Recebido
01 Mar 2024 -
Aceito
19 Jul 2024