Resumo
A expansão urbana das últimas décadas, com ocupação inadequada em encostas, aumentou significativamente o risco da ocorrência de desastres nos municípios brasileiros. A dificuldade do ordenamento dessas áreas se reflete nos procedimentos de licenciamento urbanístico e ambiental, e o mapeamento de risco e a legislação, devem refletir uma ocupação responsável do território. Diante das incertezas científicas que envolvem o tema, o trabalho busca relacionar leis, normas, planos, mapas e manuais técnicos no Município de Nova Friburgo (RJ), tendo como referência, as obrigações da Lei 12.608/2012 e o princípio da prevenção em matéria de desastres. O objetivo do estudo é, portanto, promover uma observação dos instrumentos de análise concernentes à aprovação de empreendimentos urbanísticos em áreas suscetíveis à ocorrência de movimentos de massa em município da região serrana do Rio de Janeiro, apoiando-se no arcabouço técnico e na legislação vigente. Como resultado, a identificação das necessidades básicas de atendimento à norma, do aprimoramento da cartografia geotécnica e de procedimentos administrativos. A contribuição do trabalho se dá na organização de dados técnicos e jurídicos, para subsidiar o desenvolvimento de novos parâmetros de análise e recomendações concernentes à tomada de decisão sobre a ocupação do território.
Palavras-chave
Ocupação urbana; Licenciamento urbanístico; Gestão de riscos
Abstract
The urban sprawl of recent decades, with inadequate occupation of hillsides, has significantly increased the risk of disasters in Brazilian municipalities. The difficulty of planning these areas is reflected in urban and environmental licensing procedures, so risk mapping and legislation must reflect a responsible occupation of the territory. Because of scientific uncertainties surrounding the subject, the work searches laws, norms, plans, maps and technical manuals used in the Municipality of Nova Friburgo (RJ), to attend the obligations of Law 12.608/2012 and the principle of disaster prevention. The aim of the study is promote an observation of the analysis instruments concerning the approval of urban developments in areas susceptible to the occurrence of mass movements in a municipality in the mountainous region of Rio de Janeiro, based on the technical framework and legislation in force. As a result, the basic needs to comply the legislation like, the improvement of geotechnical mapping and administrative procedures. The work's contribution is the organization of technical and legal data to support the development of new analysis parameters and recommendations for decision-making on land use.
Keywords
Urban occupation; Urban licensing; Risk management
Introdução
No Brasil, a temática da prevenção do risco de desastres ainda é encarada de forma desagregada das demais políticas públicas de ordenamento do solo, impossibilitando uma visão holística sobre o problema. Impulsionado pelo crescimento populacional das cidades, o agravamento do potencial de ocorrência de movimentos de massa e inundações tem como fator determinante a ocupação inadequada em encostas, margens de rios, mangues e fundos de vales (Motta; Pêgo, 2013).
De acordo com pesquisa publicada em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), devido à precariedade das condições administrativas, carência de recursos humanos, financeiros e de infraestrutura, são muitas as dificuldades enfrentadas pelos municípios. O estudo admite que problemas urbanos e ambientais podem ser agravados por procedimentos e decisões inadequadas no processo de ordenamento territorial, e propõe o aperfeiçoamento de instrumentos legais relacionados (Motta; Pêgo, 2013).
Não obstante às responsabilidades imputadas a gestores públicos pela referida Lei, Dulac e Kobiyama (2017) apontam que dos 5.570 municípios brasileiros, em 2014, apenas 728 (13%) possuíam mapeamento de áreas de perigo a ocorrência de movimentos de massa (Brasil, 2012). Nota-se que muitas vezes os municípios têm informações sobre riscos, porém, imprecisas e em escalas inadequadas, o que prejudica a qualidade das análises.
Em âmbito internacional, destacam-se as ações estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde a década Internacional de Redução dos Desastres Naturais nos anos de 1990 a 1999, e seus desdobramentos nos Marcos de Ação para Redução do Risco de desastres, o Marco de Ação de Hyogo (MAH) para os anos 2005/2015 (UNDRR, 2005) e o Marco de Ação de Sendai (MAS), para os anos 2015 / 2030. Considerados instrumentos de auxílio à implementação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento de ameaças naturais, o MAH e o, MAS, tratam de compromissos assumidos por diversos países, com orientações para os governos locais adotarem como meta até 2030 (UNDRR, 2015).
Como país signatário do referido compromisso, o Brasil estabeleceu estratégias intersetoriais de aprimoramento da gestão de riscos de desastres nos processos de urbanização das cidades. Em 2012, a Lei 12.608, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), compondo o atual arcabouço legal brasileiro, adotou em comum, os principais objetivos do MAS. São objetivos do MAS (Brasil, 2012; UNDRR, 2015):
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compreender o risco de desastres;
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fortalecer a governança e gerenciamento do risco de desastres;
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investir na redução do risco de desastres para a resiliência; e
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melhorar as ações de preparação, resposta, recuperação, reabilitação e reconstrução (UNDRR, 2015).
Impulsionada pelos eventos meteorológicos ocorridos no Vale do Itajaí, em Santa Catarina (SC), no ano de 2008 e na Região Serrana do Rio de Janeiro (RJ), em 2011, a Lei 12.608/2012 estabeleceu competências e obrigações relacionadas à gestão e ao gerenciamento de desastres enfrentados pelos governos brasileiros nas suas esferas federal, estadual e municipal. Diante das incertezas científicas e o baixo conhecimento sobre áreas suscetíveis a desastres nas cidades, as exigências da PNPDEC, expuseram as carências dos municípios no que tange a aplicação de normas e procedimentos que envolvem a responsabilidade dos gestores no controle e ordenamento do território.
Fruto de questionamentos sobre o novo marco técnico e jurídico estabelecido no Brasil, e ainda, sobre sua incorporação em procedimentos de licenciamento urbanístico ambiental municípios, o objetivo do estudo é promover uma observação dos diversos atores e instrumentos concernentes à aprovação de empreendimentos urbanísticos em áreas suscetíveis à ocorrência de movimentos de massa no Município de Nova Friburgo. A partir da organização de leis, normas, planos, cartas, mapas e manuais técnicos relacionados à gestão integrada do risco de desastres, o trabalho busca compreender os requisitos mínimos de análise de empreendimentos, conforme as determinações da Lei 12.608/2012 e literatura científica pesquisada.
Considerando que o conceito de perigo antropogênico está associado a problemas urbanos como desmatamentos, queimadas, ocupação e assoreamento de cursos hídricos, cortes e aterros em encostas, insuficiência ou ausência de sistemas de drenagem, depósitos de lixo, entre outras (Barcessat, 2017), o presente estudo se relaciona com a tipologia de desastre produzida ou potencializada por ações ou omissões humanas, em áreas suscetíveis a movimentos de massa do tipo deslizamento planar ou translacional.
Por seu histórico de ocorrências e ocupação em encostas, foram levantadas condicionantes relacionadas aos perigos antropogênicos e à aprovação de empreendimentos no Município de Nova Friburgo, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, que possui cerca de 70% de sua população, habitando as áreas urbanas da cidade. Vale, porém, deixar claro o conceito de movimento de massa tratado no trabalho, sendo o conjunto de processos geológicos de deslocamento de solo, rocha e/ou detritos no sentido descendente da encosta em função da ação da gravidade, seja de modo natural, ou induzido pelo homem (Cruden e Varnes, 1996).
Assim, diante da variedade de terminologias e conceitos existentes sobre o tema, considerou-se no presente, o documento Hazard Information Profiles da United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNDRR, 2021), que traz definições internacionais mais recentes. O estudo admite os desastres originários de eventos compostos em cascata e evidencia a compreensão da interação entre diferentes perigos e múltiplos riscos: naturais, biológicos, artificiais/tecnológicos, químicos, sociais e ambientais (UNDRR, 2021).
Desenvolvido conjuntamente por um grupo de trabalho técnico da UNDRR e do International Scientific Council (ISC), para a revisão da tipologia e classificação de cada um dos 302 “Perfis de Informações de Perigo”, Hazard Information Profiles (HIPs), é o documento base para o fortalecimento das políticas de redução de riscos dos países estabelecidas pela ONU (UNDRR, 2021). O Hazard Definition & Classification Review - Technical Report de 2020, que subsidiou a definição dos Perfis de Informações de Perigo, revisou os conceitos em desastres classificados por sua origem natural, antropogênica ou socionatural.
Para conceituação geral dos termos adotados no trabalho, no quadro abaixo, são descritos os conceitos de desastre, perigo, vulnerabilidade, exposição e capacidade, atualizados no Hazard Definition & Classification Review (UNDRR, 2020), em alinhamento com o Marco de Sendai e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (Quadro 1).
A definição de capacidades sociais e de governança frente a desastres, inclui infraestruturas, instituições, competências e atributos coletivos. Assim, o gerenciamento de riscos de desastres nas suas fases de prevenção e mitigação, deve ser fundamentada na integração das políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano, meio ambiente, saúde, educação, gestão de recursos hídricos, geologia e outras políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável (Brasil, 2012).
Conceitos fundamentais
Avaliação de risco
Segundo Tominaga (2007), a “avaliação do risco” é de fundamental importância para o planejamento e desenvolvimento das estratégias de mitigação dos danos dos desastres, e os procedimentos utilizados na avaliação, diferem conforme a natureza do fenômeno abordado. A depender das especificidades inerentes a cada caso, destacam-se os fatores condicionantes específicos para análises de perigo de deslizamentos como ângulo da encosta, litologia, condições dos lençóis d’água, e outros fatores.
A avaliação do risco consiste em uma metodologia elaborada para determinar a natureza e extensão da ameaça, baseada na análise do perigo potencial e das condições de vulnerabilidade capazes de apresentar uma possibilidade de danos à população, à propriedade, à economia e ao ambiente. Portanto, para uma gestão responsável do território, a mera definição dos condicionantes, deveriam, por si só, implicar em recomendações ou obrigações de implementação de medidas estruturais e não estruturais voltadas à mitigação e redução de riscos, bem como, a elaboração de projetos de engenharia apropriados (Fell et al., 2008).
As referidas medidas mitigatórias diferenciam-se por sua essência e finalidade da seguinte forma:
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medidas estruturais: ações de caráter corretivo, em que se aplicam soluções da engenharia com o objetivo de minimizar os riscos em curto prazo, e preveem intervenções físicas nas áreas afetadas conforme as suas características. São obras de estabilização de encostas, sistemas de micro e macrodrenagem, obras de infraestrutura urbana, retaludamento, recuperação das encostas com proteção vegetal, relocação de moradias etc. (Bitar, 2014); e
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medidas não estruturais: são as consideradas “tecnologias brandas”, relacionadas às políticas urbanas e ambientais, ao planejamento territorial, à legislação, aos mapeamentos, aos planos de defesa civil e à educação, sem a intervenção de obras de engenharia. É aqui que se enquadra o gerenciamento dos riscos com resultados a longo prazo, com ações de capacitação de técnicos municipais, levantamento e atualização do arcabouço legal, além da informação e sensibilização das comunidades locais (Bitar, 2014).
Dessa forma, os municípios deveriam ser capazes de tratar da ocupação de imóveis inseridos em áreas suscetíveis a desastres através de ações que combinam os dois tipos de medidas, envolvendo a promoção ou solicitação de estudos geotécnicos e hidrológicos, da execução de obras de mitigação, da suspensão de impostos, da desocupação compulsória, de projetos de reassentamento, regularização fundiária e outros.
Princípios da prevenção e da precaução
Segundo Zapater (2017), o princípio da prevenção é baseado na previsibilidade de um prognóstico quanto às consequências danosas e o conhecimento prévio de seus efeitos. Para Antunes (2020), é aplicável aos impactos ambientais já conhecidos, onde é possível, com segurança, estabelecer nexos de causalidade na identificação de impactos futuros prováveis.
O princípio da prevenção tem como objetivo, impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, através da imposição de medidas acautelatórias, antes da implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras.
(Milaré, 2015, p. 264).
Reconhecido como uma das diretrizes e objetivos da PNPDEC, o conceito de prevenção é componente do ciclo da gestão de riscos e desastres, ao lado das ações voltadas à mitigação, preparação, resposta e recuperação em proteção e defesa civil (Brasil, 2012). O princípio da precaução, por sua vez, representa a associação dessas decisões a uma possibilidade de eventos, consequências e danos futuros. Se apresenta como importante instrumento de tutela do meio ambiente, sugerindo cuidados antecipados sobre atitudes ou ações que possam resultar em efeitos indesejáveis à sociedade.
Dada a ausência de diretrizes e parâmetros de análise, é um conceito mais difuso do que o relacionado à prevenção, por contribuir com as inseguranças e incertezas inerentes à tomada de decisões por parte do poder público (Antunes, 2020).
Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro
[...] o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas efetivas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
(ONU, 1992, p.3).
Com origem no Direito alemão da década de 1970, o “princípio da precaução” começou a ser adotado no Brasil a partir da necessidade de avaliação prévia sobre as possíveis consequências danosas sobre o meio ambiente, oriundas de projetos e empreendimentos de grande porte, que se encontravam em implantação no país (Antunes, 2020). Segundo Milaré (2015, p. 165), “[...] a invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada quando a informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta [...]”.
Materiais e métodos
É parte do presente trabalho, a leitura sobre normas e trabalhos científicos com ampla abordagem dos conceitos internacionais dos desastres, da cartografia geotécnica, da avaliação de riscos, e da interface com as políticas urbanas, ambientais e de desastres. A partir das citadas referências, identificam-se normas e informações técnicas mínimas (mapeamentos, dados cartográficos), relacionados à análise e aprovação de empreendimentos urbanísticos em áreas suscetíveis à ocorrência de movimentos de massa em municípios.
Para se alcançar o objetivo proposto, levantou-se quais os subsídios técnicos e informações cartográficas constituem o arcabouço de informações disponível aos municípios, como por exemplo: cartas de suscetibilidade, cartas de perigo, cartas geotécnicas, imagens aéreas e orbitais, manuais técnicos, capacitações, e outros relacionados. Ressalta-se que a qualidade e resultado dos dados descritos, dependem do acesso a bases topográficas de qualidade, desenvolvidas em escalas adequadas a suas respectivas finalidades de análise.
Para a apresentação de resultados, o trabalho se baseia na intersetorialidade dos procedimentos de licenciamento urbanístico, com as Leis nº 12.608/2012 e sua recente alteração promovida pela Lei nº 14.750/2023. Vejamos:
Art. 12-A. É dever do empreendedor público ou privado, de acordo com o risco de acidente ou desastre e o dano potencial associado do empreendimento, definidos pelo poder público, a adoção de medidas preventivas de acidente ou desastre
(Brasil, 2023).
Dessa forma, a pesquisa organiza-se em três partes:
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referencial teórico;
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identificação de base de informação; e
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identificação dos procedimentos de licenciamento urbanístico considerando o risco.
O organograma abaixo demonstra o modelo de organização proposto para estudos desta natureza (Figura 1).
Considerando o universo de informações capazes de direcionar estudos sobre desastres nos governos locais, e ainda, a necessidade de mudança de paradigma de gestores e sociedade sobre o enfrentamento do problema, a proposta de realização de Estudo Comparativo e Identificação de Limiares Técnicos, indicados na 3ª parte do organograma, não foi abarcada no âmbito deste artigo, devendo ser aprofundada em futuros estudos para a construção de um modelo de análise acessível aos municípios.
Apesar das limitações do trabalho para uma avaliação capaz de possibilitar a comparação com outros municípios semelhantes, avalia-se neste artigo, a situação do município de Nova Friburgo, e os avanços e dificuldades expostos nos procedimentos de análise e gerenciamento de riscos no licenciamento municipal. Considerando que a carência de informações, não deve ser óbice ao avanço nas discussões dessa natureza, a indicação das etapas Estudo Comparativo e Identificação de Limiares foi mantida no organograma.
São componentes plenos do estudo:
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organização cronológica e federativa de normas legais, com destaque para a inter-relação da política urbana e de proteção de áreas ambientalmente vulneráveis;
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levantamento de referências sobre os tipos de cartografia geológico-geotécnica historicamente utilizadas em instituições de notório saber em relação a temática no Brasil, indicando suas escalas de análise e finalidades;
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levantamento e descrição dos conceitos técnicos, jurídicos e administrativos relacionados à avaliação de riscos e ao ciclo de vida dos desastres, incluindo os princípios constitucionais da prevenção e da precaução intrínsecos à Lei n.º 12.608/2012 (PNPDEC);
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levantamento das leis e instituições federais, dos estados e dos municípios, voltadas à gestão de risco de desastres; e
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conhecimento do arcabouço técnico relacionado às leis de parcelamento e uso do solo, de proteção da vegetação nativa, do sistema de meio ambiente, de saneamento, de regularização fundiária, e de proteção e defesa civil.
Da mesma forma, com o objetivo de roteirizar as informações para a composição de uma base de análise plena para municípios, independentemente de suas capacidades, foi indicada na Figura 2, a organização necessária de leis, normas, planos, cartas, mapas e manuais técnicos relacionados à gestão integrada do risco no território (Figura 2).
No desenvolvimento da segunda parte do trabalho, são contextualizados os aspectos geomorfológicos a partir de produtos disponíveis no município estudado. Deve-se considerar, o levantamento da estrutura técnico-administrativa concernente aos procedimentos de licenciamento de empreendimentos urbanísticos em áreas de baixo, médio e alto risco de desastres. Isto inclui:
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legislação ambiental, urbanística, e de defesa civil;
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estrutura técnico-administrativa relacionada à emissão de licenças para construção ou legalização de empreendimentos em áreas de perigo (especialidades e capacitações);
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base de dados espaciais disponível: topografia, imagens aéreas e orbitais, hidrografia, uso do solo, softwares;
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existência de Cartografia Geológico-geotécnica (escala, finalidade, metodologia);
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existência de planos setoriais relacionados: planos diretores, de saneamento, de redução de riscos, de regularização fundiária, de conservação da Mata Atlântica e outros; e
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mecanismos legais e operacionais adotados em manifestação sobre as restrições, ou, recomendações em casos de ocupação de áreas suscetíveis à deflagração ou atingimento de movimentos de massa.
Interface da legislação e mapeamentotécnico
Devido ao intenso dinamismo do processo de ocupação urbana e avanços nas normas de referência, o trabalho buscou em nível federal, as ações voltadas ao conhecimento e controle da ocupação dos territórios, uma vez que, muitas vezes, as informações se encontram desagregadas e desatualizadas.
Marcos legais
Partindo do princípio de que a redução da insegurança técnica, jurídica e administrativa no governo e na sociedade, dependem, “de uma compreensão mais ampla do papel do Direito no processo de urbanização, poderia contribuir para a promoção das reformas urbana e jurídica há tanto esperadas, e tão necessárias no Brasil” (Fernandes, 1998). Dentre as leis ambientais e urbanísticas, deve-se destacar nas três esferas de governo, as mais adequadas aos procedimentos de licenciamento de empreendimentos urbanísticos em áreas suscetíveis à ocorrência de desastres.
Constituição Federal
Conforme o inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal, compete aos municípios (Brasil, 1988):
[...] VIII- promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; (...)
(Brasil,1988, p. 34).
Da mesma forma, conforme o disposto no artigo 182 do Capítulo II da Política Urbana da Carta Magma brasileira, posteriormente regulamentado pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 do Estatuto das Cidades (Brasil, 1988):
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana
(Brasil, 1988, p. 112).
O Artigo 225, estabelece o “[...] direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações [...]”, fundamentando as disposições da Política Nacional do Meio Ambiente instituída pela Lei n°6.938/1981 (Brasil, 1988, p. 131).
Política urbana e de desastres
Através da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (6.766/1979), do Estatuto da Cidade (10.257/2001) e da Lei 12.608/2012, a Política Urbana passou a observar restrições à ocupação de áreas classificadas como de Perigo a partir de Cartas Geotécnicas, obrigatórias para o planejamento territorial de “[...] municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos [...]” (Brasil, 1979, 2001, 2012, p. 13). Apesar do determinado em nível federal, o desenvolvimento de normas e orientações sobre a melhor maneira de se ocupar o território em âmbito municipal, dependem de respaldo em bases cartográficas mais precisas, que compreendam a natureza do risco e possibilitem a tomada de decisão (ABNT, 2009).
Nos anos que se seguiram, diante da resistência natural da iniciativa privada em adotar formas de uso e ocupação do solo responsável, que garantisse a mitigação de riscos de desastres, percebe-se um aumento da discussão sobre a necessidade de os municípios aprimorarem as normativas e instrumentos relacionados ao cumprimento da Lei nº 12.608/2012 e suas alterações. Desde sua instituição há mais de uma década, os municípios já deveriam ser capazes de tratar da prevenção de desastres em novos empreendimentos, através da edição de normas, planos, cartas, mapas e manuais técnicos direcionados aos perigos antropogênicos (Monteiro, 2023).
Diante das dificuldades compartilhadas por diversos municípios brasileiros na responsabilização do setor privado e incorporação de estudos e medidas de prevenção em projetos urbanísticos, em dezembro de 2023, foi promulgada a Lei nº 14.750, que alterou a lei 12.608/2012, e incluiu a análise de riscos como critério no processo de urbanização formal das cidades. À PNPDEC foi incorporada a seguinte redação:
Art. 5º São objetivos da PNPDEC:
[...]
XVI - incluir a análise de riscos e a prevenção a desastres no processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos, nas hipóteses definidas pelo poder público; e
XVII - promover a responsabilização do setor privado na adoção de medidas preventivas de desastres e na elaboração e implantação de plano de contingência ou de documento correlato.
(Brasil, 2023, p. 2).
A partir desta regra, a incorporação da análise prévia em empreendimentos e atividades que envolvam risco de desastres, passam a ser condição obrigatória para emissão de licença ambiental de instalação prevista na Política Nacional do Meio Ambiente. Isso pressupõe a necessidade de uma delimitação mais precisa sobre as áreas expostas aos perigos. É necessário, portanto, a identificação daquelas que devem ser submetidas a um controle especial, com restrições ao uso e parcelamento do solo (Brasil, 2023).
Política Municipal
Em setembro de 2019, Nova Friburgo aprovou o Decreto Municipal n° 285/2019 que implementou uma normativa oficial para orientar a análise dos trâmites administrativos relacionados a certidões de zoneamento, aprovações de construções, terraplenagens, supressões de vegetação e parcelamentos do solo em áreas suscetíveis à ocorrência de desastres (Nova Friburgo, 2019). No mesmo ano, considerando a revisão do zoneamento municipal ocorrida entre os anos de 2015 e 2018, a Carta de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundação, na escala 1:25.000 do Serviço Geológico do Brasil (Bitar, 2014) e a Carta Geotécnica de Aptidão Urbana, na escala 1:10.000 do Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, 2015), o Município aprovou o novo macrozoneamento e zoneamento da Lei Complementar Municipal (LCM) n°131/2019.
O conhecimento da cartografia geotécnica citada, induziu o estabelecimento de uma Área de Especial Interesse Geológico Geotécnico conhecida como AIGG, conjugando informações das áreas mais suscetíveis à ocorrência de movimentos de massa em ambas as cartas. Como definição, as AIGG “[...] são porções do território com possibilidade de incidência de ocorrências geológicas e geotécnicas como movimentos de massa, erosões, solapamento de margens de córregos e rios, inundações, colapsos e subsidências.” (Nova Friburgo, 2019, p. 2).
Parágrafo único. Ficam definidas como Áreas de Interesse Geológico e Geotécnico, as delimitadas no Mapa 3 do Anexo I, onde haverá monitoramento constante do Poder Público e especial atenção quanto aos projetos e processos de ocupação, adoção de contramedidas preventivas e mitigadoras dos riscos, controle da expansão urbana e adaptação aos preceitos e normas do projeto GIDES - Gestão Integrada em Riscos de Desastres Naturais, do Governo Federal, e as ações de Defesa Civil às quais definirão onde serão priorizados os reassentamentos das famílias residentes nessas áreas
(Nova Friburgo, 2019, p. 2).
Consta na página do Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da Câmara Municipal, que o zoneamento da LCM nº131/2019 integrava o corpo do anteprojeto de lei de Revisão do Plano Diretor do Municipal, apresentado à Câmara em 2015. Após quatro anos sem tramitação, o novo zoneamento foi aprovado de forma substitutiva e independente da revisão geral do plano, permanecendo vigente o Plano Diretor de 2006 e o zoneamento e o macrozoneamento do ano de 2019.
Nos anos que seguiram ao recebimento das cartas Geotécnica e de Suscetibilidade, o Município editou o Decreto n° 285/2019 que regulamentou os procedimentos administrativos que deveriam ser submetidos à análise de potencial perigo à ocorrência de deslizamentos. A partir dessa regulamentação, a utilização da cartografia elaborada pelo Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos (NADE) do Departamento de Recursos Minerais do DRM-RJ, em 2015, seria o documento de consulta oficial até que o Município desenvolvesse novos mapeamentos.
O Decreto previu, portanto, a utilização de mapeamentos e metodologias complementares, como por exemplo, a Carta de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações (CS) elaborada pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) também em 2015, e em critérios topográficos específicos adotados em manuais técnicos consolidados (Nova Friburgo, 2019).
Marcos técnicos
Em 2013, o governo federal, através de diversos ministérios e agência de cooperação internacional japonesa, iniciou o Projeto de Fortalecimento da Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Desastres Naturais (GIDES) em três municípios piloto: Nova Friburgo e Petrópolis no Rio de Janeiro, e Blumenau, em Santa Catarina. Dentre outras ações, o Projeto desenvolveu, sob coordenação do SGB, o Manual Técnico para Mapeamento de Perigo e Risco a Movimentos Gravitacionais de Massa, que vem sendo utilizado em diversos municípios brasileiros (Pimentel; Santos, 2018).
Projeto GIDES
Devido aos condicionantes físico-naturais, com ocupação de margens de rios e encostas, o Município de Nova Friburgo foi um dos escolhidos para participar da experiência, que culminou na elaboração do referido manual técnico. Atualmente, a partir da integração das técnicas de mapeamento japonês, adequado à experiência prática de órgãos e instituições nacionais, a metodologia desenvolvida é frequentemente utilizada em análises de perigo em terrenos submetidos à aprovação ou legalização de empreendimentos no Município.
Nesta metodologia, as áreas mapeadas são classificadas de acordo com o grau de perigo identificado, considerando a relação da distância da edificação da fonte do processo de mobilização da encosta. Sugere-se a elaboração de Cartas de Perigo em escalas 1:2.500 ou maiores (Pimentel; Santos, 2018).
Para definição das áreas com potencial de ocorrência de deslizamentos planares, a metodologia considera os ângulos, limites e amplitudes de encostas mais propensas a ocorrência de rupturas e deslocamentos de solo, especialmente, aquelas potencialmente destrutivas, que possuem altura igual ou maior que 5 metros, e inclinação média, igual ou superior a 25° (Figura 3).
Método para definição de encostas com potencial de ocorrência de deslizamentos planares – Manual GIDES
De acordo com o Manual, as classificações de perigo são associadas às áreas “críticas” (AC), de deflagração do deslizamento, e áreas de “dispersão” (AD), equivalentes à área de alcance e atingimento de sedimentos, que não podem apresentar evidências de instabilidade oriundas do processo de movimento de massa. Neste método, os graus de perigo são divididos em quatro classes:
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P1(baixo);
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P2 (moderado);
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P3 (alto); e
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P4 (muito alto).
Apresentam-se abaixo as classificações de perigo das áreas críticas estabelecidas em deslizamentos do tipo planar, onde a AC deve corresponder ao maior grau de perigo identificado (Figura 4). No Quadro 1, são descritas informações sobre o reconhecimento de feições de instabilidade nos terrenos em cada classe. O “manual GIDES”, adota a definição de Augusto Filho (1992) para a classificação dos tipos de movimentos de massa (Quadro 2).
Após a etapa de mapeamento orientada pelo manual GIDES, com o objetivo de fornecer subsídios técnicos para a adoção de medidas racionais de prevenção e controle de desastres no processo de ocupação de novas áreas, foi desenvolvido o Manual Técnico para Redução de Riscos de Desastres Aplicado ao Planejamento Urbano, que definiu características de ocupação para três tipos de condição de perigo (Brasil, 2018):
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áreas sem restrição à ocupação: propícias ao desenvolvimento de atividades com maior densidade populacional e longa permanência de pessoas, como: hospitais, edifícios de escritórios e escolas, grandes comércios e equipamentos públicos, serviços, espaços de eventos, habitações multifamiliares, dentre outros;
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áreas de controle à ocupação: propícias a diversos usos desde que sejam implantadas medidas não estruturais para garantir a segurança da ocupação. Destacam-se aqui, as medidas referentes à provisão de infraestrutura de monitoramento e alerta de desastres; e
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áreas com restrição à ocupação: sujeitas a potencial atingimento e ruptura ocasionados por movimentos de massa. Demandam a adoção de medidas estruturais de contenção. As edificações inseridas nessas áreas devem adotar soluções adequadas à topografia e ao solo, de modo que a urbanização se configure como instrumento de redução de riscos de desastres.
Cartas geotécnicas
As Cartas Geotécnicas são instrumentos do planejamento urbano voltados à definição de diretrizes de segurança de novas ocupações, e devem adotar procedimentos técnicos pré-estabelecidos para fins de avaliação da viabilidade locacional. Para Zuquette e Gandolfi (2004), somente o mapeamento geotécnico de suscetibilidade pode gerar um conjunto de informações que permite aos usuários avaliar a predisposição de uma área a processos naturais como erosão, movimentos de massa e subsidências, considerando as diversas áreas de conhecimento e de informações.
Geralmente, este tipo de cartografia geotécnica é desenvolvido na escala 1:10.000 ou 1:5.000, e abrange áreas desocupadas ou urbanizadas, dentro do perímetro urbano dos municípios. Para parametrizar as limitações impostas pelas escalas, Cerri et al. (1996) propuseram o método do detalhamento progressivo com o desenvolvimento do mapeamento geológico-geotécnico em três grandes etapas sucessivas, de modo que cada fase determina os temas técnicos e o nível de aprofundamento necessário ao desenvolvimento da fase subsequente. Vejamos:
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geral: escala entre 1:50.000 e 1:25.000, abordando principalmente a caracterização do meio físico;
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intermediária: escala entre 1:25.000 e 1:10.000, para áreas de adensamento e/ou de expansão urbana, selecionadas a partir do mapa geológico-geotécnico; e
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detalhe: escalas maiores que 1:1.000, a partir da identificação de eventuais problemas geológico-geotécnicos, como suporte a projetos de obras de engenharia para mitigar problemas já instalados ou para a implantação de novos empreendimentos.
Corroborando com estudos anteriores, Sobreira e Souza (2012) adotaram na cartografia geotécnica parâmetros mínimos a serem observados em análises sobre estabilidade de encostas, e destacaram a necessidade de: reconhecimento geológico; análise de declividade e forma das encostas; identificação de áreas sujeitas a inundações e áreas de recarga hídrica; registros de deslizamentos pretéritos; caracterização de remanescentes florestais.
Considerando que a CGU do Município de Nova Friburgo, em escala 1:10.000, não foi elaborada com a finalidade de análise em nível de detalhe, quando há incerteza sobre o mapeamento existente, conforme o Decreto Municipal n°285/2019, é possível condicionar ao interessado, a elaboração de estudos e ações complementares em projetos de empreendimentos previstos em áreas geologicamente inadequadas.
Sem adentrar na descrição da metodologia utilizada na CGU, conforme relatório técnico do NADE/DRM-RJ, a natureza dos fatores de potencial ocorrência a deslizamentos que indicarão as áreas que devem permanecer ou serem desocupadas, dependendo de sua classificação, são: I- Unidade geotécnica; II- Declividade do terreno; III - Curvatura do terreno, e; IV- Uso do solo (Rio de Janeiro, 2015).
Segundo o documento, as referidas recomendações se relacionam da seguinte forma com suas classificações:
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alta, muito alta e crítica: áreas inadequadas à ocupação urbana e restritivas a outros tipos de uso, onde as moradias existentes encontram-se em perigo, e devem ser objeto de ações para redução do risco de desastre. Nestas áreas, deve ser evitada a implantação de novas moradias por representar áreas problemáticas para a abertura de vias ou instalação de empreendimentos. Sua viabilização exigirá a execução de obras de contenção de encostas;
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moderada: áreas nas quais as moradias existentes podem ou não estar em perigo. Representam situações em que os empreendimentos de grande porte podem ser viabilizados com a execução de obras de contenção e ou áreas de expansão urbana, mas, a implantação de moradias não é recomendada; e
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baixa: áreas onde o crescimento vertical das moradias existentes é recomendado desde que acompanhados da adoção de medidas preventivas adequadas, em particular de projetos de alinhamento de vias de acesso e drenagem. Salvo eventuais restrições, são adequadas à ocupação/ expansão urbana (Rio de Janeiro, 2015).
Resultados e discussão
A partir das recentes conceituações técnicas, jurídicas e de governança, a abordagem da pesquisa considera como resultado, o mapeamento das questões relacionadas à avaliação de perigo, uma vez que ainda não estão claros os limites de aplicação dos princípios da prevenção e da precaução na avaliação das restrições do território. Para subsidiar a discussão, os resultados foram organizados sob a forma de quadros-síntese com indicação de avanços, lacunas e propostas de aprimoramento de normas, parâmetros e procedimentos para a gestão de risco (Quadro 3).
De forma incipiente, foi exposta a necessidade de uma regulamentação mais clara, com a indicação preliminar sobre as condições mínimas para se ocupar áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos conforme cartografia existente. Entendeu-se necessário, tanto para o analista técnico, como para o empreendedor, o acesso à limiares técnicos especificados em norma municipal.
Apesar da escala indicada no manual GIDES, o Município de Nova Friburgo tem apresentado resultados de análise bastante satisfatórios quando comparado ao resultado de análises em escala de maior detalhe, ou mesmo, com a utilização de métodos de maior complexidade. Diante das tantas incertezas inerentes ao risco, as análises têm orientado a necessidade de realização de estudos mais detalhados, para que seja possível definir, qual grau de perigo deve condicionar a exigência de obras de mitigação de riscos ante a ocupação do território.
Ao apresentar os conceitos orientados pela literatura de referência, o estudo discute qual o nível de informação é necessário para qualificar a legislação urbanística e ambiental, que imponha uma ocupação responsável em áreas suscetíveis à ocorrência de movimentos de massa. À luz da Lei n.°12.608/2012, as carências institucionais foram expostas no município estudado, trazendo aos autores, questionamentos sobre os critérios ideais de análise, capazes de atestar a viabilidade de construção ou legalização de empreendimentos. Questiona-se:
Qual seria o limiar técnico capaz de possibilitar aos municípios requerer estudos geológico-geotécnicos complementares ou até mesmo o indeferimento da solicitação de licença?
Quais desdobramentos administrativos em casos em que o risco não for mitigável, ou mitigável apenas por meio de intervenções estruturais de alto custo econômico?
Quais os eventuais entraves técnicos, políticos, sociais, jurídicos e econômicos que permeiam a matéria e prejudicam os avanços?
Conclusão
A partir de esforços nacionais e internacionais voltados à redução e mitigação de riscos nas cidades, o trabalho aponta para a necessidade de desenvolvimento de procedimentos de licenciamento urbanístico e ambiental específicos para empreendimentos em áreas de potencial perigo em nível local, especialmente de deslizamentos do tipo planar ou translacional, por se tratar da tipologia mais recorrente nas encostas brasileiras.
Apesar das diversas normas, órgãos e instituições relacionadas ao tema, identifica-se no trabalho, a necessidade de aprofundamento na discussão sobre um modelo de análise técnica no âmbito de procedimentos de licenciamento, com critérios e limiares técnicos específicos para se condicionar à mitigação de riscos associados, e à ocupação racional e sustentável do território. Observou-se as seguintes necessidades:
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revisão e aprimoramento de cartografia geotécnica a partir de técnicas de “detalhamento progressivo”;
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avanço na legislação de referência com a adoção de institutos jurídicos capazes de fundamentar a não ocupação de áreas com potencial perigo à ocorrência de deslizamentos, ou, a ocupação mediante a elaboração de estudos geológico-geotécnicos e/ou implementação de medidas mitigatórias; e
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parametrização de medidas estruturais e não estruturais compatíveis com o grau de risco e sua respectiva mitigação.
No que se refere ao estabelecimento desses critérios na aprovação de novos parcelamentos e construções nas cidades, no recorte do Município de Nova Friburgo, o trabalho reconhece a limitação dos procedimentos de licenciamento urbanístico face à carência de mapeamento em escala adequada. Na observação dos autores, em procedimentos de licenciamento, os municípios devem considerar os graus de perigo, juntamente com a característica de implantação do empreendimento, a partir de métodos de avaliação de notório saber, e a partir de uma parametrização de medidas mitigatórias correspondentes.
Diante dos diversos graus de perigo e medidas possíveis, com casos em que o risco só é mitigável apenas por meio de intervenções estruturais de alto custo econômico, discute-se, em âmbito municipal, que medidas complementares poderão ser solicitadas em função das condições dos terrenos, conforme análises e laudos técnicos. Assim, a avaliação dos procedimentos de licenciamento urbanístico, e a exigência de implementação de medidas estruturais e não estruturais no Município de Nova Friburgo, indicam a necessidade de uma cartografia geológica minimamente adequada às necessidades da análise, bem como, de uma legislação urbanística coerente com a gestão responsável do território.
Uma vez que mesmo quando suportada em procedimentos jurídicos e administrativos, ações estruturais de mitigação do risco são custosas e inacessíveis para grande parte da população, conclui-se, que a redução de riscos de desastres no contexto do licenciamento ambiental e urbanístico, depende, prioritariamente, de sua representação em normas e regulamentações específicas. Para que avanços na construção de um modelo de análise relacionada à ocupação de empreendimentos em áreas suscetíveis a deslizamentos sejam observados, os municípios devem atuar na integração das políticas públicas relacionadas a desastres, com maior esforço governamental na aquisição de bases cartográficas em escala adequada à análise e identificação de potencial perigo em áreas urbanas.
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Editado por
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Editora:
Karin Regina de Castro Marins
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jan 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
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Recebido
01 Mar 2024 -
Aceito
03 Jun 2024