Open-access Metodologia para cadastro urbano-ambiental de nova unidade de conservação: área de relevante interesse ecológico Floresta da Posse

Methodology for urban-environmental cadaster of a new conservation unit: Floresta da Posse area of relevant ecological interest

Resumo

O presente trabalho apresenta uma metodologia envolvendo levantamentos e análise de índices de vegetação. A região escolhida foi a recém-criada Unidade de Conservação denominada Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta da Posse. O objetivo final foi a integração dessa região ao Cadastro Territorial Multifinalitário da Cidade do Rio de Janeiro. Os produtos gerados incluíram: 1) inventário de bases cadastrais e produtos geoespaciais existentes; 2) levantamento topográfico dos limites e feições de interesse; 3) geração de um modelo digital de elevação e curvas de nível; 4) processamento de imagens de sensores ópticos; e 5) integração dos produtos geoespaciais ao Sistema de Informações Urbanas do Município do Rio de Janeiro (componente do Cadastro Territorial Multifinalitário). Os resultados apresentam não somente os produtos obtidos através das distintas geotecnologias, mas também uma análise referente à sua integração enquanto ferramenta de gestão e planejamento de Unidades de Conservação em diferentes cenários.

Palavras-chave
Cadastro territorial multifinalitário; Parque natural; Modelo digital de elevação; Curvas de nível; Cadastro arbóreo

Abstract

This study presents a methodology involving surveys and vegetation index analysis. The chosen region was the newly established Conservation Unit called the Floresta da Posse Area of Relevant Ecological Interest. The ultimate goal was to integrate this region into the Multipurpose Land Cadaster of the City of Rio de Janeiro. The products generated included: inventory of existing cadastral bases and geospatial products; 2) topographic survey of boundaries and features of interest; 3) generation of a digital elevation model and contour lines; 4) processing of optical sensor images; and 5) integration of geospatial products into the Urban Information System of the Municipality of Rio de Janeiro (a component of the Multifunctional Land Registry). The results present not only the products obtained through various geotechnologies but also an analysis regarding their integration as a management and planning tool for Conservation Units in different scenarios.

Keywords
Multipurpose land cadaster; Natural park; Geoprocessing; Photogrammetry; Remote sensing; Topography; Digital cartography

Introdução

O município do Rio de Janeiro é lar de importantes remanescentes florestais, cuja preservação é vital para a qualidade de vida dos residentes, o equilíbrio ambiental, a conservação da fauna e flora e a educação ambiental. A Serra da Posse, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, desempenha um papel crucial na conservação dessas áreas (Fernandes et al., 2022). Seus fragmentos florestais e áreas circundantes representam os últimos vestígios de uma formação de floresta ombrófila submontana com diferentes graus de conservação (IBGE, 1992). Além disso, a Serra da Posse permite estabelecer conexões com fragmentos mais preservados de outras regiões do município, como os da Pedra Branca e do Gericinó-Mendanha (Pontes; Rocha, 2008; Castro, 2015).

O Decreto nº 50962, de 08 de junho de 2022 (Rio de Janeiro, 2022b), teve como objetivo principal definir a Unidade de Conservação (UC) denominada Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) da Floresta da Posse. Essa UC está situada nos bairros de Campo Grande, Santíssimo e Senador Vasconcelos, no Município do Rio de Janeiro. Uma ARIE é uma área protegida por lei, conforme previsto na legislação que trata do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), conforme Brasil (2000). De acordo com essa legislação, uma ARIE tem como propósito proteger áreas menores, de até 5 mil hectares, que apresentam características naturais extraordinárias ou abrigam espécies raras de fauna e flora.

O Anexo I ao Decreto nº 50962/2022, intitulado “Memorial Cartográfico Descritivo dos Limites da Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta da Posse”, fornece informações detalhadas sobre a delimitação regional dessa área. Além dessa área, outro loteamento localizado entre as ruas Mário Machado Amaral, Rogério Coelho Neto, Conrado Pereira e Ana Custódia ainda não estava integrado à base cadastral do Município do Rio de Janeiro em seu mapeamento. Tal loteamento adveio de um Projeto de Alinhamento e Loteamento (PAL), a ser incorporado à ARIE Serra da Posse como área de lazer e administração.

Igualmente importante, além da determinação do perímetro limítrofe, é conhecer o impacto do entorno na manutenção do remanescente florestal da Unidade de Conservação, bem como identificar variações de cobertura vegetal e delinear áreas para possíveis ações de reflorestamento ou maior atenção na manutenção da vegetação existente.

Sendo assim, este trabalho apoia-se numa série de procedimentos metodológicos empregados de modo a atender às necessidades de locação, delimitação e elaboração de bases geoespaciais referentes à área da ARIE Floresta da Posse, para melhor gestão e conservação da mesma. Historicamente, a geração de todos esses produtos levaria à criação de distintos produtos, sem integração entre eles. O trabalho em pauta, contudo, buscou também integrá-los ao Sistema de Informações Urbanas do município do Rio de Janeiro (componente do Cadastro Territorial Multifinalitário), permitindo sua utilização em atividades futuras de planejamento, bem como em intervenções ambientais e urbanísticas na recém-criada Unidade de Conservação. Nesse sentido, a proposta aqui apresentada pretende inovar no sentido de padronizar uma série de métodos integradores de geotecnologias, que possam ser replicados na gestão de outras Unidades de Conservação não somente no Rio de Janeiro como também em outros municípios e estados da Federação.

Objeto de estudo e caracterização do problema de investigação

A Serra da Posse está localizada na Bacia da Baía de Sepetiba, na Área de Planejamento 5, abrangendo trechos dos bairros de Campo Grande, Senador Vasconcelos e Santíssimo, pertencentes à Região Administrativa XVIII (Campo Grande) (Figura 1). Trata-se de uma área ocupada no passado por remanescente de Mata Atlântica, mas que atualmente encontra-se em uma região altamente densificada e urbanizada. É formada pelo conjunto de três morros (Luís Bom, da Posse e das Paineiras) e entre dois grandes maciços do município (Pedra Branca e Gericinó-Mendanha), que possuem histórico de ocupação por grandes lotes agrícolas, conforme Estudo Técnico prévio (Rio de Janeiro, 2022a).

Figura 1
Entorno da Floresta da Posse, Zona Oeste do Estado do Rio de Janeiro

Tendo em vista a importância quanto à preservação de ecossistemas naturais e beleza cênica numa área com forte impacto antrópico (Figura 2), a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima elaborou uma série de estudos técnicos com enfoque na Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do Rio de Janeiro, dos Corredores Verdes, a Restauração Ambiental e o Programa de Reflorestamento e Preservação das Encostas. A comunidade do entorno foi engajada em consultas públicas para definir possível limite para a ARIE Floresta da Posse, bem como definir objetivos comuns referentes à implantação da Unidade de Conservação, tais como: proteger os ecossistemas naturais e beleza cênica; promover o desenvolvimento de atividades de recreação e educação ambiental, aumentar o grau de proteção das áreas de reflorestamento; promover a restauração ambiental de corpos hídricos; fomentar a realização de pesquisas científicas; aumentar a disponibilização de habitat florestal; promover a qualidade de vida dos moradores da região; e disciplinar e compatibilizar os processos de uso e ocupação do solo. Tais ações culminaram no Decreto nº 50.962 de 8 de junho de 2022, no qual a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro cria a Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta da Posse.

Figura 2
Ecossistemas naturais, beleza cênica e ações de educação ambiental

O mero estabelecimento de Unidade de Conservação (UC) mediante decreto, entretanto, não garante sua efetiva gestão. Cabe, em contrapartida, à Administração Municipal a tarefa de gerenciar suas UCs e propor a implementação de políticas públicas integradoras. Em especial, no tocante à recomposição da cobertura vegetal mediante reflorestamento (Figura 3) e na proposição de ações coletivas de gestão participativa que evitem a degradação dos remanescentes arbóreos, preservem a fauna existente e integrem a população aos gestores públicos.

Figura 3
Programa de Reflorestamento – fotos de 2020 (esquerda) e 2023 (direita)

Cada vez mais, tecnologias de informação geográfica têm sido empregadas com fins de gestão ambiental. Dentre elas, pode-se citar: cartografia de base oriunda de aerofotogrametria, levantamentos topográficos e geodésicos de precisão, processamento de imagens digitais de sensores remotos e análises espaciais por meio de sistemas de informação geográfica. Porém, nem sempre a integração dessas geotecnologias ocorre de forma adequada. Nesse sentido, reveste-se de importância a implementação do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM). O CTM é um sistema integrado de informações fundiárias, desenvolvido para apoiar uma ampla variedade de decisões, baseando-se nos cadastros físico, econômico e jurídico que abordam aspectos geométricos, tributários e legais das parcelas territoriais, respectivamente (Erba; Piumetto, 2021; Cowen; Craig, 2003). Além disso, o cadastro incorpora informações temáticas de outros registros, sejam eles sociais, ambientais, urbanísticos e temáticos. A gestão territorial é uma abordagem integrada que reúne componentes do território, considerando diversos interesses e perspectivas (Amorim; Pelegrina; Julião, 2018). Nesse cenário, o CTM surge como uma ferramenta essencial para o planejamento e gestão do território, integrando informações de diferentes setores da administração pública (Erba; Piumetto, 2021).

Assim, a demanda que se apresenta na gestão da ARIE Floresta da Posse envolve a integração dos seguintes produtos enquanto bases cadastrais:

  1. representação dos limites da UC com precisão cartográfica adequada à composição de uma parcela cadastral. Tal parcela deve não somente incluir a área acordada com a comunidade do entorno (e estabelecida por decreto), mas também o loteamento localizado entre as ruas Mário Machado Amaral, Rogério Coelho Neto, Conrado Pereira e Ana Custódia, a ser alocado como administração da UC e área de lazer para a população. Na composição dessa parcela, espera-se precisão e tolerância posicionais para os vértices (8 cm) e alinhamentos (no máximo 24 cm), conforme NBR 17047 (ABNT, 2022);

  2. elaboração de planta planialtimétrica da futura área a ser utilizada para lazer e administração, em escala compatível com a elaboração de estudos preliminares para obras de engenharia. Tal planta necessita incluir espécimes arbóreos de maior porte existentes e feições do entorno urbano, como meios-fios, calçadas e referenciais das diferentes residências. Note-se que o CTM preconiza tão somente precisões posicionais planimétricas, sendo a parcela representada em apenas duas dimensões. Para a elaboração de plantas, torna-se necessária a determinação de modelos tridimensionais do terreno, e extração de curvas de nível;

  3. criação de mapas temáticos indicando possíveis áreas de monitoramento mais intenso, por apresentarem densificação urbana maior, e potencial de pressão antrópica sobre as encostas reflorestadas. Nesse sentido, o uso de imagens de sensores remotos satelitais surge como alternativa interessante, uma vez que possuem tempo de revisita consideravelmente baixo, além de disponibilizarem diversas bandas disponíveis, as quais podem gerar índices diversos (traduzindo a saúde da vegetação, a presença de umidade e a densidade urbana); e

  4. integração das bases geradas nos procedimentos anteriores ao Cadastro Territorial Multifinalitário, permitindo seu acesso integrado pelos gestores públicos, num mesmo Sistema de Informações Territoriais.

O problema abordado por este trabalho, embora diretamente voltado a um estudo de caso em concreto, apresenta relevância mais ampla, por se tratar de dinâmica comum na gestão de UCs, e diretamente relacionado à multiplicidade de bases e falta de integração das mesmas. Ou seja, tal cenário não é único da gestão ambiental no Município do Rio de Janeiro. Pelo contrário, replica-se em todo o contexto brasileiro. Desse modo, na proposta deste estudo busca-se compartilhar os procedimentos adotados para a solução de um problema em concreto, como metodologia de integração que possa servir a diferentes contextos de gestão ambiental.

Como objetivo principal do trabalho, evidencia-se, então, atender às necessidades de geração de produtos geoespaciais para efetiva gestão da nova UC, bem como sua integração ao CTM (no caso do Rio de Janeiro, representado pelo Sistema de Informações Urbanas – SIURB). Como objetivo secundário do trabalho, sistematizar tal metodologia enquanto solução de oportunidade para gestão em outras unidades de conservação sob cenários similares.

Métodos

Em resposta ao problema apresentado anteriormente, o conjunto de métodos proposto incluiu as seguintes etapas:

  1. inventário de bases cadastrais e produtos geoespaciais existentes;

  2. levantamento topográfico dos limites e feições de interesse;

  3. geração de um modelo digital de elevação e curvas de nível;

  4. processamento de imagens de sensores ópticos; e

  5. integração dos produtos geoespaciais ao Sistema de Informações Urbanas do Município do Rio de Janeiro (componente do Cadastro Territorial Multifinalitário).

Inventário de bases cadastrais e produtos geoespaciais existentes

Os únicos registros de plantas existentes junto à base de dados da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano referem-se aos projetos de alinhamento e loteamento (PAL) 2545 (Figura 4), originários do primeiro loteamento do Sítio da Serra da Posse, em 1935, sendo o condomínio atual locado nos arredores da ARIE desprovido de PAL próprio.

Figura 4
Projetos de alinhamento e loteamento (PAL) 2545

Esse cenário é razoavelmente comum na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde há grande quantidade de loteamentos irregulares, levando a grandes inconsistências entre o espaço construído e as bases geoespaciais de planejamento urbano. Sendo assim, torna-se impossível, para a área em questão, obter plantas de projetos prévios, que permitam delinear espacialmente o terreno a ser incorporado à UC, demandando levantamentos específicos de delimitação dos limites com adequada precisão.

Em termos de insumos geoespaciais, o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos dispunha de levantamento aerofotogramétrico conduzido em 2019, o qual gerou ortoimagens do tipo “true ortho” (sem paralaxe), bem como modelos digitais de terreno por varredura a LASER (LiDAR), obtidos no mesmo ano. A ortorretificação é um processo na fotogrametria que visa corrigir distorções geométricas em imagens. Esse procedimento permite que as imagens sejam ajustadas de forma a apresentarem uma visão perpendicular, sem distorções, sendo crucial em aplicações que exigem precisão. Já o LiDAR, acrônimo para “Light Detection and Ranging”, é uma tecnologia que utiliza pulsos de laser para medir distâncias e criar modelos tridimensionais precisos do terreno e objetos, gerando nuvens de pontos que representam o espaço mensurado com precisão. Essas nuvens de pontos podem ser processadas para criar modelos digitais de elevação (MDE) e modelos digitais de superfície (MDS).

No caso do aerolevantamento executado pela Prefeitura, sua execução ficou a cargo da Topocart Aerolevantamentos para fins de mapeamento cadastral e de uso do solo, sob a escala nominal de 1:5000 e resolução espacial de, pelo menos, 15 cm/pixel para as ortoimagens (Figura 5) e 8 pontos por m2 para a nuvem de pontos LiDAR. O IPP conduziu testes sobre os referidos dados geoespaciais, classificando-os como PAP-PCD Classe A, conforme as especificações da ET-CQDG (Brasil, 2016). Desse modo, o erro médio e o erro padrão planimétricos das ortoimagens são de, no máximo, 1,4 m e 0,85 m, respectivamente, ao passo que o erro médio e o erro padrão altimétrico dos modelos de elevação deverão estar na faixa de, no máximo, 0,54 m e 0,34 m, respectivamente.

Figura 5
Recorte de ortoimagem empregada, evidenciando sua alta resolução

Entretanto, segundo a NBR 17047 (ABNT, 2022) “a precisão posicional planimétrica do vértice da parcela ou do imóvel urbano deve ser de 8 cm.” É tolerada uma diferença posicional entre vértices de parcelas adjacentes de até 24 cm. Os erros médio e padrão das ortoimagens não alcançam nenhum desses valores, tornando-as de difícil uso para vetorização primária. Por fim, ainda que boa parte do polígono da ARIE da Serra da Posse seja de mata nativa, no Município do Rio de Janeiro não há mais áreas definidas como rurais, aplicando-se, então, apenas a lógica urbana (precisão de 8 cm) para todo o limite da parcela. Já quanto à precisão altimétrica, a NBR não apresenta parâmetros específicos.

Tendo em vista tais regramentos, as ortoimagens não podem ser utilizadas como produto de base para obtenção de quaisquer vetores necessários ao desenho cartográfico da parcela, nem tampouco à parte planimétrica de planta em preparação para trabalhos de engenharia. Isso demanda levantamento topográfico específico, de modo a complementar os produtos de aerofotogrametria. Já quanto à elaboração de curvas de nível para planta de execução de obras e serviços de engenharia, é possível lançar mão dos modelos digitais de terreno elaborados a partir de dados LiDAR.

Além dos dados de aerolevantamento, foram também usadas 11 (onze) imagens dos sensores OLI e TIRS do sistema de satélite Landsat 8 (Figura 6), obtidas do site do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). As imagens, em formato GEOTIFF, captadas em 13/07/2023 eram referentes às bandas de 1 a 7 e a 9, do sensor multiespectral OLI, com resolução espacial de 30 m. A banda 8, referente ao sensor pancromático, possui resolução espacial de 15 m. As bandas 10 e 11, correspondentes ao sensor termal TIRS, foram obtidas reamostradas na resolução espacial de 30m.

Figura 6
Imagem Landsat utilizada na análise de dados (em tela, composição de bandas 3, 4 e 5)

As etapas seguintes apresentam a integração dessas tecnologias na elaboração dos produtos necessários à consecução do trabalho.

Levantamento topográfico dos limites e feições de interesse

Nessa etapa foi feito levantamento por topografia tradicional (execução de poligonal fechada) aliado a posicionamento GNSS (Global Navigation Satellite System – Sistema de Navegação por Satélite Global) estático de duas bases (Figura 7), de modo a atender à precisão requerida pelas normas cadastrais. Em específico, por requisição da Secretaria de Meio Ambiente e Clima (SMAC), as seguintes feições deveriam ser obtidas, com vistas a licitar obra de adequação do loteamento adicional a ser incorporado à ARIE como área de administração e lazer:

Figura 7
Diferentes etapas de levantamento topográfico: posicionamento GNSS (a), poligonação (b) e irradiação (c)
  1. limites (meio-fio e muro dos lotes do entorno com demarcação de entrada de pedestres e veículos);

  2. equipamentos de lazer e outros;

  3. pontos de drenagem;

  4. tipos de pavimentação;

  5. pontos de iluminação;

  6. postes de sinalização e outros; e

  7. vegetação (espécimes arbóreos isolados, a fim de serem preservados).

Foram materializados dois pontos de apoio por GNSS, os quais foram medidos por posicionamento relativo estático. Para se realizar este tipo de posicionamento, é necessário ocupar uma estação de referência e uma estação com as coordenadas a serem determinadas com receptores geodésicos por um período de tempo a ser definido pela equipe de campo, conforme as precisões estabelecidas. Posteriormente, os dados foram pós-processados em um software específico, obtendo-se as coordenadas em um nível de precisão adequado.

Tendo em vista a linha de base com comprimento superior a 10 km (distância aproximada de 27 km até a estação da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo do Observatório Nacional), foi executada ocupação de 2 horas. Os receptores foram posicionados em local livre de obstruções e com condições ionosféricas favoráveis, com vistas à solução das ambiguidades e posterior determinação das coordenadas (IBGE, 2008). Além disso, foi usado receptor de dupla frequência, com processamento por efemérides precisas e feita a correção do erro dos relógios, providenciados pelo IGS (International GNSS Service). A precisão esperada com este tipo de posicionamento é de 0,1 a 1 ppm (Monico, 2008).

Os dados obtidos, para os dois pontos determinados com alta precisão e GNSS encontram-se na Tabela 1. Para seu pós-processamento, usou-se o software Topcon Tools, obtendo-se uma precisão planimétrica abaixo de 2 cm.

Tabela 1
Precisão dos pontos locados por posicionamento GNSS estático (Coordenadas UTM, Fuso 23S, Sistema Geodésico SIRGAS 2000)

A partir destes pontos, foi desdobrada poligonal fechada mediante levantamento por estação total. A poligonal fechada é uma das formas de poligonação que consiste na medição de ângulos e distâncias em uma sucessão de alinhamentos, na qual se parte de um ponto e uma direção conhecidos e retorna-se para as mesmas referências (Tuler; Saraiva, 2014), sendo necessária a utilização de estação total ou teodolito.

Para a sua precisa determinação, é necessário ajustar os ângulos medidos e as coordenadas relativas de seus pontos. O fechamento angular pode ser determinado pelo somatório dos ângulos de um polígono (Tuler e Saraiva, 2014). Para validar as medições angulares de uma poligonal, utiliza-se a equação da tolerância angular, normatizada pela ABNT (2021). Posteriormente, distribui-se o erro por todos os ângulos medidos, caso este seja aceitável. Após a etapa da compensação angular, calcula-se os azimutes dos alinhamentos, a partir do azimute de partida e determina-se o erro linear absoluto e o erro linear relativo, verificando se o último está dentro da tolerância linear, que é da escala de 1:12:000 (ABNT, 2021). Em sequência, realiza-se a compensação das coordenadas relativas, iterativamente, obtendo-se as coordenadas relativas corrigidas. Estas, por sua vez, são somadas às coordenadas do ponto imediatamente anterior, determinando-se as coordenadas finais de cada ponto da poligonal.

Convém ressaltar que a poligonal fechada (começando e terminando em pontos de coordenadas conhecidas), permite “[...] posicionar sequencialmente um grande número de pontos-objeto de forma mais econômica [...]” (Casaca; Matos; Baio, 2005), alcançando precisões aceitáveis aos parâmetros previstos nas normas técnicas. A poligonal foi executada ao redor de toda a área do PAL a ser integrada à ARIE.

A poligonal implantada possui um total de 7 pontos, com os pontos de apoio por GNSS incluídos (Figura 14), dos quais foi executado o procedimento conhecido como irradiamento direto, com vistas a determinar o posicionamento planimétrico preciso de feições como limites, equipamentos, pontos de drenagem, espécimes arbóreos e outros. O irradiamento pode implicar em menores precisões por ser executado apenas numa direção, visando o alvo e calculando sua distância e ângulo. Ao referenciá-lo aos pontos de uma poligonal fechada, é possível obter bom aproveitamento, levantando uma quantidade grande de alvos em pouco tempo.

Figura 14
Imagem classificada dos valores de MNDWI

O processamento da poligonal foi executado no software Datageosis (Figura 8), obtendo um erro angular de 1’13” e um erro linear relativo de 1:14.975, ambos dentro da tolerância especificada pela NBR 13133 (ABNT, 2021), e um desvio padrão abaixo de 2 cm para os pontos levantados por irradiação. Esse resultado permitiu adequar os limites da parcela às especificações da norma técnica, garantindo precisão de igual qualidade aos outros elementos requisitados para a confecção das plantas e bases cadastrais.

Figura 8
Processamento da poligonal e pontos por irradiação

Os demais pontos limítrofes da ARIE Serra da Posse estavam definidos formalmente por suas coordenadas UTM, no sistema geodésico der referência SIRGAS 2000. Com isso, foi possível integrar os dados diretamente em software de informação geográfica, para delimitação do polígono oficial instituído por lei, e integrado ao PAL levantado por topografia.

Geração de um modelo digital de elevação e curvas de níveis

A partir da nuvem de pontos LiDAR, foi executada seleção de pontos cuja resposta espectral os identificava como solo (ground). A partir desses pontos, foi gerado um modelo digital de terreno e extraídas curvas de nível a cada metro (Figura 9). Embora não previstas nas normas técnicas de cadastro para o trabalho de integração da ARIE Serra da Posse, era necessário conhecer a altimetria do terreno, a fim de elaborar planta para obras e serviços de engenharia, como anteriormente mencionado. Todo esse trabalho foi conduzido no software QGIS, usando o módulo LAS Tools.

Figura 9
Extração de curvas de nível a partir de modelo digital de terreno (na imagem, é possível ver as curvas sobre modelo tridimensional de terreno da área de lazer a ser adicionada à UC)

Processamento de imagens de sensores ópticos

O processamento digital de imagens (PDI) visa melhorar a qualidade visual de feições estruturais para facilitar a interpretação humana e proporcionar informações para análise. Dividido em três etapas - pré-processamento, realce e classificação - o PDI envolve correções e manipulações nos dados brutos das imagens (INPE, 2005). A fase de pré-processamento das imagens incluiu as correções radiométricas, atmosféricas e geométricas.

As imagens do Landsat 8 já são corrigidas da radiometria e geometria. A conversão dos dados de radiância para refletância de topo da atmosfera (TOA) é realizada usando coeficientes de reescalonamento de refletância, fornecidos no arquivo de metadados do produto. Posteriormente, o cálculo da reflectância de TOA com a correção para o ângulo de incidência do Sol é efetuado.

A partir dos dados de radiância espectral de topo da atmosfera é possível calcular a temperatura de brilho da atmosfera em graus Celsius (°C), usando as constantes térmicas fornecidas no arquivo de metadados do produto e a Equação 1 (USGS, 2018).

T = K 2 ln   K 1 L λ 1 273 , 15 Eq. 1

Onde:

T é o topo da temperatura de brilho da atmosfera (C);

Lλ é a radiância espectral da atmosfera de TOA (Watts/(m2 * srad * μm));

K1 é a constante de conversão térmica específica da banda dos metadados; e

K2 é a constante de conversão térmica específica da banda a partir dos metadados.

Para essa atividade foi utilizado o plugin SCP do software Quantum GIS, que emprega o método alternativo de correção atmosférica, denominado DOS (Dark Objetct Substraction). Esse método estima a interferência atmosférica diretamente a partir dos números digitais registrados nas imagens.

Os dados referentes aos números digitais (ND) das imagens provenientes do sensor termal TIRS foram convertidos para radiância de topo da atmosfera e os fatores de redimensionamento de radiância, fornecidos no arquivo de metadados do produto. Posteriormente, foram calculadas as temperaturas de brilho da atmosfera, em graus Celsius (°C), usando as constantes térmicas fornecidas no arquivo de metadados do produto e a Equação 1.

A fase de realce compreendeu os cálculos dos índices NDVI, MNDWI, MNDBI e a aplicação do método BAEM.

O Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) é utilizado para monitorar mudanças na vegetação, sendo sensível a variações sazonais e interanuais (Jensen, 2009). Apesar de reduzir ruídos, como diferenças de iluminação solar e sombras, o NDVI é não-linear e suscetível a efeitos de ruídos adicionais. Sua fórmula (Equação 2) utiliza valores de reflectância nas bandas do infravermelho próximo (B5) e do vermelho (B4).

N D V I = ( B 5 B 4 ) ( B 5 + B 4 ) Eq. 2

Onde:

B4 são os números digitais (“valor do pixel”) referentes à reflectância na banda vermelha.

B5 são os números digitais (“valor do pixel”) referentes à reflectância na banda do infravermelho próximo.

O Índice de Umidade por Diferença Normalizada (NDWI), proposto por Gao (1996), também é utilizado para detecção de água, com valores avaliados entre -1 e 1, indicando presença ou ausência de água. O Índice de Umidade por Diferença Normalizada Modificado (MNDWI), proposto por Xu (2006) é empregado para detectar e monitorar conteúdo de água, substituindo a banda do infravermelho próximo (NIR) pela banda do infravermelho médio (MIR) na fórmula (Equação 3).

M N D W I = ( B 3 B 7 ) ( B 3 + B 7 ) Eq. 3

Onde: B3 são os números digitais (“valor do pixel”) referentes à reflectância na banda verde.

B7 são os números digitais (“valor do pixel”) referentes à reflectância na banda do infravermelho médio.

Os valores para avaliação dos resultados do MNDWI não diferem dos propostos por McFeeters (1996) para o NDWI, e podem variar de -1 a 1. Segundo Pereira e Morais (2015), os valores de NDWI ≥ 0 (zero) indicam áreas com presença de água e os valores ≤ 0 (zero) indicam ausência de água na superfície do terreno.

O cálculo dos índices foi executado usando a função RasterCalculator da aplicação de software QGIS.

A etapa seguinte, referente à definição dos intervalos de classes dos índices, foi feita usando a ferramenta ArcToolbox>SpatialAnalyst>Reclassify, tendo como critério a avaliação visual das imagens.

Dando continuidade ao cálculo de índices, a Análise de Componentes Principais (ACP) foi aplicada com o intuito de remover informações redundantes entre as bandas 6 e 7 (SWIR) do sensor OLI e as bandas termais 10 e 11 do sensor termal TIRS. A Análise de Componentes Principais (ACP) permite remover a redundância contida em conjuntos de dados correlacionados, preservando toda a informação necessária (Joliffe 2002; Richards 2013). Um conjunto de N imagens de entrada vai produzir, quando processadas através da ACP, um outro conjunto de N imagens de saída com nenhuma correlação entre si (Crósta, 1992).

As primeiras componentes principais (PC1) resultantes da ACP entre as bandas 6 e 7 e das bandas 10 e 11 foram utilizadas para o cálculo do Índice MNDBI.

O Índice por Diferença Normalizada para Áreas Construídas modificado (MNDBI) utiliza Análise de Componentes Principais (ACP) para remover redundâncias entre bandas. A fórmula (Equação 4), proposta por Zha, Gao e Ni (2003), envolve componentes principais das bandas 6, 7 e valores de reflectância na banda do infravermelho próximo (B5).

N D B I m = ( C P   6 , 7 + C P   10 , 11 ) B 5 ( C P   6 , 7 + C P   10 , 11 ) + B 5 Eq. 4

Segundo Bhatti e Tripathi (2014), o NDBIm usa as bandas termais 10 e 11, pois, de acordo com Oke (1973), Weng (2001), Yuan e Bauer (2007), a temperatura da superfície terrestre em áreas construídas é maior. Portanto, como esse fato está diretamente relacionado à intensidade urbana, pode ser usado como um indicador adicional dessas áreas para mapeamento. Conforme Zhangyan, Yunhao e Jing (2006), Tran et al. (2006), Mallick, Kant e Bharath (2008), a cobertura terrestre com áreas construídas tem resposta diferente na faixa termal do espectro eletromagnético. O efeito da ilha de calor urbano é basicamente responsável por valores de temperatura mais elevados das áreas construídas, em comparação com seus arredores (Jusuf et al., 2007; Weng; Lu; Schubring, 2004; Kim, 1992; Gartland, 2010).

Por fim, o BAEM (Método para Extração de Área Construída) integra dados de temperatura, ACP, NDVI, MNDWI e NDBIm para extrair áreas construídas, utilizando operações aritméticas. A operação aritmética entre os diferentes índices permite remover as assinaturas de água da imagem de saída e aumentar o contraste espectral entre áreas construídas, solo exposto e outras classes de cobertura de solo, reduzindo a confusão espectral entre áreas construídas e solo exposto e levando em consideração que solos expostos, sendo superfícies permeáveis, provavelmente terão um maior teor de água do que as áreas construídas, que são superfícies impermeáveis. A Equação 5 do BAEM, proposta por Bhatti e Tripathi (2014), é apresentada a seguir, e foi empregada na elaboração de mapa temático utilizando o método BAEM.

B A E M = N D B I m N D V I M N D W I Eq. 5

Os valores mais elevados de número digital, obtidos com o método BAEM, indicam uma maior probabilidade desses pixels representarem áreas construídas. Da mesma forma, valores mais baixos representam classes de cobertura de terra diferentes de áreas construídas.

Já no tocante às ortoimagens obtidas junto ao IPP, não foi executado nenhum tipo de análise adicional, a não ser seu mero recorte. Uma vez que o sensor de quadro originalmente usado no aerolevantamento possui apenas quatro bandas (azul, verde, vermelho e infravermelho próximo), índices igualmente importantes não puderam ser calculados, prescindindo a análise de importantes informações acerca da área construída e de variações de microclima na área da UC. Para chegar a esses dados, foram utilizadas tão somente imagens de sensores satelitais.

Integração dos produtos geoespaciais ao Sistema de Informações Urbanas do Município do Rio de Janeiro

A última etapa do trabalho envolveu o carregamento de todas as bases geradas em plataforma única de informação geográfica: Sistema de Informações Urbanas (SIURB), gerido pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. Esta etapa envolveu a inclusão de dados em formato vetorial e matricial (imagens) em banco de dados específico, além dos dados originalmente agregados, como PAL e as ortoimagens.

Também foi criada aplicação interna de acesso aos gestores da municipalidade, na plataforma ArcGIS Online, com as diferentes camadas disponibilizadas em sistema online. O objetivo da aplicação foi disponibilizar esses dados para acesso pelos técnicos da SMAC, permitindo que os mesmos possam agregar mais dados e realizar análises sobre os produtos já obtidos.

Além disso, a parcela delimitada para a nova UC também foi integrada ao sistema CadTec, da Prefeitura do Rio de Janeiro, e classificada como parcela certificada, conforme preconiza a NBR 17047 (ABNT 2022). Com isso, eventuais questões fundiárias envolvendo limites da ARIE Floresta da Posse poderão ser melhor solucionadas pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano.

Por fim, a metodologia de cálculos de índices por meios de sensores remotos foi transmitida aos técnicos da Gerência de Unidades de Conservação da SMAC para o acompanhamento temporal da Unidade de Conservação e implementação de estudos semelhantes em outras UCs municipais.

Resultados e discussões

O trabalho gerou uma série de produtos distintos, com vistas à integração da ARIE Serra da Posse ao Cadastro Territorial Multifinalitário do Município do Rio de Janeiro. O primeiro consiste no polígono delimitador de toda a extensão da UC (Figura 10), a ser integrado à base de unidades de conservação do município. O mesmo foi, igualmente, incluído como parcela única, junto à base cadastral municipal do Rio de Janeiro.

Figura 10
Limite da parcela ARIE Serra da Posse, sobreposto ao mosaico de ortoimagens do IPP

Ainda em relação à área da UC, foram geradas curvas de nível, por interpolação do LiDAR, sistematizando a nuvem de pontos altimétricos e convertendo-a em produto de melhor identificação espacial para levantamentos subsequentes.

O segundo produto consiste em planta topográfica 1:500, de área de PAL integrada à ARIE Serra da Posse (Figuras 11 e 12), identificando feições de interesse do Meio Ambiente, para aproveitamento futuro de tal área como administração da UC e equipamentos de lazer para a comunidade. Neste caso, convencionou-se representar as curvas de nível diretamente sobre a planta, identificadas por sua altimetria, uma vez que o propósito principal dessa planta é fornecer subsídios para obras de engenharia com vistas à criação de sede administrativa e área de lazer da UC.

Figura 11
Levantamento topográfico detalhado de PAL integrado à ARIE Serra da Posse
Figura 12
Levantamento topográfico detalhado de PAL integrado à ARIE Serra da Posse (detalhe)

Ambos os produtos cadastrais enquadram-se dentro dos parâmetros de precisão definidos pela norma técnica, garantindo a incorporação da parcela como controlada (ABNT, 2022). Sua delimitação garante não somente a integração a base de dados geoespaciais, mas também a possibilidade de controle adequado de ações de reflorestamento e monitoramento de usos indevidos da área protegida.

A inserção em base cadastral permite o acesso amplo aos usuários dos órgãos municipais e também ao público em geral, através da plataforma data.rio (IPP, 2023). Assim, qualquer cidadão pode conhecer as ações ambientais definidas pela municipalidade e também traduzir em aspectos pictóricos (mapas interativos e bases geoespaciais) documentos instituídos por lei, contendo coordenadas e outros parâmetros de difícil interpretação pelo público mais amplo. Além das plantas e base geoespacial referentes à nova parcela, foi também elaborado memorial descritivo com o intuito de prover à municipalidade seu devido registro sob o mesmo regime jurídico.

Por fim, os produtos gerados a partir do processamento digital de imagens apresentaram pontos de preocupação no tocante à sustentabilidade da nova UC, cercada de área densamente urbana. A Tabela 2 e a Figura 13 mostram, respectivamente, os intervalos usados para classificação dos valores obtidos do cálculo de NDVI e a imagem resultante da classificação.

Tabela 2
Intervalo de classes do NDVI
Figura 13
Imagem classificada do valores de NDVI

Os resultados do índice NDVI já mostram áreas na face norte, próximas aos limites da ARIE, que necessitam de atenção especial para fins de reflorestamento e recomposição de vegetação arbórea. Essas regiões apresentaram valores de índices NDVI próximas a 0 indicando regiões sem vegetação. A face sul dos limites encontra-se mais preservada.

A Tabela 3 e a Figura 14 mostram, respectivamente, os intervalos usados para classificação dos valores obtidos do cálculo de MNDWI e a imagem resultante da classificação.

Tabela 3
Intervalo de classes do NDWIm

O índice MNDWI aponta para uma quase total ausência de corpos d´água de vulto na área da ARIE, o que denota a necessidade de atenção quanto à preservação de incêndios. Apesar dos resultados desse índice, sugerido por Xu (2006), não ter trazido ganhos na identificação de corpos d`água de forma isolada, a adoção do índice NDWI modificado (MNDWI) contribuiu para o resultado final obtido pelo método BAEM.

Por fim, a Tabela 4 e a Figura 15 mostram, respectivamente, os intervalos considerados na classificação dos valores obtidos do cálculo de áreas construídas usando o método BAEM e a imagem resultante da classificação.

Tabela 4
Intervalo de classes para o método BAEM
Figura 15
Imagem obtida do cálculo de áreas construídas usando o método BAEM

O resultado obtido pelo método BAEM mostra áreas de grande densidade construtiva especialmente a norte da ARIE, denotando fronteiras de atenção para crescimento desordenado, invadindo a UC. Já na face sul, o índice aponta algumas áreas de transição entre construções e vegetação, possivelmente arborização urbana e lotes com jardim. São áreas de menor periculosidade.

Ao comparar os resultados dos dois índices com o resultado obtido pelo método BAEM, verifica-se que tanto as regiões de vegetação, como as de solo exposto estão bem mais definidas e evidentes no mapa obtido pelo método BAEM. Isso ocorre devido ao cálculo de BAEM ser obtido a partir da operação de subtração dos resultados obtidos pelos índices NDBIm, NDVI e MNDWI, que realçam diferenças entre os mesmos. Esse resultado corrobora o que foi apontado por Bhatti e Tripathia (2014), de que é necessário utilizar uma outra fórmula para se extrair informações de área construída do Landsat 8, ao invés do NDBI, como são feitas para as imagens de sensor TM. O fato do sensor OLI, do Landsat 8, possuir mais bandas que o sensor TM, acarreta numa redundância na resposta espectral dos alvos, sendo necessária a aplicação do método de análise de componentes principais para eliminação dessa redundância.

Os resultados apresentados seriam, contudo, meros produtos desconexos se não houvessem sido integrados numa mesma base cadastral. Historicamente, o CTM é vinculado prioritariamente a bases fundiárias, com fins muito específicos e voltados à retenção de propriedade e taxação da mesma pela municipalidade. Por não se tratar de um tipo de parcela diretamente rentável à municipalidade, Unidades de Conservação muitas vezes não dispunham de um registro adequado de seus limites e inventário de objetos territoriais nelas presentes. O conjunto de métodos aqui apresentado propõe, com custos operacionais bastante baixos, prover ao CTM a componente ambiental necessária para inventariar adequadamente parcelas referentes a áreas de preservação de diferentes tipos.

Um problema relevante decorrente da articulação de distintas bases num só sistema são as diferenças de precisão e escala. Se, em atendimento à norma, faz-se necessário delimitar adequadamente seus limites, acrescendo-a como parcela certificada de alta precisão; por outro lado, a produção de mapas temáticos a partir de sensores de média resolução, embora interessante para o acompanhamento do estado da vegetação, é realizada em imagens de média resolução (da faixa de metros), em escala bastante distinta. A unificação de ambos os produtos invariavelmente apresenta incompatibilidades de precisão e resolução. Como resposta a isso, é importante ponderar que a análise de dados de sensoriamento remoto serve como apoio à tomada de decisão, e não como um mapa definitivo a ser tomado como verdade absoluta do terreno. É do acompanhamento da evolução dos índices ao longo do tempo que se pode identificar vetores de expansão desordenada que requeiram inspeção in loco e ações públicas de prevenção à degradação florestal. Por essa razão, talvez os dados obtidos por índices de Sensoriamento Remoto possam ser melhor agregados ao cadastro urbano-ambiental enquanto mapas-síntese – seja em forma vetorial (digitalização manual por interpretação supervisionada das principais classes), seja em forma matricial, mas por meio de álgebra de mapas (ou seja, subtraindo o mesmo índice em séries sucessivas de imagens, com vistas a detectar onde houve notáveis mudanças ao longo dos meses e anos).

Além disso, as bases geoespaciais de maior precisão também carecem de devido registro, conforme memorial descritivo que garanta ao Estado a delimitação da Unidade de Conservação, atribuindo-lhe direitos e deveres sobre a área em pauta. A realidade de muitas UCs no Município do Rio de Janeiro (e que motivou este trabalho) é bastante distinta desse cenário ideal. Embora sejam instituídas por decretos, nem sempre os mesmos contêm a delimitação adequada de seus limites, estando o texto da lei apresentado de forma vaga e passível de diferentes interpretações. O presente trabalho pôde ofertar à SMAC uma proposta de delimitação da UC recém-instituída, mas esbarra nas limitações administrativas referentes ao próprio registro da nova parcela. Ou seja, embora os produtos sejam precisos e tenham sido verificados in loco por trabalho de campo, não têm valor legal enquanto o Município não os registrar mediante novo decreto.

Também é importante ponderar que a execução de procedimentos como posicionamento GNSS de precisão e poligonação pode não ser factível em cenários de maior escassez de recursos, falta de oportunidades de integração universidade-órgão público ou simplesmente devido à grande extensão que pode ser encontrada em certas UCs. Nesse caso, é possível recorrer ao subterfúgio da NBR 17047 (ABNT, 2022) intitulado “parcela não-certificada” (ABNT, 2022), que é aquela onde não foi possível chegar-se à precisão planimétrica de 8cm (com tolerância de 24 cm). Essa possibilidade permite que seja realizada a delimitação de limites a partir de fontes de dados menos precisas, como imagens de satélite de alta resolução, ortoimagens aéreas ou plantas cadastrais já existentes. Em último caso, e para áreas de grande extensão, até mesmo tecnologias expeditas como receptores GNSS portáteis, podem garantir precisão métrica na aquisição de coordenadas. Nesses casos, é possível manter a conjugação da metodologia aqui proposta, levando a tanto a delimitação da parcela com confecção de plantas cadastrais versus uso de imagens quanto ao monitoramento ambiental contínuo por imagens de sensores remotos, dentro da perspectiva de que é melhor conhecer os limites e recursos de um território a ser preservado que aguardar até que seja possível mapeá-lo de forma mais precisa.

Por fim, defende-se a pertinência da abordagem multisensor e multimetodológica aqui apresentada como portfólio amplo de geotecnologias integradas para gestão ambiental, mas sem esgotar o espectro de fontes de dados e análises possíveis. Ou seja, tecnologias como a aerofotogrametria por drone, a coleta georreferenciada de feições de interesse por aplicativo móvel e outras análises espaciais e de imagens de sensores remotos podem ser agregadas ao que foi apresentado neste estudo de caso enquanto propostas metodológicas. Em todos esses casos, contudo, é mister que os diferentes produtos gerados possam compor o mesmo sistema de informações territoriais (elemento fundamental do Cadastro Territorial), para que sejam analisados em conjunto, de forma integrada e gerencial.

Conclusões

O presente trabalho buscou atender a uma demanda concreta apresentada por um órgão público, em parceria com a universidade, e com objetivo de alta relevância para a sociedade civil, que é a preservação de remanescentes verdes. Dentro do possível, buscou-se integrar geotecnologias livres, dentro do paradigma do Cadastro Territorial Multifinalitário, agregando numa só base diferentes produtos geoespaciais: cartográficos e temáticos.

Em consequência, para a ARIE Floresta da Posse, a municipalidade conta com levantamento topográfico dentro das precisões requeridas na norma (8cm em termos planimétricos), bem como uma série de dados temáticos e cartográficos que servirão de apoio para obras de engenharia (necessárias para o melhoramento da área de lazer e administrativa da UC), controle e manejo ambiental da UC e planejamento de ações futuras de modo a preservar a cobertura arbórea, a singularidade de sua fauna e aspectos de microclima nas imediações.

Com relação à análise da situação do uso do solo atual na área da ARIE Floresta da Posse, os índices de vegetação empregados e a adoção do método BAEM, para identificação de áreas construídas, produziu resultados que permitem ter uma ideia preliminar de possíveis ameaças e adoção de medidas de controle ambiental mais eficazes.

Muito embora o levantamento topográfico necessite de equipamentos e tecnologias específicas, é possível prover monitoramento contínuo por imagens de satélite gratuitas, processadas com geotecnologias livres. Ou seja, ao Sistema de Informações existente, poderão ser integrados novos mapas temáticos com periodicidade adequada ao acompanhamento da conservação dos remanescentes e áreas reflorestadas.

Além das conclusões técnicas já destacadas nos parágrafos anteriores, é importante ressaltar o impacto social positivo resultante da colaboração entre comunidade, universidade e serviço público. Com o apoio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) e a participação ativa dos moradores locais, que desempenharam um papel fundamental na criação e preservação da Unidade de Conservação (UC), proporcionou-se todo o suporte necessário aos estudantes e professores envolvidos nos levantamentos e coleta de dados. Vale destacar que este trabalho não gerou custos para os cofres públicos, servindo como material didático, fomentando o aprendizado técnico e promovendo a integração com a sociedade civil.

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Editado por

  • Editora:
    Karin Regina de Castro Marins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2025

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2024
  • Aceito
    01 Jul 2024
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