Resumo
As inundações urbanas são eventos capazes de gerar falhas em infraestruturas, desencadeando efeitos em cascata. Isso ocorre devido à interdependência entre as diferentes infraestruturas críticas (IC), responsáveis por fornecer bens e serviços essenciais, como a de transporte. Nesse sentido, este trabalho busca avaliar o impacto das inundações no funcionamento da IC de transporte, visto que a manutenção do sistema em funcionamento é um dos pilares da resiliência urbana, pela possibilidade de continuar acessando serviços de apoio e prestando socorro. Para isso, é utilizado o Índice de Integridade do Sistema de Transporte, composto por três indicadores: (i) Severidade do Impacto nas Vias; (ii) Redução de Velocidade; e (iii) Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário. O índice foi aplicado à bacia do Rio Acari, no Rio de Janeiro, considerando a situação atual e um cenário de projeto, com medidas corretivas para falhas de drenagem. Os resultados demonstraram o impacto significativo das inundações na IC de transporte, com o cenário de projeto apresentando um valor cerca de 65% superior ao da situação atual, na escala da bacia. Entretanto, ficou evidente a necessidade de implementar medidas adicionais para aumentar a resiliência deste sistema, principalmente com a criticidade observada na escala local.
Palavras-chave
Inundações urbanas; Efeitos em cascata; Sistema de transporte; Resiliência urbana
Abstract
Urban floods are events capable of causing infrastructures failures, triggering cascading effects. This fact occurs due to the interdependence among several critical infrastructures (CI), responsible for providing essential goods and services, such as transportation is an example. Therefore, this study aims to assess the impact of floods on the transportation CI, as maintaining this system operation is a pillar to urban resilience, since maintaining mobility is key for continuing providing services and civil defense aid. The Transportation System Integrity Index is used for this purpose, and it is composed by three indicators: (i) Road Impact Severity, (ii) Speed Reduction, and (iii) Difficult Access and Rail Traffic Interruption. The index was applied to the Acari River watershed in Rio de Janeiro, considering the current situation and a design scenario with corrective measures for the drainage system flaws. The results demonstrated a significant impact of floods on the transportation CI, with the design scenario showing a value around 65% higher than that of the current situation, in the watershed scale. However, the need to implement additional measures to enhance the system’s resilience became evident, especially with the criticality observed at the local scale.
Keywords
Urban floods; Cascading effects; Transportation system; Urban resilience
Introdução
As inundações urbanas são um dos principais desafios para as cidades e causam inúmeras perdas e danos (Hoang; Fenner, 2016), como a ameaça à vida, danos materiais e falhas em infraestruturas, no curto prazo, o aumento do risco de disseminação de doenças transmitidas pela água, a curto e médio prazo, e consequências econômicas para além da área diretamente afetada, no longo prazo (Hammond et al., 2015).
Essas consequências capazes de ultrapassar os limites das regiões diretamente afetadas ocorrem, na maioria das vezes, devido aos efeitos em cascata, que são gerados quando a interrupção do funcionamento de uma infraestrutura causa a falha de um componente em outra infraestrutura, que subsequentemente causa uma interrupção em outra infraestrutura (Hilly et al., 2018). Isso acontece devido à interdependência existente entre os diversos sistemas urbanos responsáveis por fornecer bens e serviços essenciais, muitas vezes distribuídos geograficamente e conectados por redes responsáveis por oferecer os serviços a toda a população (Quitana; Molinos-Senante; Chamorro, 2020). São as chamadas infraestruturas críticas, que, segundo Qiang (2019), são sistemas vitais e a base da prosperidade econômica, do bem-estar social, da sustentabilidade e da segurança de um país.
No Brasil, de acordo com o Decreto Nº 9.573/2018, que aprova a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas, infraestruturas críticas são “[...] instalações, serviços, bens e sistemas cuja interrupção ou destruição, total ou parcial, provoque sério impacto social, ambiental, econômico, político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade [...]” (Brasil, 2018, não paginado). São consideradas infraestruturas críticas, de acordo com o Decreto Nº 10.566/2020, que aprova a Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas, as infraestruturas de comunicações, de energia, de transportes, de finanças e de águas, entre outras (Brasil, 2020).
Cabe ressaltar que as relações de interdependência existentes nas infraestruturas críticas melhoram a sua eficiência operacional, bem como o uso de recursos e a gestão dos serviços (Almoghathawi; Barker, 2019; Galbusera; Trucco; Giannopoulos, 2020; Ouyang; Wang, 2015), sendo essenciais para a criação de dinâmicas, relações e economias (Serre; Heinzlef, 2018). No entanto, também são responsáveis por tornar as redes mais vulneráveis a qualquer evento disruptivo, ocasionando falhas não só internamente, mas também em outros sistemas, o que impacta o funcionamento da cidade, bem como a economia local ou regional e a vida da população (Almoghathawi; Barker, 2019; Galbusera; Trucco; Giannopoulos, 2020; Ouyang; Wang, 2015). Esses impactos podem ser em larga escala e duradouros, com efeitos muitas vezes difíceis de prever e, assim, de prevenir (Galbusera; Trucco; Giannopoulos, 2020).
Além disso, geralmente, durante a normalidade das operações dessas infraestruturas, as relações de interdependência são, muitas vezes, imperceptíveis, ficando evidentes apenas quando ocorrem eventos disruptivos, como desastres naturais (ex. inundações) ou falhas operacionais provenientes de falta de manutenção das próprias infraestruturas (Lo et al., 2020; Ouyang, 2014).
As infraestruturas críticas de energia e de transportes são as que possuem as maiores interdependências e, portanto, são capazes de gerar efeitos em cascata significativos (Battemarco, 2023). A respeito da infraestrutura crítica de transporte, como destacado por Fekete (2019), as vias possuem um papel fundamental, pois também funcionam como uma infraestrutura transversal de apoio a um grande número de outras infraestruturas, por exemplo, permitindo o acesso de carros de resgate a áreas afetadas por inundação e de viaturas de manutenção e reparação a regiões com ativos alagados, danificados ou que necessitam ser verificados no local. Uma via é um exemplo de componente de resiliência, pois influencia na rapidez de acesso e também na rapidez de reparação (Fekete, 2019).
Resiliência, segundo a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres - UNISDR (2009) e Jha et al. (2012), é a capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposta a um perigo de resistir, absorver, adaptar e se recuperar de seus efeitos de maneira rápida e eficaz, incluindo a preservação e a restauração de suas estruturas e funções básicas. Nesse sentido, ressalta-se que um dos fundamentos para tornar as cidades resilientes é desenvolver estratégias para a proteção, atualização e manutenção da infraestrutura crítica, e, quando necessário, implantar infraestruturas de mitigação de riscos (UNISDR, 2017), como as de drenagem, no contexto das inundações.
É importante destacar que as infraestruturas de transporte possuem alta probabilidade de exposição à inundação (Hilly et al., 2018) e a sua ocorrência impacta o tráfego de diversas maneiras, incluindo o redirecionamento do tráfego, a redução da velocidade e o aumento do tempo de deslocamento, o congestionamento e até mesmo o aumento dos níveis de poluição (Stevens et al., 2020). De acordo com Stevens et al. (2020) e Hilly et al. (2018), com lâminas de alagamento entre 10 e 30 cm, o tráfego pode continuar operando, sendo as velocidades reduzidas e o tempo de percurso aumentado, enquanto que para lâminas de alagamento acima de 30 cm, o tráfego é interrompido. Pregnolato et al. (2017) destacam ainda que, baseado em observações e testes de direção, 30 cm de lâmina de alagamento é o limite máximo para condução segura, parada e mudança de direção (sem perda de controle). Vajjarapu, Verma e Gulzar (2019) também ressaltam os danos às infraestruturas de transporte, que muitas vezes carecem de manutenção, principalmente em países em desenvolvimento, tendo que ser, por vezes, refeitas, representando um alto custo para o governo local. Como consequência desses impactos diretos, a população fica limitada de atividades sociais e acesso à escola e ao trabalho, com dificuldades para obtenção de alimentos e suprimentos ou assistência para a reparação de danos, além de sofrerem com a interrupções de negócios (De Bruijn et al., 2019).
Os impactos das inundações às infraestruturas de transporte são conhecidos e vêm sendo objeto de estudo de diversos autores, que buscaram quantificá-los. Pregnolato et al. (2017), por exemplo, desenvolveram uma relação entre a profundidade da água na via e a velocidade do veículo como forma de estimar atrasos induzidos pelas cheias, em Newcastle, no Reino Unido. Arrighi et al. (2019) propuseram uma avaliação de risco de inundação que integra a análise da hidráulica das inundações, da segurança de pedestres e da acessibilidade dos transportes para explorar o impacto direto das inundações e suas implicações nas rotas de emergência e nas áreas de serviço, em Florença, na Itália. Stevens et al. (2020), por sua vez, mapearam as vias afetadas por alagamentos e inundações tanto pela redução de velocidades, estimando o tempo de atraso no percurso, quanto pela interrupção do tráfego, em Bristol, no Reino Unido, a partir de modelos interligados. Hilly et al. (2018) descreveram um quadro metodológico para analisar os efeitos em cascata das inundações em áreas urbanas, tendo como estudo de caso Bangkok, na Tailândia. Dentre as infraestruturas analisadas pelos autores, destaca-se a infraestrutura de transporte, cujos impactos foram quantificados por meio da estimativa de atrasos no trânsito e da monetização de danos, relacionando o tempo de atraso com a renda média per capita associada à jornada de trabalho (Hilly et al., 2018). No Brasil, Oliveira et al. (2022) criaram um quadro metodológico composto por um conjunto de indicadores e procedimentos integrados visando quantificar efeitos em cascata das inundações urbanas e a resiliência das cidades às inundações. Para medir o impacto à infraestrutura de transporte, foram consideradas a extensão de vias inundadas, com interrupção do tráfego rodoviário, e as estações de trem, metrô e paradas de ônibus, representando a acessibilidade dos pedestres (Oliveira et al., 2022).
Apesar da diversidade de estudos encontrados, poucos são aplicados a países em desenvolvimento, como o Brasil, que possuem um histórico de urbanização e de implantação de infraestruturas diferente da realidade de países desenvolvidos. Além disso, grande parte dos trabalhos encontrados possui foco no modo rodoviário, carecendo de uma abordagem abrangente.
Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo avaliar o impacto das inundações no desempenho da infraestrutura crítica de transporte, tendo em vista que manter o sistema em funcionamento, evitando potenciais efeitos em cascata, é um dos pilares da resiliência urbana. Esta avaliação visa contribuir para o preenchimento das lacunas identificadas, por meio da proposição e aplicação de um índice, que agrega a quantificação dos impactos das inundações no funcionamento da infraestrutura crítica de transporte, abrangendo os modos rodoviário e ferroviário. Além disso, a proposta do índice é que ele seja simples e representativo, com uma visão geral sobre o transporte público e privado.
A capacidade de representação do índice foi testada em um estudo de caso, localizado na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, comparando a situação atual a um cenário de projeto hipotético, que introduz medidas de correção das falhas do sistema de drenagem. Cabe ressaltar que o índice proposto tem potencial para ser utilizado como ferramenta de planejamento, a fim de auxiliar os tomadores de decisão na identificação de gargalos, dando suporte para a contratação de estudos específicos de planejamento de tráfego, por exemplo.
Método
A aplicação da metodologia utilizada neste estudo necessita de dados prévios de níveis de água em situações de inundações. Estes dados podem ser obtidos através de modelagem hidrodinâmica, por exemplo.
De posse desses dados, para avaliar os impactos das inundações no funcionamento da infraestrutura crítica de transporte, foi proposto um índice, denominado Índice de Integridade do Sistema de Transporte, calculado a partir do somatório ponderado de três indicadores (Battemarco, 2023):
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Indicador de Severidade do Impacto nas Vias; e
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Indicador de Redução de Velocidade, referentes ao transporte rodoviário; e
-
Indicador de Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário, referente ao transporte ferroviário, outro modo geralmente presente em áreas urbanas, principalmente em regiões metropolitanas.
O Indicador de Severidade do Impacto nas Vias (ISev) visa representar a interrupção do tráfego rodoviário devido à inundação, levando em consideração a extensão de vias afetadas, ponderada pela importância da via de acordo com a sua hierarquia. Para a quantificação da extensão de vias afetadas, nesse indicador, considerou-se 30 cm como lâmina limite de alagamento.
A formulação adotada, apresentada na Equação 1, é uma adaptação daquela definida por Oliveira et al. (2022). O indicador varia de 0 a 1 em que, quanto mais próximo de 1, maior é o impacto da inundação na interrupção do tráfego rodoviário. Se o resultado da Equação 1 for maior do que 1, seu valor deve ser igual a 1, devido à escala adotada, que indica, desta forma, que o nível crítico foi alcançado. A formulação proposta não aplica o somatório dos pesos no denominador e, portanto, não representa uma porcentagem de vias afetadas ponderada pela sua importância, diferente da formulação original desenvolvida por Oliveira et al. (2022). Isto, porque o objetivo do indicador é representar a criticidade introduzida pela interrupção do tráfego e que não pode ser bem avaliada por meio de uma porcentagem, visto que as extensões totais de vias são significativas e existe um impacto indireto mesmo em vias não afetadas pela inundação, devido à dificuldade de acesso às mesmas.
Em que:
ISev é o Indicador de Severidade do Impacto nas Vias; seguir para os demais
Llocal-af é o comprimento das vias locais afetadas (km);
Lcoletora-af é o comprimento das vias coletoras afetadas (km);
Lart2-af é o comprimento das vias arteriais secundárias afetadas (km);
Lart1-af é o comprimento das vias arteriais principais afetadas (km);
Lestrut-af é o comprimento das vias estruturantes afetadas (km);
Llocal-T é o comprimento total das vias locais na área de análise (km);
Lcoletora-T é o comprimento total das vias coletoras na área de análise (km);
Lart2-T é o comprimento total das vias arteriais secundárias na área de análise (km);
Lart1-T é o comprimento total das vias arteriais principais afetadas na área de análise (km); e
Lestrut-T é o comprimento total das vias estruturantes afetadas na área de análise (km).
O Indicador de Redução de Velocidades (IRedV), por sua vez, visa representar a redução da velocidade do tráfego nas vias, resultante da manutenção de lâminas de alagamento baixas (entre 10 e 30 cm), levando em consideração a relação entre a velocidade do tráfego na via, quando inundada, e a velocidade do tráfego na via sem inundação, em função da sua hierarquia, ponderada pela importância da via. A velocidade do tráfego na via inundada foi estimada pela formulação proposta por Pregnolato et al. (2017), apresentada na Equação 2, que descreve a velocidade limite do veículo em km/h (Vi) em função da profundidade da inundação em mm (h), de forma direta. Optou-se por utilizar a formulação de Pregnolato et al. (2017), tendo em vista que seu desenvolvimento foi embasado pela combinação de dados de estudos experimentais, observacionais e de modelagem revisados, obtendo-se um R² de 0,95.
Os dados de profundidade de inundação utilizados neste estudo foram obtidos por meio do uso do Modelo de Células de Escoamento – MODCEL (Miguez et al., 2017), um modelo Quasi-2D, que se baseia no conceito de células de escoamento (Zanobetti et al., 1970). Devido ao modelo matemático utilizado, a equação foi aplicada para cada célula de escoamento e, posteriormente, foi calculada uma velocidade média para a estimativa final do valor do indicador. Desta forma, considerou-se que veículos que utilizam rotas alternativas durante eventos de inundação também sofrem a mesma redução de velocidade. Cabe ressaltar que essas rotas, normalmente, são mais longas, aumentando assim o tempo de percurso. Como não é possível ter informações sobre todas as rotas alternativas associadas aos vários pontos com alagamentos, se assumiu, por simplicidade e considerando que o índice é uma avaliação aproximada para fins de planejamento, que o caminho alternativo terá uma perda similar à redução de velocidade, sendo eventualmente preferível por uma questão de segurança. Além disso, foi considerado que veículos maiores se ajustarão à velocidade dos veículos menores, tendo em vista que acabarão restritos pela velocidade ou parada dos veículos menores, que podem vir a interromper a pista.
Já a velocidade do tráfego nas vias sem inundação (e, portanto, secas) tem como referência a velocidade diretriz desejável recomendada pelo DNIT (2010) para cada classificação hierárquica de via. Os valores de velocidade do tráfego na via sem inundação considerados na metodologia proposta, segundo a hierarquia da via são: 90 km/h para vias estruturais, 70 km/h para vias arteriais principais, 60 km/h para vias arteriais secundárias e vias coletoras, e 40 km/h para vias locais. A formulação final do Indicador de Redução de Velocidades é, então, apresentada na Equação 3, em que o valor final do indicador varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o impacto da inundação na redução das velocidades do tráfego nas vias da área de análise.
Em que:
IRedV é o Indicador de Redução de Velocidade;
Vi é a Velocidade do veículo em via alagada (km/h);
Vs,l é a Velocidade do veículo em via local seca (km/h);
Vs,c é a Velocidade do veículo em via coletora seca (km/h);
Vs,a2 é a Velocidade do veículo em via arterial secundária seca (km/h);
Vs,a1 é a Velocidade do veículo em via arterial principal seca (km/h); e
Vs,e é a Velocidade do veículo em via estrutural seca (km/h).
O terceiro indicador, denominado de Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário (ITF), representa a parcela do modo ferroviário no Índice de Integridade do Sistema de Transporte. Esse indicador é formado por dois componentes: um que avalia o impacto da inundação no acesso da população à infraestrutura de transporte e outro que considera a possibilidade de interrupção do tráfego ferroviário. Isso porque se a linha ferroviária é interrompida, mesmo que haja estações não afetadas diretamente, a população não tem acesso à infraestrutura de transporte. Por outro lado, a linha pode se manter em funcionamento, mas a população tem dificuldade de acessar a infraestrutura, devido ao alagamento do entorno.
Assim, o cálculo do indicador é realizado por meio de um produto ponderado, conforme a Equação 4, visto que os efeitos representados pelos indicadores podem ser complementares. O indicador tem valor que varia de 0 a 1, em que quanto mais próximo de 1, menor é a probabilidade de dificuldade de acesso e interrupção do tráfego devido às inundações. Ressalta-se que o indicador deve ser calculado de forma a individualizar o efeito específico de cada terminal, logo, deve ser estimada para cada linha ou ramal de trem e metrô que não possui interferências entre si.
Em que:
ITF é o Indicador de Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário;
DA é o Componente de Dificuldade de Acesso; e
INT é o Componente de Interrupção do Tráfego Ferroviário.
É importante ressaltar que, dependendo do número de linhas ferroviárias independentes (trem e/ou metrô), haverá mais de um valor para o indicador. Assim, deve ser feito um somatório ponderado ao final do processo a fim de encontrar um único valor a ser considerado no cálculo do Índice de Integridade do Sistema de Transporte. Em primeiro lugar, devem ser separadas as linhas de trem e de metrô. Se houver mais de uma linha de trem/metrô, a ponderação deve ser feita a partir do número de terminais de cada linha com relação ao total da área de análise a fim de se obter um único valor para representação do trem/metrô.
Já a ponderação entre linhas de trem e de metrô, pode ser realizada por meio da estimativa da população que utiliza cada um dos tipos de transporte. No caso da cidade do Rio de Janeiro, segundo dados de “Movimento de passageiros segundo os transportes rodoviário, ferroviário, hidroviário e aeroviário no Município do Rio de Janeiro entre 1995-2021”1 obtidos no Data Rio (2023), uma média mensal de 118.243 passageiros utilizaram o trem e 156.199 passageiros utilizaram o metrô, o que representa cerca de 43% e 57%, respectivamente, desconsiderando os dois últimos anos de dados, que contemplam a pandemia de Covid-19, com diminuição significativa do movimento de passageiros. Essas porcentagens são utilizadas na aplicação da metodologia apresentada neste artigo, mas, no entanto, devem ser adaptadas para a representação da realidade local a que se deseja avaliar.
O primeiro componente do indicador, denominado de Dificuldade de Acesso (DA), é calculado segundo a Equação 5, que relaciona o número de terminais afetados por lâminas de alagamento acima de 20 cm em seus acessos com o total de terminais da área de análise. O valor de 20 cm foi proposto como limite seguro para os pedestres, assim como indicado por Hilly et al. (2018). É calculado o complemento desse valor devido à formulação do indicador, que se trata de um produtório. O componente varia entre 0 e 1, em que quanto mais próximo de 1, menor é a probabilidade de dificuldade de acesso da população à infraestrutura de transporte ferroviário devido às inundações.
Já o segundo componente, denominado de Interrupção do Tráfego Ferroviário (INT), é binário, tendo seu valor igual a 0 ou a 1, conforme a seguir:
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se há algum terminal afetado com lâminas de alagamento acima de 60cm, o tráfego é interrompido em toda a linha, seja de metrô ou de trem, e o componente tem seu valor igual a 0; e
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e nenhum terminal é afetado com lâminas de alagamento acima de 60cm, o tráfego é mantido e o componente tem seu valor igual a 1.
É importante ressaltar que, para representar a possibilidade de interrupção do serviço de transporte ferroviário devido à inundação, foi considerada uma altura média mínima necessária para atingir o trilho, que, no metrô, é eletrificado e, nas linhas de trem, tende a estar relacionado com a sinalização. Segundo Nabais (2014), um sublastro com 20 cm, geralmente, é suficiente para que a distribuições de pressões através dele acarrete uma taxa de trabalho compatível com sua capacidade de transporte, uma exigência de projeto. Quanto ao lastro, a altura mínima pode variar entre 25 cm, 30 cm e 40 cm (DNIT, 2015). No que se refere aos dormentes, os mais utilizados são os de madeira (principalmente nas linhas de trem) e os de concreto. Considerando os dormentes de madeira, as alturas podem ser de 16 cm ou de 17 cm, dependendo da bitola (Nabais, 2014). Tendo essas alturas como referência, optou-se por utilizar uma lâmina limite de alagamento igual a 60 cm, com vistas a considerar as menores alturas possíveis, sendo, portanto, a favor da segurança.
Destaca-se que, para esta análise, é importante avaliar, principalmente em termos de linhas de metrô, se estas percorrem caminhos abertos à superfície ou subterrâneos e/ou fechados, como em túneis. Caso os caminhos sejam fechados e, portanto, sem possibilidade de serem afetados diretamente por inundações, os terminais só devem ser considerados na primeira análise proposta, em termos de dificuldade de acesso à população.
Por fim, o Índice de Integridade do Sistema de Transporte é calculado por meio da Equação 6. Na formulação proposta, os diferentes pesos representam a distribuição do movimento de passageiros nos diferentes modos considerados. Segundo dados do Data Rio (2023), considerando os transportes rodoviário e ferroviário (trem e metrô), cerca de 80% do movimento dos passageiros na cidade do Rio de Janeiro entre 1995 e 2019 foi realizado, em média, pelo transporte rodoviário, enquanto apenas aproximadamente 20%, em média, se deu pelo transporte ferroviário. Esses pesos são propostos aqui visto que o estudo de caso analisado se localiza no Rio de Janeiro e podem e devem ser ajustados a fim de representar melhor a área de interesse na aplicação da metodologia. Além disso, devido à falta de critérios específicos detalhados, considerou-se que o impacto da interrupção do tráfego rodoviário seja maior do que os efeitos de redução de velocidades no funcionamento da infraestrutura crítica de transporte. Assim, neste trabalho, propôs-se que o peso referente ao transporte rodoviário fosse distribuído com cerca de 2/3 do valor para o Indicador de Severidade das Vias e 1/3 para o Indicador de Redução de Velocidades. Na seção de “Resultados e Discussões”, é apresentada uma análise de sensibilidade na ponderação dos indicadores.
Ressalta-se que todas as definições se prestam a um pré-planejamento e que a proposta do índice pretende manter um nível simplificado adequado a essa etapa. Mais uma vez, fica a critério dos responsáveis pela tomada de decisão no planejamento de transportes a definição dos pesos a serem utilizados.
Em que:
IT é o Índice de Integridade do Sistema de Transporte;
ISev é o Indicador de Severidade do Impacto nas Vias;
IRedV é o Indicador de Redução de Velocidade; e
ITF é o Indicador de Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário.
Descrição da área de estudo
O estudo de caso definido para a aplicação da metodologia proposta é a bacia hidrográfica do Rio Acari (Figura 1), localizada na região norte do município do Rio de Janeiro. A Bacia do Rio Acari possui uma área de drenagem de 107,4 km² e o rio que dá nome à bacia passa a ser assim denominado a partir da confluência entre os Rios Tingui e Sapopemba. O Rio Acari segue até encontrar o Rio Pavuna, formando o Rio Meriti, e tem seu deságue na Baía de Guanabara, que introduz efeitos de maré sobre o sistema fluvial.
A bacia sofre com eventos frequentes de inundação, evidenciando a sua propensão a esses eventos, seja devido às suas características naturais ou de uso e ocupação do solo. Pode-se destacar o processo de urbanização da bacia, que agravou ainda mais o risco de inundação, visto que a área urbanizada foi formada, em grande parte, pela ocupação informal de encostas e várzeas, sem planejamento adequado de drenagem e de outras redes de infraestrutura, em geral (Guimarães et al., 2021).
De acordo com dados do novo Censo Demográfico do IBGE (2024), a bacia conta com cerca de 978 mil habitantes, tendo, em sua região mais susceptível a inundações, na porção baixa da bacia, duas das dez favelas mais populosas de todo o município do Rio de Janeiro: as favelas do Complexo da Pedreira e o Complexo de Acari (Oliveira, 2018).
Quanto à infraestrutura de transporte da bacia, ao todo, são 84,7 km de vias estruturais (referentes à Rodovia Presidente Dutra e à Avenida Brasil, vias de grande importância para a cidade do Rio de Janeiro e sua Região Metropolitana), 68,1 km de vias arteriais principais, 33,6 km de vias arteriais secundárias, 233,5 km de vias coletoras e 1.082 km de vias locais. Além disso, no que se refere ao transporte ferroviário, 3,9 km correspondem à Linha 2 do Metrô, com três terminais inseridos na bacia, e 28,8 km correspondem às linhas de trem, com 17 terminais inseridos na bacia, sendo quatro referentes ao Ramal Belford Roxo, sete ao Ramal Deodoro, um ao Ramal Japeri e cinco ao Ramal Santa Cruz. Ressalta-se que o Ramal Belford Roxo é isolado dos demais e que, embora os ramais Santa Cruz e Japeri sejam isolados entre si, ambos possuem integração com o Ramal Deodoro, dependendo do funcionamento do mesmo.
Na Figura 2, é apresentado o mapeamento realizado para caracterização da Infraestrutura Crítica de Transporte, com informações obtidas no Data Rio (2022). Nela, estão representadas as vias rodoviárias e suas respectivas hierarquias viárias, a Linha 2 do metrô e as linhas férreas, que correspondem aos ramais Belford Roxo, Deodoro, Japeri e Santa Cruz (Supervia), bem como os terminais de trem e de metrô inseridos na bacia.
Para a aplicação da metodologia proposta ao caso de estudo, foi considerada a situação atual da bacia e também um cenário de projeto, hipotético, com foco na mitigação das falhas do sistema de drenagem urbana, definido por Oliveira et al. (2022).
Estudos antecedentes
Oliveira et al. (2022), como parte de sua metodologia, realizaram um diagnóstico da bacia hidrográfica do Rio Acari apoiado por modelagem matemática hidrodinâmica, utilizando o Modelo de Células de Escoamento – MODCEL (Miguez et al., 2017). O modelo foi calibrado e validado considerando eventos de precipitação passados, nos quais as simulações mostraram respostas coerentes. A partir dos resultados obtidos para a simulação da situação atual, os autores propuseram um projeto que contemplou correções estruturais no sistema de drenagem, buscando introduzir modificações em estruturas que geram algum tipo de obstrução no escoamento dos cursos d‘água; a limpeza e dragagem dos principais cursos d’água, a fim de melhorar as condições hidráulicas da calha principal; a implementação de reservatórios de amortecimento adaptados do Plano Diretor de Manejo de Águas Pluviais (PDMAP) do Rio de Janeiro (Hidrostudio, 2014); a incorporação de espaços livres para controle de inundações; e a proposta de parques fluviais para devolver para o rio parte de seus espaços naturais, funcionando como calhas secundárias. Neste caso, a incorporação dos espaços livres surge como alternativa de mitigação e requalificação do ambiente urbano, uma vez que as correções estruturais e os reservatórios de amortecimento não seriam suficientes para conter as cheias. O objetivo deste projeto focava na manutenção dos escoamentos do rio principal em calha.
A Figura 3 resume espacialmente as intervenções propostas no Cenário de Projeto, bem como apresenta as manchas de inundação obtidas por Oliveira et al. (2022) para a simulação da situação atual e da alternativa de projeto, considerando um tempo de recorrência de 25 anos (TR25), assim como estipula o Ministério das Cidades como referência para projetos de macrodrenagem (Brasil, 2012). Observando-se os resultados dos autores para a situação atual, pode-se verificar a criticidade da bacia no que se refere às falhas em seu sistema de macrodrenagem, ressaltando-se a ocorrência de extravasamentos dos cursos d’água em praticamente toda sua extensão, além de lâminas de alagamento significativas. Apesar de existir alagamentos críticos isolados, é possível destacar algumas áreas críticas principais na bacia, como a sua porção mais baixa, localizada a montante da Avenida Presidente Dutra, englobando os bairros de Pavuna, Coelho Neto, Acari, Irajá e Parque Colúmbia. Nessa região, as lâminas máximas de alagamento atingem valores superiores a 2,0 m.
Medidas de projeto propostas por Oliveira et al. (2022) e manchas de inundação obtidas pela simulação hidrodinâmica da situação atual e do cenário de projeto – TR25
Já no Cenário de Projeto, é possível verificar uma redução nas lâminas de alagamento da bacia, principalmente nas áreas mais críticas. Com a introdução das medidas de projeto propostas por Oliveira et al. (2022), a área alagada teve uma redução de 8,06 km² para 4,69 km² (Gomes et al., 2021). Nessa situação, não há mais extravasamentos na calha principal do Rio Acari, o que representa que as falhas do sistema de macrodrenagem seriam solucionadas após a implementação das intervenções propostas, embora haja ainda manchas de alagamento na bacia devido à não consideração das redes de microdrenagem na modelagem.
Resultados e discussões
Inicialmente, após aplicação do método proposto para avaliação da integridade do sistema de transporte na bacia do rio Acari, foi realizada uma análise de sensibilidade dos pesos a serem utilizados nos indicadores, apresentada no próximo item. Posteriormente, é apresentada a aplicação do Índice de Integridade do Sistema de Transporte.
Análise de sensibilidade na ponderação dos indicadores
A fim de realizar uma análise de sensibilidade na ponderação dos indicadores do índice proposto, foram realizados quatro testes, apresentados na Tabela 1. Os testes 1 a 3 consideram a proporção de movimento dos passageiros na cidade do Rio de Janeiro entre 1995 e 2019, segundo dados do Data Rio (2023), para a divisão entre os modos rodoviário e ferroviário (80% e 20%, respectivamente). A variação nos referidos testes se dá pela distribuição dos pesos entre os indicadores de Severidade do Impacto nas Vias (ISev) e de Redução de Velocidades (IRedV), na parcela correspondente ao transporte rodoviário. No Teste 1, considera-se que ambos os indicadores possuem importância na elaboração do índice, no entanto, a interrupção do tráfego gera maiores transtornos ao desempenho da infraestrutura de transporte do que a redução de velocidade. Já o Teste 2, considera que os indicadores possuem a mesma importância, atribuindo-se pesos iguais a eles, enquanto o Teste 3 considera que apenas a interrupção do tráfego é relevante para a análise proposta. O Teste 4, por sua vez, considera pesos iguais para os diferentes modos, mantendo a proposta do Teste 1 para a distribuição dos pesos entre os indicadores representantes do modo rodoviário (2/3 para o ISev e 1/3 para o IRedV).
Testes realizados para a análise simplificada de sensibilidade na ponderação dos indicadores
O Índice de Integridade do Sistema de Transporte (IT) foi calculado para a Situação Atual de acordo com a distribuição dos pesos em cada um dos testes e os resultados também são apresentados na Tabela 1.
Considerando que o desempenho da infraestrutura crítica de transporte pode ser classificado como muito baixo (0 a 0,20), baixo (0,21 a 0,40), médio (0,41 a 0,60), alto (0,61 a 0,80) e muito alto (0,81 a 1) a partir dos valores obtidos para o IT, é possível observar uma variação de classificação ao analisar os resultados de cada um dos testes. Enquanto nos testes 2 e 4 o desempenho se mostra baixo, nos testes 1 e 3, o desempenho pode ser classificado como médio, indicando que os pesos possuem efeito na caracterização do impacto das inundações no funcionamento da infraestrutura crítica de transporte.
Neste trabalho, optou-se por manter os pesos propostos no Teste 1 para fins de demonstração da aplicação e utilidade do índice. No entanto, cabe ressaltar que a definição dos pesos a serem utilizados fica a critério dos responsáveis pela tomada de decisão no planejamento de transportes, para adequar o índice à realidade local e às necessidades dos agentes de interesse.
Índice de Integridade do Sistema de Transporte
No que se refere ao transporte rodoviário, foi realizada uma comparação entre a localização das vias e suas respectivas hierarquias viárias com os resultados da simulação matemática para a Situação Atual e para o Cenário de Projeto, para o tempo de recorrência de 25 anos (Figura 4). Estima-se que são afetadas por lâminas de inundação acima de 30 cm, as extensões de vias, por hierarquia, apresentadas na Tabela 2. A partir dos dados, foi obtido um valor igual a 0,35, na Situação Atual, e a 0,23, no Cenário de Projeto, para o Indicador de Severidade do Impacto nas Vias. Ambos os valores indicam que o impacto da inundação na interrupção do tráfego rodoviário na bacia é baixo (0,21 a 0,40), tanto na Situação Atual quanto no Cenário de Projeto. Isso é justificado pela grande extensão de vias na bacia fora das áreas alagadas, bem como na predominância de vias locais afetadas, que possuem pesos menores na formulação do indicador, devido à sua hierarquia.
Extensão de vias afetadas por lâminas de inundação acima de 30 cm – Indicador de Severidade do Impacto nas Vias
Com relação às velocidades do tráfego nas vias inundadas, a Tabela 3 apresenta os valores estimados de velocidade média para cada hierarquia de via, sendo obtidos um valor de 0,78, na Situação Atual, e de 0,69, no Cenário de Projeto, para o Indicador de Redução de Velocidades. Tais valores representam que o impacto da inundação na redução de velocidades do tráfego rodoviário na bacia é alto (0,61 a 0,80) em ambas as situações avaliadas. Isso se deve ao fato da manutenção de lâminas baixas nas vias, ocasionando reduções de velocidade acima de 65% em todas as hierarquias viárias, na Situação Atual, e acima de 55%, no Cenário de Projeto.
Velocidade média do tráfego nas vias afetadas por lâminas de inundação entre 10 e 30 cm – Indicador de Redução de Velocidades
Quanto ao transporte ferroviário, comparando a localização dos ramais de trem, da linha de metrô e de seus respectivos terminais com os resultados da simulação matemática para a situação atual e para o cenário de projeto, para o tempo de recorrência de 25 anos (Figura 5), é possível constatar que, considerando-se a Situação Atual, todas as linhas de trem e metrô passam por momentos de interrupção do tráfego devido a lâminas de alagamento superiores a 60 cm na localidade dos terminais. Isso implica em um valor igual a 0 para o componente de Interrupção do Tráfego Ferroviário na Situação Atual. Com a implantação das medidas de projeto, as interrupções deixam de existir, o que fornece valor máximo ao componente no Cenário de Projeto.
Infraestruturas de transporte ferroviário afetadas pela inundação na situação atual e no cenário de projeto – TR25
Com relação aos acessos às estações, destaca-se a dificuldade de acesso à estação de metrô Acari/ Fazenda Botafogo na Situação Atual, mas que deixa de ser afetada no Cenário de Projeto (representando um valor para o componente de Dificuldade de Acesso para esse modo de 0,67 para a Situação Atual e de 1,0 para o Cenário de Projeto). No que se refere às estações de trem da bacia, das 17 existentes, oito são afetadas na Situação Atual (sendo duas no Ramal Belford Roxo – com componente de Dificuldade de Acesso igual a 0,50 - e seis nos Ramais Deodoro, Santa Cruz e Japeri – com componente de Dificuldade de Acesso igual a 0,54). No Cenário de Projeto, seis estações são afetadas (sendo uma no Ramal Belford Roxo – com componente de Dificuldade de Acesso igual a 0,75 - e cinco nos demais – com componente de Dificuldade de Acesso igual a 0,62).
Assim, foi possível calcular o valor final do Indicador de Dificuldade de Acesso e Interrupção do Tráfego Ferroviário, após combinação dos resultados individuais por meio de ponderação. Para a Situação Atual, foi obtido um valor igual a zero para o indicador, enquanto para o Cenário de Projeto, o valor encontrado foi de 0,92, que representa um desempenho muito alto (0,81 a 1,0) da infraestrutura de transporte ferroviário neste cenário.
Com os valores de cada indicador obtidos tanto para a Situação Atual, quanto para o Cenário de Projeto, foi possível calcular o Índice de Integridade do Sistema de Transporte para ambos os casos. Na Situação Atual, o índice tem valor igual a 0,41, enquanto no Cenário de Projeto, com a redução das lâminas de alagamento, há um acréscimo de cerca de 65% nesse valor, chegando a 0,68. Os valores obtidos indicam que, na Situação Atual, a infraestrutura de transporte possui um desempenho classificado como médio (0,41 a 0,60), enquanto no Cenário de Projeto, há um incremento nesse desempenho, que passa a ser classificado como alto (0,61 a 0,80). Ressalta-se que o desejável é que o desempenho da infraestrutura de transporte se mantenha entre alto e muito alto (0,81 a 1,0), tendo em vista a sua importância na manutenção do funcionamento das cidades e as inúmeras interdependências com outras infraestruturas urbanas.
Muitas instalações, como as subestações elétricas, as estações elevatórias de água e esgoto, por exemplo, podem ser afetadas diretamente por inundações e necessitar de reparos e até mesmo substituições. A acessibilidade a esses ativos afetados é fundamental para a manutenção de baixos tempos de recuperação pós-evento, o que é prejudicado se as vias que dão acesso a essas regiões também estão inundadas (Fekete, 2020).
Um outro impacto importante da falha da infraestrutura crítica de transporte é na gestão de emergências e de hospitais, que depende da manutenção da acessibilidade. Vias afetadas aumentam o tempo de chegada a regiões afetadas, prejudicando ações de socorro, bem como dificultam o acesso da população às infraestruturas de saúde. Cabe destacar que, quando prejudicada, essa rede ainda pode fornecer redundâncias em muitos casos, por rotas alternativas. No entanto, também existem vias de acesso únicas, que ficam isoladas quando afetadas (Fekete, 2020).
Assim, pode-se pensar em medidas adicionais para incremento do desempenho do sistema de transporte, que podem envolver medidas de resistência, como a manutenção da drenagem urbana, de redundância, definindo rotas alternativas para os motoristas, e de otimização da recuperação das vias, o que contribui para a diminuição do tempo em que o sistema permanece afetado (Liu; Song, 2020).
Conclusões
Este trabalho visou avaliar, a partir da quantificação da integridade do sistema de transporte, a sua capacidade de funcionamento mesmo com a ocorrência de inundações. De forma geral, foi possível constatar o impacto do evento disruptivo na infraestrutura crítica da bacia e, além disso, a necessidade de complementação de medidas para incremento do seu desempenho, que podem ser desde medidas adicionais para correção das falhas de drenagem remanescentes, à introdução de redundância aos sistemas ou, ainda, a um projeto de medidas de proteção às instalações.
O índice proposto se mostrou efetivo para identificar bacias potencialmente mais críticas em uma cidade, indicando os locais que irão requerer estudos mais detalhados quanto ao planejamento da infraestrutura de transportes. Ainda, cabe destacar que a análise individual dos indicadores pode auxiliar na avaliação da extensão do impacto das inundações nessa infraestrutura. Ressalta-se a importância desse tipo de avaliação prévia, antecipando possíveis interrupções de serviço e buscando melhores alternativas para a manutenção da funcionalidade da infraestrutura, visto que isso evita potenciais efeitos em cascata, como a impossibilidade de acesso a ativos afetados e o prejuízo a ações de socorro, contribuindo para resiliência urbana da bacia a inundações.
Sob o ponto de vista de possíveis limitações, pode-se citar a necessidade de dados mapeados da infraestrutura de transporte para a aplicação da metodologia, bem como de dados que possibilitem a modelagem hidrodinâmica da bacia estudada. Embora não tenha sido uma dificuldade para o estudo de caso proposto devido ao fácil acesso aos dados necessários, sabe-se que nem todas as cidades possuem um banco de dados abertos disponíveis para tais análises. Também é possível destacar a definição dos pesos dos indicadores, que traz consigo uma subjetividade, na ausência de critérios específicos, bem como a simplicidade de avaliação. No entanto, cabe ressaltar que as definições se prestam a um pré-planejamento e que a proposta do índice pretende manter um nível simplificado adequado a essa etapa, sendo os pesos definidos a critério dos responsáveis pela tomada de decisão, a fim de representar a realidade local e o desejo dos agentes interessados. Além disso, a análise de desempenho proposta considera apenas os impactos diretos das inundações, sem quantificar possíveis efeitos em cascata, que podem tornar o funcionamento das cidades ainda mais crítico, bem como uma condição estática atual e uma condição de projeto, para fins de comparação.
Nesse sentido, como recomendação para trabalhos futuros, pode-se pensar na evolução da avaliação proposta, que parte de uma medida de desempenho, segundo uma análise estática dos impactos das inundações na infraestrutura de transporte, para uma avaliação da resiliência do sistema, considerando a aplicação do índice ao longo do tempo e analisando a sua máxima perda pontual, o tempo em que o sistema permanece afetado e o tempo de recuperação, por exemplo. Também se recomenda a incorporação dos possíveis efeitos em cascata nesta análise.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) [Código de Financiamento 001; 88887.495814/2020-00]; e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (CNPq) [303862/2020-3]. Os autores também agradecem à Cátedra UNESCO de Drenagem Urbana em Regiões de Baixada Costeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual este trabalho está inserido.
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Editora:
Karin Regina de Castro Marins
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Mar 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Dec 2025
Histórico
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Recebido
01 Mar 2024 -
Aceito
07 Jun 2024