Open-access “PARA AFIANZAR ESA LIBERTAD TAN DESEADA, NO BASTA SOLO LA MUERTE DE BOLÍVAR”1: ANTIBOLIVARISMO E O DILEMA CONSTITUCIONAL VENEZUELANO DE 1830

PARA AFIANZAR ESA LIBERTAD TAN DESEADA, NO BASTA SOLO LA MUERTE DE BOLÍVAR”: ANTIBOLIVARISM AND THE VENEZUELAN CONSTITUTIONAL DILEMMA OF 1830

Resumo

Neste trabalho, analiso sob quais pressupostos as elites política e intelectuais produziram uma nova legitimidade constitucional para a Venezuela, após a dissolução da Grã-Colômbia. O artigo se concentra em recompor campos discursivos prevalentes no contexto do Congreso de Valencia, assembleia que elaborou a Constitución Política del Estado de Venezuela de 1830. Neste cenário, examino o intenso debate político, no qual diversos atores desconstruíram os fundamentos e explicitaram as convenções e contingências dos sistemas republicanos precedentes - a Primeira República da Venezuela (1811), a Grã-Colômbia (1819, 1821) e o Projeto Bolivariano (1824) - impactando, de formas negativas ou positivas, a redefinição da arquitetura constitucional. Em paralelo, examino como as elites dirigentes enfrentaram o desafio de se equilibrar entre ideias liberais, republicanas e autoritárias para fundar uma precária ordem política diante das ameaças de guerras civis e convulsões sociais. Em especial, chama atenção como o debate público venezuelano expressava a tensão entre dois modelos de organização da República: a lógica do homem providencial, portador e difusor das virtudes republicanas, e a proposição de um pacto social de cidadãos (a parte sã da sociedade). Por fim, proponho uma análise de aspectos políticos e simbólicos do rechaço a Simón Bolívar e do antagonismo entre a nova República e o legado Libertador. Através dessas abordagens, pretendo contribuir para uma compreensão dos conflitos inerentes à configuração e acomodação do Estado venezuelano no século XIX.

Palavras-chave:
Simón Bolívar; Antibolivarianismo; Legitimidade constitucional; Formação do Estado venezuelano; Pensamento político venezuelano do século XIX

Abstract

In this paper, I analyze the assumptions under which the political and intellectual elites produced a new constitutional legitimacy for Venezuela following the dissolution of Gran Colombia. The article focuses on reconstructing the prevailing discursive fields within the context of the Congreso de Valencia, the assembly that drafted the Constitución Política del Estado de Venezuela in 1830. In this scenario, I examine the intense political debate in which various actors deconstructed the foundations and made explicit the conventions and contingencies of previous republican systems - the First Republic of Venezuela (1811), Gran Colombia (1819, 1821), and the Bolivarian project (1824) - thus impacting, either positively or negatively, the redefinition of the constitutional architecture. Concurrently, I examine how ruling elites faced the challenge of balancing liberal, republican, and authoritarian ideas to establish a fragile public order in the face of threats of civil war and social disturbance. In particular, it is interesting to note how the Venezuelan public debate expressed the tension between two models of republican organization: the logic of the providential man, who carries and spreads republican virtues, and the proposition of a social pact among citizens (the sane part of society). Finally, I propose an analysis of the political and symbolic aspects of the rejection of Simón Bolívar and the antagonism between the new Republic and the Liberator’s legacy. Through these approaches, I aim to contribute to an understanding of the inherent conflicts in the configuration and accommodation of the Venezuelan state in the 19th century.

Keywords:
Simón Bolívar; Anti-Bolivarianism; Constitutional legitimacy; Foundation of the Venezuelan state; Venezuelan political thought of the 19th century

1. Introdução

No contexto das independências na América Latina, produzir uma Constituição significava associar-se a uma comunidade política para desenhar um pacto social visando validar e limitar poder, garantir os direitos individuais, organizar o Estado e promover estabilidade tanto para a administração quanto para o debate público. No ato de deliberar sobre a particularidade de suas leis, a sociedade reivindicava a posse da própria soberania e materializava sua autonomia, de modo que, ao fundar o corpo social e reunir o resultado de um suposto consenso político, os primeiros textos constitucionais guardavam atributos quase que místicos sobre o destino de seus povos. Por isso, os debates constituintes do início do século XIX não compreendiam apenas a esfera jurídico-administrativa, mas também incluíam outras condições estruturantes dessas sociedades, como a concretude das relações de força vigentes no contexto e as disputas de projetos políticos de futuro.

No entanto, conforme as forças espanholas eram vencidas e a emancipação política tornava-se uma realidade, a coesão de interesses que unia as elites criollas começou a ruir. As mudanças abruptas e as diversas reações em relação ao novo ordenamento social e às experimentações do republicanismo na região levaram os países a enfrentarem disputas em torno das normas que deveriam governar suas sociedades no pós-independências. Nesse cenário, eclodiram episódios de golpes de Estado, rebeliões militares, levantes populares, reformas legislativas e guerras civis.

No processo de secessão da Grã-Colômbia4, no final da década de 1820, todas essas características apareciam de formas mais ou menos enfáticas. À medida que a emancipação política se consolidava pelo êxito das armas, os fundamentos do Estado grã-colombiano passaram a ser fortemente contestados. Podemos entender a fragilidade desse sistema institucional como característica de uma República suportada pelo exército para o esforço de guerra. Segundo Clément Thibaud, o governo grã-colombiano operava por meio da lógica do estado de exceção, estabelecendo uma legalidade pela força das armas ou pelo temor da iminência do ataque inimigo5. Com a expectativa do desfecho das campanhas das independências, esgotava-se a eficácia desse modelo político e abria-se espaço para questionamentos sobre sua precariedade e arbitrariedade. Sobretudo na região da Venezuela6, as tensões com a administração militarizada fragilizaram Constitución de Cúcuta (1821) e, consequentemente, a união entre venezuelanos e neogranadinos.

Em 1824, três decretos do Presidente em exercício, Francisco de Paula Santander, ampliaram a insatisfação com o autoritarismo de Bogotá e a condição periférica da Antigua Venezuela na Grã-Colômbia. Os dois primeiros, de 11 maio, instituíam o recrutamento forçado para defender-se contra uma possível reconquista espanhola e para apoiar as operações de Bolívar no Peru. O terceiro ato, de 31 de agosto, aboliu unidades independentes, como as guardias cívicas, e integrou todas as milícias a uma estrutura de comando hierarquizada7. Essas determinações provocaram conflitos de competências entre autoridades civis e castrenses. Municipalidades, como Puerto Cabello, desobedeceram às ordens de Bogotá, enquanto lideranças civis denunciavam abusos no recrutamento como evidência da usurpação da soberania local, fosse pelo centralismo de Santander ou pela arbitrária supremacia dos caudillos regionais que, ao combaterem pela independência, acreditavam-se legítimos mandatários da República8.

A crise entre Bogotá e os pueblos venezuelanos agravou-se com a circulação de publicações que refutavam a constitucionalidade do alistamento obrigatório, citando violações às liberdades individuais9. Ademais, entre 1825 e 1826, supostos excessos do Governo central contra venezuelanos renomados intensificaram críticas caraquenhas ao regime de Santander e à alegada preponderância neogranadina sobre a República, alentando discursos separatistas ou reformistas em relação à Constitución de Cúcuta10.

Nesse cenário, José Antonio Páez, Comandante-geral da Venezuela, adotou métodos coercitivos para implementar o recrutamento compulsório de 1826, desconsiderando a oposição de setores civilistas. Denunciado por abusos pelo intendente Juan Escalona, foi destituído pelo Senado e intimado a Bogotá para julgamento. Não obstante, a municipalidade de Valencia, aproveitando-se da comoção popular e da crescente insatisfação com o regime de Santander, desafiou abertamente o Governo central ao reafirmar Páez como Chefe civil e militar da Venezuela. Esse gesto de insubordinação ressoou em outras cidades, como Caracas e Maracay, e catalisou uma onda de apoio a Páez, deflagrando o movimento conhecido como La Cosiata (1826), que expressava o anseio venezuelano por maior autonomia frente às políticas centralizadoras da Grã-Colômbia. Contudo, nem toda Antigua Venezuela aderiu à insurreição: nas cidades do Oriente, caudillos experimentados aguardavam o desenlace dos acontecimentos antes de somar-se, ou não, à rebelião11.

Em meio ao clima de sedição, em Caracas circulavam panfletos sugerindo que a adoção da Constituición de Bolívia (1826), redigida por Bolívar, poderia pacificar as contendas internas e afastar a República de sistemas ditados pelo “furor de las revoluciones”12. A recepção desses papéis gerou intensos debates. Periódicos como La Lira, redigido por Antonio Leocadio Guzmán, e El Reconciliador, a cargo de José Rafael Revenga, endossavam Bolívar e defendiam a adesão venezuelana à Carta Boliviana, reformando a Grã-Colômbia ou a criação de uma federação que incluísse Peru e Bolívia13. Em contrapartida, o El Colíbri, de Rafael Domínguez, denunciava a iniciativa como uma tentativa de instaurar um Governo centralista e discricionário, sob a autoridade onímoda e marcial de um Presidente vitalício14, proposta que considerava incompatível com a tradição liberal venezuelana15.

Os ânimos só se acomodaram com a intervenção direta de Bolívar, que, durante visita oficial à Caracas em 1827, reconheceu a necessidade de certa autonomia política para reintegrar a Venezuela à União, convocando uma assembleia para revisar a Constituição grã-colombiana. Contudo, persistia o temor de que a Convención de Ocaña (1828) fosse instrumentalizada para outorgar o mando supremo da República ao Libertador16. Essa hipótese promoveu forte desconfiança e resistência nos setores dirigentes das municipalidades venezuelanas. Ato contínuo, a imprensa venezuelana tornou-se palco de polêmicas engajadas em alertar sobre uma factível tirania de Bolívar, que se sustentaria na moral do exército vitorioso e na popularidade adquirida pelo general nas campanhas de independência.

Com efeito, esse receio impulsionou, na Venezuela, uma opinião pública hostil ao projeto bolivariano, culminando na proposição de uma assembleia constituinte própria que fornecesse ao país uma base sólida para sua governança e garantisse sua legitimidade como Estado soberano, desvinculando-se da Grã-Colômbia e da influência política de Bolívar17. Nesse cenário, as elites dirigentes da Venezuela mergulharam num arraigado debate público que gravitou em torno de temas centrais para a reorganização política do país, como os princípios e valores da nova lei fundamental; a estrutura e os poderes das instituições políticas a serem construídas; e os pressupostos que confeririam validade à norma constitucional.

2. A Venezuela contra Bolívar

A Sociedad Económica de Amigos do País (SEAP), fundada em 1829, funcionou como um fórum de promoção de debates voltados para o progresso material da comunidade venezuelana. No contexto de separação da Grã-Colômbia, essa associação cívica aproximou as posições de grupos diversos - como terratenentes, comerciantes, intelectuais, burocratas e algumas lideranças militares - em torno de um projeto de reconstrução do Estado, que se encontrava arruinado pelas guerras de independência.

Entre as principais postulações da SEAP, destacavam-se objetivos estruturais como o desenvolvimento da educação pública, a construção de vias para integrar o vasto território, o incentivo à expansão agrícola e o estímulo à imigração como estratégia de povoamento do território18. Em essência, esse grupo professava uma percepção de país assentada na liberdade de ação individual e na soma dos interesses particulares como motor para a felicidade pública e o bem-estar geral19.

Paralelamente ao compromisso com o fomento material e à concepção de governo como suporte para as incitativas individuais, o grupo de notáveis que integrava o consenso econômico da SEAP também convergia em torno de determinadas aspirações políticas: o civilismo como base para a modernização da administração pública; a tripartição e a alternância do poder; o retorno ao liberalismo da Constitución Federal de 1811; o municipalismo; e a oposição ao centralismo de Bogotá e à integridade da Grã-Colômbia20.

Em outras palavras, a agenda que resultaria na independência da Venezuela em 1830 não se originou de uma abstração da modernidade política. Tanto os preceitos institucionais do Estado, quanto a participação da sociedade civil na esfera pública respondiam a demandas concretas por iniciativa e gestão locais, orientadas para a recuperação material da nação. Ao articular a defesa de garantias sociais e políticas; a valorização da autonomia individual como essencial para o desenvolvimento e o bem comum; e a crítica ao militarismo e à concentração de poderes, o movimento separatista venezuelano buscava engajar a opinião pública num projeto de país assentado nos interesses dos proprietários.

Em contraste, como analisa Carolina Guerrero, o pensamento político de Bolívar combinava republicanismo clássico, humanismo cívico e liberalismo, idealizando um Estado forte com instituições atuantes na organização social21. O cerne de seu projeto ilustrado - estabelecer e preservar a República - levava-o a insistir reiteradamente na limitação da liberdade individual, a pretexto de que tais restrições seriam necessárias para proteger o corpo político dos excessos da licencia, que poderiam culminar em anarquia e na destruição da República22. Bolívar, cético sobre a capacidade da população, sustentava que a cidadania deveria ser imposta e controlada por uma autoridade superior23. Por essa razão, seu constitucionalismo recorria a fórmulas institucionais que confiavam a direção política a uma elite ilustrada (senado hereditário), ou submetiam todos à vontade do indivíduo mais virtuoso (Presidente vitalício)24.

Dadas as notáveis divergências, as instituições pensadas por Bolívar enfrentavam resistência no debate político venezuelano, em que prevalecia a concepção de um Estado que deveria promover as liberdades individuais e os princípios de um governo civil, alternativo e, em partes, federalizado, respeitando as soberanias das municipalidades. Foi o rechaço a Bolívar, identificado como inimigo da liberdade, que possibilitou às elites venezuelanas contornarem suas divisões internas e consolidarem o projeto de país que desejavam conduzir.

A proposta de um Presidente vitalício - segundo Bolívar, uma autoridade passiva25, com a função de mediador das relações entre poderes, da ordem constitucional e da preservação da União e da República - foi frequentemente referida como um poder personalista e discricionário, conflitando diretamente com o liberalismo das elites venezuelanas. Essa interpretação refletia o temor de um movimento autoritário vinculado ao Libertador, agravada pela proposta monarquista ventilada por seus colaboradores mais próximos26. Nesse contexto, o princípio da retroversão da soberania, mobilizado para justificar a Independência da Espanha, em 1810, ganhava nova relevância. Como testemunha um papel solto que circulava por Cumaná:

Sea quien sea el déspota, no importa. Venezuela entera se ha pronunciado contra el despotismo, es lo que importa. ¿Qué haremos? He aquí la pregunta que todos agitan recíprocamente. Unirnos a nuestros hermanos, converger la opinión y proclamar los principios he aquí la respuesta unánime de los hijos de Maturín. […] No puede vivir sino bajo el régimen republicano, donde es partícipe de la soberanía que a nadie ha cedido, que a nadie quiere ceder, que es esencial al pueblo y que ningún partido ni ningún poderoso tiene derecho de abrogarse

[…]

¿Hay oriental que apetezca la irresponsabilidad de los empleados, el senado hereditario, la inviolabilidad de los jefes, el poder vitalicio, un gobierno militar, una monarquía, un absolutismo? No: no es posible que lo haya, y el menos patriota se irrita solo al contemplar que existe realmente un conato delirante para mantenernos en una infancia estacionaria o en abyección infame, y que un hombre, un hombre osado atenta adjudicarse el fruto del saber, de la virtud, del denuedo de tres millones de colombianos27.

Esse entendimento foi solidificado no debate público por pronunciamentos de municipalidades e atas públicas. A imprensa da época contribuiu mobilizando a opinião pública tanto com a circulação de documentos, quanto com a disseminação de artigos de opinião sobre as “arbitrariedades” do mando de Bolívar. O periódico El Fanal desempenhou um papel decisivo nesse processo, por meio de incessantes críticas e denúncias que sistematicamente enfatizavam o suposto despotismo de Bolívar28. Paralelamente a isso, os editores da publicação selecionavam e compilavam discursos, pronunciamentos e panfletos soltos que proporcionavam uma voz coletiva para as posições enunciadas no impresso. Movidos por essas disposições, os artigos do El Fanal trataram de disseminar analogias entre a tirania de Bolívar e a dos monarcas espanhóis, estabelecendo uma comparação indireta entre a situação da Venezuela em sua primeira independência (1811-1812) e o cenário de 1830:

La opresión y degradación de los pueblos, han hecho siempre celebrar con magnificencia el nacimiento de aquellos hombres que más bien los han encaminado a su ruina, que al rango de elevación a que la naturaleza les había destinado. […] las funciones de júbilo con que se celebraba el cumpleaños de los Carlos y Fernandos de Borbón, y los aparatos con que se manifestaba el sentimiento por las muertes de las Luisas é Isabelas. […] A nuestra presencia se han hecho grandes festividades por el nacimiento del General Simón Bolívar: su retrato era sacado en procesión, y colocado en un templo que se construía al intento en la plaza mayor de esta capital: allí se le mantenía con multitud de luces, cual otro santo, y estaba custodiado por dobles centinelas tres días consecutivos29.

De qualquer modo, o reaparecimento da questão das soberanias justificou a elaboração de uma nova Lei Fundamental, impondo um dilema crucial à classe política. Tendo como precedente o movimento para minar e suplantar uma estrutura legal -anteriormente estabelecida e amparada pelas armas do exército libertador - como assegurar que uma nova Constituição, resultante de um frágil consenso da sociedade civil, fosse durável, legítima e indisputável?

Essa questão desencadeou outras matérias seminais para o debate político ao longo do século XIX venezuelano, sem que nenhum dos envolvidos nas discussões apresentasse uma solução definitiva. Assim, o problema de legitimidade constitucional desdobrava-se numa série de aporias, a exemplo de: como restaurar a fé na validade da lei após expor sua natureza política contingente? É possível impedir que, uma vez destituída a transcendentalidade do código legal, o exercício da violência converta-se em único meio ou principal fator de legitimidade, rebaixando todo ordenamento jurídico às ambições daqueles com suficiente sorte nas armas para redesenhar sua própria versão de legalidade? De que forma garantir que a Venezuela não estivesse fadada ao constante declínio rumo ao Estado de selvageria no qual nem mesmo as leis naturais, anteriores a qualquer pacto social, tinham algum valor?30 Dito de outro modo, como evitar que se realizasse a amarga profecia que Bolívar escreveu, em carta ao General Flores, enquanto rumava ao exílio:

[...] 4º Este país caerá infaliblemente en manos de la multitud desenfrenada, para después pasar a tiranuelos casi imperceptibles, de todos colores y razas. 5°. Devorados por todos los crímenes y extinguidos por la ferocidad, los europeos no se dignarán conquistarnos. 6°. Sí fuera posible que una parte del mundo volviera al caos-primitivo, este sería el último período de la América31.

Durante a década de 1830, o estabelecimento de limites ao dissenso político apareceu como uma resposta provisória a essas controvérsias. Consolidava-se, dessa maneira, um sistema político marcado pela performance unanimista32, pelo rechaço às organizações partidárias e pelo antagonismo ao legado do Libertador. O processo de fortalecimento institucional da Venezuela, a partir de 1830, foi, em parte, uma maneira de conter a instabilidade causada pelas ações do prócer no âmbito constitucional. Portanto, pode-se afirmar que a oposição a Bolívar foi um dos principais alicerces do Estado recém-formado. Partindo dessa constatação, cobra atenção o papel paradoxal do discurso antibolivariano na legitimação da soberania venezuelana.

3. Intensificação do dissenso

Como visto, os esforços de Bolívar para redesenhar a ordem legal da Grã-Colômbia trouxeram a reboque efeitos perversos. Mais do que a proposta centralista de um presidencialismo forte e vitalício ou o perigo da conformação de uma monarquia bolivariana, o ímpeto de modificar a Constituição desvelava a natureza arbitrária e mundana dos fundamentos de qualquer ordenamento jurídico. A dessacralização33 operada sobre “a Lei” a restituía ao terreno da política - do discutível, do ordinário - como “uma lei”. Esse processo minava a força da instância instituinte da norma, entendida como resultado de um único ato originário: a celebração do pacto social34. Ou seja, ao tentar estabelecer um novo princípio de licitude, o Libertador acabou trazendo à tona o grau de convenção e de contingência existente na Carta de princípios que reunia a Grã-Colômbia enquanto comunidade política, permitindo aos seus adversários contestarem tanto a legitimidade da origem do Estado, quanto o poder do governo e os mecanismos instituintes.

Assim sendo, a própria convocação do Congreso de Ocaña (1828) para revisar a Constituição em vigor, deu início a um processo de destituição normativa da Grã-Colômbia. Como bem observa Gutiérrez Ardila, a antecipação da reunião de uma nova constituinte, originalmente prevista para 1831, abriu um precedente grave à medida que rompia com o “princípio de legalidade” e dava espaço para ações extralegais. Com o desmoronamento do gran compromisso de Cúcuta (1821), a possibilidade de estabelecer uma nova base legal foi completamente inviabilizada35.

Dessa forma, a instalação da constituinte em Ocaña implicou a derrogação da Carta de 1821. Contudo, ao não conseguirem impor suas demandas ao processo de elaboração do código legal, os partidários de Bolívar optaram por esvaziar a assembleia, deixando-a sem quórum para aprovar qualquer texto final. Nessa conjuntura, diante da ausência de uma legislação vigente e do fracasso em estabelecer uma nova norma, Bolívar assumiu o mando supremo da República em julho de 1828. No período que se estendeu até janeiro de 1830, o Libertador governou respaldado apenas pelas atas públicas de cidadãos - supostas expressões de consentimento popular - e pelo Decreto Orgánico de la Dictadura de 27 de agosto de 1828. Conforme reconheciam seus mais ardentes defensores, entusiasmados com a perspectiva de reformas, o Libertador-Presidente havia assumido um poder sem quaisquer contrapesos ou restrições.

Essa opinião era compartilhada por José Ignácio de Abreu e Lima, general de origem pernambucana que serviu nas guerras de independência sob o comando do Libertador. Num compêndio enviado à Europa para a defesa do Libertador contra as acusações de Benjamin Constant, pode-se observar uma leitura otimista de Abreu e Lima sobre o contexto:

El Libertador vuelve a la Capital entre los ruidos de las aclamaciones; todos le apellidan el padre de la patria y el áncora de salvación; por todas partes se oyen los gritos de una delirante alegría; y se olvidan los pasados agravios de los que habían traicionado la confianza pública. Se hace cargo para tercera vez de la administración, y sin más guía que su propia conciencia y la felicidad de sus conciudadanos, traza en medio del poder los límites de la inmensa autorización con que había sido revestido por el entusiasmo de los pueblos. Este grande acto de liberalidad, que debió confundir a los anarquistas, encendió al contrario su cólera, porque ellos veían disminuirse los motivos de sus pretendidos agravios36.

No Diario de Bucaramanga, o ajudante de ordens do Libertador, Luis Perú de Lacroix, relata um suposto diálogo que denota a plena consciência que Bolívar tinha da instabilidade que resultaria da dissolução da assembleia de Ocaña e de sua investidura de prerrogativas discricionárias:

- Me encuentro - dijo - en una posición quizá única en la historia. Magistrado superior de una República que se regía por una Constitución que no quieren los pueblos, que la han despedazado, que la Convención ha anulado al declarar su reforma, y cuando dicha Convención se ha disuelto sin hacer dichas reformas y sin dar el nuevo Código por que debía regirse la Nación. Gobernar con la Constitución desacreditada es exponerla a que sea rechazada por los pueblos, lo cual traerá consigo conmociones civiles; dar yo mismo un Código provisional, es usurpar una facultad que no tengo, y al hacerlo, me llamarían, con razón, déspota; gobernar sin Constitución alguna, y según mi voluntad, sería dar margen a que me acusaran, también con justicia, de haber establecido un poder absoluto, y ni puedo, ni quiero, ni debo declararme dictador37.

Ao assumir - ainda que a contragosto - os riscos de uma ditadura, o Libertador viu seus prognósticos se concretizarem rapidamente com o discurso de ruptura ganhando terreno no debate público venezuelano. As desconfianças em relação a um mandato arbitrário impulsionaram o movimento separatista venezuelano a buscar nos direitos naturais um princípio de legitimidade, tanto para contestar o governo - visto como despótico e ilegítimo -, quanto para justificar a ruptura com a Grã-Colômbia. Dessa forma, a retroversão da soberania, o direito de petição e o direito de separação de um governo tirânico seriam invocados para fundamentar a proposição de um novo marco legal, capaz de promover a regeneración de la Antigua Venezuela. Baseada nesse entendimento, a assembleia de cidadãos, reunida em Caracas em 1829, proclamou por unanimidade um decreto de cinco artigos, os quais incluíam:

Primero - Separación del gobierno de Bogotá y desconocimiento de la autoridad del general Bolívar […].

Segundo - Que se dirija el acta justificativa del proceder, y que contenga estas resoluciones, al Excmo. Sr. General Jefe Superior [Antonio Páez] pidiéndole que consulte la voluntad de los departamentos que forman la Antigua Venezuela, y se sirva convocar con toda la brevedad posible las asambleas primarias en todo el territorio de su mando para que según las reglas conocidas se haga el nombramiento de electores y sucesivamente el de los representantes que deben componer una Convención Venezolana para que tomando en consideración estas bases proceda inmediatamente al establecimiento de un gobierno republicano, representativo, alternativo, y responsable38.

Seguindo o exemplo de Caracas, diversas cidades e departamentos uniformaram seus votos, aderindo ao rompimento com Bogotá e à formação de uma constituinte venezuelana. Assim, mesmo antes da instalação do Congreso de Valencia, em maio de 1830, já se discutia entre os intelectuais e na imprensa que qualquer inovação constitucional teria que lidar com a sombra de três sistemas políticos e de seus respectivos repertórios legais:

A Primeira República da Venezuela, resgatada a partir de referências à Acta del 19 de abril de 1810, à Acta de la Declaración de Independencia (1811) e à Constitución Federal de Venezuela (1811);

O Grã-Colombiano, contido na Ley Fundamental de Angostura (1819) e na Constitución de Cúcuta (1821);

O Projeto Bolivariano, da Constitución de Bolivia (1826), da Constitución para la República Peruana (1826) e do Decreto orgánico de la dictadura de Bolívar (1828).

Ao retomar as estruturas precedentes, mais que restaurar sua licitude - o que se mostrava uma tarefa complexa devido aos fracassos conjunturais de cada projeto -, a questão central era expor as contingências sobre as quais esses sistemas políticos se sustentavam. Dessa maneira, tornou-se possível minar os fundamentos da autoridade grã-colombiana; enfatizar a inviabilidade de qualquer norma anterior; denotar a necessidade de promulgar uma nova lei fundamental; agregar grupos de interesses diversos; e enunciar os valores que delimitariam os novos direitos a serem instituídos.

4. Ecos dos sistemas políticos precedentes na legitimação da Constituinte de 1830

4.1 A deliberação de um legado: qual passado deveria ser regenerado na Venezuela?

A retórica da regeneración de la Antigua Venezuela cumpriu um papel relevante no discurso separatista venezuelano, ao fornecer aos seus articuladores intelectuais uma narrativa para o ideal de civilismo almejado para a comunidade. Assim, os marcos da Junta de Caracas (1810) e da Primeira República (1811-1812) apareciam como uma memória compartilhada - entre as elites letradas e o povo - que evocava as origens sangrentas da comunidade, um passado de lutas heroicas que embargava moralmente qualquer tentativa de retroceder ao despotismo. É essa a raiz do espírito patriótico ao qual recorreu o pronunciamento dos habitantes de Puerto Cabello em adesão ao separatismo de Caracas e, consequentemente, em desacato ao governo de Bolivar:

[…] que por recompensa de los esfuerzos comunes, en sostener la sangrienta y desoladora lucha con los españoles, hasta alejarlos de nuestro suelo por consuelo de tantas viudas y tantos huérfanos; y por indemnización en fin de tantos desastres, inauditos quizás, nos contentemos con no depender del Rey de aquellos, más humillándonos ante un nuevo Señor? […] estamos pronto a firmar con sangre; que nuestro gobierno ha de ser popular, representativo, alternativo, y responsivo, por ser inalterables los principios que se establecieron el memorable 19 de Abril de 1810, de libertad, igualdad y seguridad39.

De maneira análoga, a menção à Antigua Venezuela operava como uma alusão à pátria original, da qual os venezuelanos não se separaram nem mesmo ao pactuar a formação da nação colombiana com Nova Granada, em 1821. Assim, referida como fronteira de uma tradição política, a Antigua Venezuela funcionava como ponto de encontro para o qual as distintas soberanias municipais podiam convergir, demarcando sua participação no redesenho social. Esse entendimento foi mobilizado pela assembleia de vecinos de Cumaná, de 20 de novembro de 1829, para responder ao suposto plano de coroar Bolívar como imperador dos Andes:

[…] las opiniones que se ventilaron y las reseñas que se hicieron de nuestra política, demostraron en el momento que Cumaná no podía ser fría espectadora del movimiento de Caracas y demás poblaciones del occidente de Venezuela, porque estrechados por los vínculos más íntimos de interés común debía lanzarse a la regeneración, adhiriéndose a la suerte de sus hermanos […].

Con lo que la asamblea […] acuerda los puntos siguientes:

[…] 3. La convocatoria de una Convención Venezolana compuesta de representantes de las provincias que forman la Antigua Venezuela para que tomando en consideración las bases sancionadas, proceda inmediatamente al establecimiento de un gobierno popular, representativo, alternativo y responsable40.

Presente em diversas atas públicas e pronunciamentos favoráveis à separação do Governo de Bogotá, o lema “[...] gobierno popular, representativo, alternativo y responsable” definia a comunidade política que se pretendia regenerar em torno da Antigua Venezuela. A escolha dos termos era deliberadamente empregada como uma antítese à visão que os letrados venezuelanos tinham da proposta constitucional de Bolívar: um governo aristocrático, despótico, vitalício e inimputável. Logo, a unidade venezuelana encontrava na idealização do passado compartilhado uma série de elementos que permitiam justificar sua oposição ao programa bolivariano.

Contudo, essa reivindicação não significava uma retomada estrutural ou funcional da Primeira República. Pelo contrário, os deputados constituintes de 1830 sequer cogitaram um executivo triúnviro e refutaram o federalismo absoluto, fórmulas previstas na Constitución Federal de 1811. A rejeição a essa configuração política era motivada pelo receio de uma nova fragmentação, como a que levou ao colapso do Estado venezuelano diante da guerra civil e da reconquista espanhola em 1812. Assim, apesar da Constitución de Valencia (1830) ser resultado de um movimento baseado nas vontades expressas e nas soberanias delegadas pelas municipalidades, o documento acabou por definir um Estado centro-federalista41, com poderes concentrados num legislativo poderoso e num único presidente42.

Se a organização institucional da Primeira República não gozava de aceitação entre os congressistas de 1830, em contrapartida, os fundamentos do projeto liberal de 1810 e 1811 foram mobilizados como princípios sobre os quais o Libertador não teve ingerência, e, portanto, estavam livres de seu despotismo e corrupção. Imbuído dessa lógica, o discurso do general Francisco Bermúdez, na celebração dos 20 anos da Revolución de 1810, oferecia um testemunho de como se operava a desassociação retórica entre o passado venezuelano e a imagem de Bolívar:

Venezuela tan republicana como el primer pueblo del universo, dijo en 1810 que no quería ser esclava, y fue libre jurando del modo más solemne sostener sus votos. Se presentó por desgracia el año de 1829 que trajo consigo todos los elementos del mal y de la servidumbre, y ella fiel a sus juramentos alza su frente y se alarma contra el usurpador de sus derechos y prerrogativas. Loor eterno pues al fausto día 19 de Abril de 1810: recordémosle siempre con orgullo porque él es el verdadero padre de la libertad del nuevo mundo, y llevemos a las generaciones más remotas todas las demostraciones de gratitud que son propias de un pueblo verdaderamente entusiasta por su libertad43.

Bermúdez atribuía explicitamente a paternidade da libertação das Américas aos revolucionários de 1810, conquanto denegasse, de maneira implícita, o título de pai da pátria atribuído a Bolívar. Por meio de um argumento similar, os editores do El Fanal buscavam lançar luz sobre o processo eleitoral para a constituinte de 1830, alertando sobre os perigos da escolha de indivíduos comprometidos com o projeto bolivariano:

Venezuela se encuentra hoy en la misma situación que el 19 de Abril del año de 1810: entonces rompimos los vínculos políticos que nos unían a la nación española, y ahora hemos despedazado los lazos que nos ligaban a la administración de Bogotá de que era Jefe Bolívar: en ambas ocasiones hemos principiado la lucha de la libertad contra la tiranía, después que no han sido bastantes las razones que hemos presentado en apoyo de nuestras resoluciones44.

A equiparação com condições do passado permitia aos publicistas ressaltar o compartilhamento do mesmo repertório de valores liberais que moveu o processo revolucionário de 1810 e 1811: inviolabilidade da propriedade privada; liberdade de pensamento, de imprensa, de indústria e de agir; igualdade jurídica; direito à participação na política e na administração pública; republicanismo; divisão dos poderes. Esse argumento, difundido na opinião pública da época, refletia uma noção de continuidade e conclusão de um projeto político interrompido. Assim, confrontados com a mesma circunstância dos pais fundadores de 1810, e encorajados pelo ideal ilustrado da luta contra a coerção, os venezuelanos deveriam repetir o desafio de fundar uma nova República em desacato a um governo despótico:

[…] Tenemos pues, que hacer todo de nuevo y olvidar todo lo que hemos hecho. La obra es grande y difícil y no lo es menos el encontrar los hombres que tracen y levanten el edificio social sobre el plan que siempre hemos deseado […] deben poner los ojos en los patriarcas de nuestra libertad, en los que han hecho frente al poder en los días de luto que ha tenido nuestra patria, en los que nunca la abandonaron a merced del tirano, y en los que en medio del ruido de sus bayonetas y del terror que inspiraban sus satélites jamás desesperaron de la salud de la República45.

Portanto, para os separatistas venezuelanos, reclamar a memória da Primeira República significava revestir-se de uma tradição que chancelava suas ações políticas posteriores, fosse na esfera institucional, fosse no campo revolucionário. Por outro lado, essa memória possibilitava deslocar discursivamente Bolívar para o campo do despotismo por meio de associações ao imaginário absolutista, encarnado na antiga administração espanhola. Essas reiteradas comparações ganhavam concretude diante do que os venezuelanos consideravam como um exercício arbitrário e ilícito do poder por parte do Libertador. Ideias semelhantes ganhavam contornos de institucionalidade ao serem postuladas no discurso de Andres Narvarte quando, na condição de presidente do congresso constituinte, dirigia-se aos seus comitentes para apresentar as primeiras resoluções da assembleia:

El 19 de Abril de 1810 levantó Caracas el grito de Libertad, y se repitió con entusiasmo en toda la América del Sur. Venezuela siempre a la vanguardia del combate manifestó con claridad su querer; pero una guerra dilatada y desastrosa retardó aquel fruto, y solo pudo lograrse la Independencia. Lanzados los españoles del territorio de Colombia, se creyó conveniente la unión, formando todos los pueblos una masa, una sola República. Así se decretó; y Venezuela, aunque inconforme, permaneció dócil, hasta que, estimulada por su propia conservación, y fiel a sus votos, declaró por un acto explícito y solemne, roto aquel pacto. Dio Caracas el ejemplo el memorable 25 de Noviembre del año vencido [1829], y fue seguido de una manera prodigiosa. Antes de dos meses, ya todos los pueblos que componían la antigua capitanía general de Venezuela, estaban pronunciados por la separación […].

[…] Una dolorosa experiencia nos ha hecho desconfiar de este hombre [Bolívar]. Para libertarnos de su formidable autoridad, hemos tomado la aptitud en que nos encontramos, y no debemos omitir precauciones para consumar con quietud una empresa tan gloriosa46.

Assim, a memória dos pais da independência cumpria múltiplas funções. Primeiramente, reiterava que a origem da pátria não residia nas obras de Bolívar, mas sim na ação deliberativa do pueblo ou dos pueblos venezuelanos reunidos enquanto comunidade racional. Em segundo lugar, essa lembrança demarcava a viabilidade de empreender novamente o processo de construção legislativa do país, uma vez que a situação atual partilhava das mesmas condições políticas do passado. Por último, funcionava como um modelo de virtudes a ser observado na escolha dos homens encarregados de revitalizar a nação. Dessa forma, a retórica da regeneração ecoava quase como um grito de guerra nos discursos separatistas: representava a lembrança de um passado em comum; um apelo à união no combate contra inimigo coletivo; e uma convocatória à competência para reconstruir a sociedade desejada.

4.2 A influência do sistema político grã-colombiano: da insuficiência do liberalismo ao argumento da retroversão da soberania

O paradigma jurídico grã-colombiano, que perdurou até a última ditadura de Bolívar (1828-1830), entrou em crise e perdeu sua relevância devido ao colapso da Convención de Ocaña. No entanto, como precedente jurídico imediato, era esse princípio que mantinha a Venezuela em sujeição ao governo de Bogotá. À medida que o movimento separatista ganhava força em Caracas, tornou-se essencial revogar definitivamente a Constitución de Cúcuta como meio de consolidar o desconhecimento da autoridade do Presidente-Libertador. Isso exigiu trazer à tona para a opinião pública argumentos capazes de minar os fundamentos desse documento. Com esse objetivo, o El Fanal buscava desnudar os vícios de origem e falhas no processo constituinte tanto em Angostura quanto em Cúcuta, comprometendo assim sua validade:

[…] Cuando la reunión del congreso de Angostura, es bien sabido, que el General Santander y muchos otros informados de los proyectos de Bolívar escribieron al Sr. Zea, Presidente de aquel cuerpo para que de ningún modo consintiese en el plan, y que por el contrario se opusiese a él con todo su influjo. Bolívar […] concibió y puso en práctica el ardid de enviarlo a Londres en calidad de agente diplomático. Le ofreció para ello cincuenta mil pesos, y como no hubiese esta cantidad en efectivo, mandó entregársela en barras de oro. Zea las recibió, y con tan bello aliciente no tuvo embarazo en formar la pintoresca arenga que ha corrido impresa, figurando en ella las ventajas y prosperidades aéreas que debían resultar de la proyectada unidad; que tanto deseaba el dictador, y a que lo había ya comprometido. Entre nosotros hay personas fidedignas que presenciaron estos hechos. La Municipalidad de Caracas, tan luego como recibió la constitución de Cúcuta protestó contra un pacto en que las provincias de Venezuela no habían tenido la menor injerencia, por falta de representación en el congreso47.

À primeira vista, pode soar dúbio que os editores do El Fanal mencionem a Constitución de Cúcuta na conclusão de seu argumento. Entretanto, o código legal apresentado à municipalidade de Caracas em 1821 era fruto da retificação e da sanção do texto de Angostura pelo congresso constitucional reunido no mesmo ano em Rosário de Cúcuta. Essa assembleia caracterizou-se pela predominância de deputados neogranadinos devido à ausência de representantes das regiões dos futuros departamentos de Venezuela, Apure e Zulia48, ainda sob o controle espanhol.

A argumentação do periódico tratava de evidenciar que a promulgação da legislação grã-colombiana não contou com o envolvimento da opinião pública caraquenha. Dessa forma, a província apenas aderiu posterior e passivamente a um conjunto de normas sobre o qual não exerceu influência direta. A interpretação implícita, nesse raciocínio, conduzia à conclusão de que, como a vontade geral dos habitantes de Caracas não foi considerada na elaboração da Constituição, não houve delegação da soberania popular que autorizasse o governo a impor-se sobre a Venezuela, ou a exigir obediência às leis.

Sob essa ótica, o El Fanal foi parte ativa na montagem de um discurso prevalente na opinião pública, cuja tarefa explícita era descredibilizar por completo a institucionalidade grã-colombiana ao sugerir que a lei fundamental estaria contaminada, desde o nascedouro, pela interferência e corrupção de Bolívar. Para o periódico, as assembleias de Angostura, Cúcuta e Ocaña seriam etapas de aclimatação para a instalação de uma monarquia. Em síntese, a manutenção desse arcabouço jurídico foi vista como uma maneira de prolongar a subordinação da Venezuela ao mando arbitrário de Bolívar; em contrapartida, sua rejeição significava abandonar em definitivo as ruínas da Grã-Colômbia e os perigos da restauração de um regime despótico. Esse argumento era expresso num artigo de opinião sobre as eleições para o Congreso de Valencia:

Venezuela a nuestros ojos se encuentra en el día con los despojos de la legislación española y de la legislación colombiana: una y otra incompatibles con la prosperidad de este suelo, porque las leyes de una vieja monarquía y de una república reciente, cuyo jefe se encaminaba al trono, no han podido ni podrían jamás hacer la dicha de sus habitantes49.

A sedimentação dessa leitura entre as lideranças venezuelanas permitiu que tratassem as supostas ameaças de invasões de tropas leais a Bolívar, enviadas de Bogotá, como uma tentativa de submeter o país a uma segunda metrópole. Munido desse mote, o General Santiago Mariño insuflava suas tropas em marcha para defender as fronteiras:

SOLDADOS, vuestra misión es honrosa: vais à cubrir las fronteras sagradas de la Patria. - Un grito eminentemente nacional ha resonado en todos los pueblos de toda la antigua Venezuela. - Separación y libertad del resto de la República de Colombia. Esta es la causa que vais à defender.

SOLDADOS: el Gobierno de Bogotá pretende invadirnos, porque hemos dicho que no queremos ser esclavos. ¿Permitiremos que sus soldados profanen nuestro territorio impunemente, que vulneren nuestros derechos, y que nos aten al carro de su tiranía? No: ¡desgraciados los que pasen el Táchira! La vindicta nacional les perseguirá hasta arrojarlos al mar pacífico50.

O brado marcial de Mariño enquadrava-se no giro conceitual que, em meio à fragmentação grã-colombiana, promoveu a autopercepção de venezuelanos, neogranadinos e equatorianos como comunidades políticas distintas entre si. Véronique Hébrard abordou esse fenômeno sob a perspectiva da “[...] afirmación de la especificidad venezolana”. Segundo a autora, além de reivindicar a legitimidade histórica da Primeira República, o movimento separatista venezuelano passou a invocar a defesa das fronteiras contra as tropas grã-colombianas como um imperativo patriótico. Nesse campo discursivo, é possível observar um gradual deslizamento da percepção venezuelana não somente sobre o Exército grã-colombiano, mas também sobre qualquer enviado do governo de Bogotá: de inimigos políticos internos que apoiavam uma ditadura despótica para agentes de uma potência estrangeira em agressão à soberania nacional51.

É importante salientar que esse processo não levou a um repúdio institucional as leis grã-colombianas como princípios jurídicos. O interesse dos separatistas venezuelanos, ao criticarem a Constituição vigente, era atacar e deslegitimar a administração política de Bogotá. Tanto é que, para evitar a insegurança normativa, o Congreso de Valencia definiu uma hierarquia da observância de leis que teriam validade na ausência da definição pela Constituição de 1830, elencadas na seguinte ordem: a Constitución de Cúcuta (1821), os decretos de Bolívar durante as campanhas das independências (1813-1821), as leis da Primeira República (1811-1812) e o ordenamento jurídico da colonização espanhola. Excluíam-se apenas o reconhecimento às leis espanholas promulgadas entre 1808 e 1814 e os decretos a última ditadura de Bolívar (1828-1829)52, ou seja, a despeito do discurso político, os deputados venezuelanos ratificavam explicitamente a validade de alguns aspectos das experiências legais precedentes.

4.3 O papel do constitucionalismo bolivariano: ameaça bonapartista e antítese do projeto civilista

No contexto da assembleia de Valencia em 1830, uma terceira jurisprudência, diretamente associada ao Libertador, era interpretada como uma ameaça autoritária a ser enfrentada pelo processo de refundação do Estado venezuelano. Para uma análise mais aprofundada sobre as apreensões presentes na sociedade venezuelana em relação a esse debate, é necessário reconsiderar os valores socialmente atribuídos às bases do pensamento constitucionalista de Bolívar.

Imbuído dos códigos legais napoleônicos, o plano preliminar de Bolívar para a Constitución Política de Bolívia de 1826 esboçava um Estado centralizado num executivo com competências ampliadas. Como resultado, a Carta Magna estabelecia um “governo enérgico”, liderado por um Presidente vitalício sem responsabilidade direta pelos atos administrativos e com o direito de escolher seu Vice-Presidente e sucessor. Além disso, instituía um quarto poder, o Eleitoral, encarregado de moralizar e moderar as ações políticas da sociedade civil. A Constituição também dava primazia ao soldado-cidadão como modelo ideal de cidadania. Essas premissas ecoaram de formas distintas na Constitución para la República Peruana de 1826, bem como nos projetos dos partidários de Bolívar na Convención de Ocaña (1828) e no Congreso Admirable (1830).

Com efeito, a existência de aspectos bonapartistas na atuação constitucional de Bolívar é objeto de debate e análise entre observadores políticos da época e historiadores contemporâneos. Manuel Fraga Iribarne observa que Bolívar inspirou-se na arquitetura do Estado napoleônico, especialmente na Constituição do ano VIII e nas reformas que instituíam o consulado vitalício, à procura de fórmulas institucionais para restabelecer a ordem após a Revolução. Contudo, o Libertador buscou afastar-se dos erros de Napoleão e de seus imitadores no Haiti e no México53.

Objetivamente, Bolívar negava a influência bonapartista e valia-se de uma aproximação com o modelo de ditadura romana para adequar suas propostas de Estado de exceção temporário ao universo das novas instituições liberais que nasciam com a República. Como ressalta Raul Fradkin, eventualmente, o Libertador defendeu ditaduras transitórias chanceladas pela soberania popular, aproximando seu pensamento de um cesarismo liberal comprometido com a preservação da concórdia social e com o papel de ponte entre o Antigo Regime e a revolução. Contudo, essa perspectiva não implicava o estabelecimento de um potentado à moda francesa54. O próprio Bolívar esforçava-se publicamente para afastar tanto comparações com Napoleão, quanto acusações de pretensões imperiais. Durante seu pronunciamento de 25 de maio de 1826, ao apresentar seu anteprojeto constitucional ao Congresso boliviano, o Libertador mencionava a estabilidade política do Haiti, enfatizando os benefícios do presidencialismo vitalício no processo de transição de poder entre os presidentes Alexander Petión e Jean-Pierre Boyer, em 1816. Ao escolher esse exemplo específico, Bolívar ofuscava quaisquer associações com as Constituições francesas e com Bonaparte. Ressaltando sua determinação em se distanciar dessas comparações, ao dirigir-se aos delegados constituintes presentes, destacou:

[…] si algunos ambiciosos se empeñan en levantar imperios, Dessalines, Cristóbal, Iturbide, les dicen lo que deben esperar. No hay poder más difícil de mantener que el de un príncipe nuevo. Bonaparte, vencedor de todos los ejércitos, no logró triunfar de esta regla, más fuerte que los imperios. Y si el gran Napoleón no consiguió mantenerse contra la liga de los republicanos y de los aristócratas, ¿quién alcanzará, en América, fundar monarquías, en un suelo incendiado con las brillantes llamas de la libertad, y que devora las tablas que se le ponen para elevar esos cadalsos regios? No, legisladores: no temáis a los pretendientes a coronas […]55.

Contudo, o discurso público não implicava um rechaço completo. Na realidade, Bolívar mantinha uma relação ambígua com o modelo bonapartista: ao mesmo tempo em que proclamava publicamente não trilhar o mesmo caminho, ciente dos erros de Napoleão, ainda via nele um modelo de general e de homem de Estado. Segundo Perú de Lacroix, que servira sob o comando tanto do imperador francês, quanto do Libertador, Bolívar nutria uma profunda reverência por Bonaparte. No entanto, demonstrava cautela em relação às implicações políticas de expressar minimamente essa admiração. Por exemplo, em 1828, Bolívar o teria confidenciado que cogitou adotar para si os elegantes uniformes do Estado-maior de Napoleão, “[…] si no hubiese temido que dijesen que lo hacía por imitar a Napoleón, y a lo cual hubiesen agregado después que mi intención era de imitarlo en todo”56.

Mesmo sendo rejeitada por Bolívar, a presença da inspiração bonapartista foi denunciada por observadores políticos da época, como atestado por Tomás Lander. Em suas análises críticas à adoção do presidencialismo vitalício, Lander alertava para a possibilidade de essa medida abrir caminho para uma concentração excessiva de poder, reavivando práticas absolutistas. Dessa forma, traçava paralelos entre a administração enérgica sob um mandatário vitalício e o modelo de governança implementado por Napoleão Bonaparte:

De los ejemplos de Napoleón, Cristóbal e Iturbide, que se presentan para comprobar lo contrario, sólo el primero podría persuadir algo, porque un tirano astuto usurpó la libertad de una nación ilustrada y poderosa; pero hay que advertir que Napoleón no edificó su trono sino sobre el diploma de cónsul vitalicio; y que no fue destruido por los esfuerzos de los pueblos a quienes despotizaba, sino por la liga de los soberanos extranjeros, que no podían sufrir un nuevo asociado al presuntuoso derecho de su legitimidad. Antes por el contrario, Francia lo idolatraba y formaba sus ejércitos para llevar el nuevo imperio hasta los confines de Europa. Los otros dos, tiranuelos ridículos […]. Su caída no comprueba la de un tirano sagaz, que ejerciendo largo tiempo legalmente la primera autoridad del Estado, se prepare la senda del poder absoluto y eche lentamente con sabiduría […] los cimientos sólidos de un trono, de que sería muy costoso derribarlo; o ya sea de la disminución de la libertad, del menoscabo de la igualdad, de la pérdida del imperio de las leyes sobre su autoridad, aunque no fuese con el título execrado de rey, emperador, etc.57.

A analogia de Lander ilustrava o mal-estar que irrompia na comunidade política venezuelana, dada a semelhança de sua realidade contemporânea com o exemplo histórico mencionado. Norteados pela experiência liberal-civilista da Primeira República, os intelectuais venezuelanos mostravam-se profundamente refratários à imposição arbitrária de reformas legais e à concentração de poderes nas mãos de líderes militares.

A opinião de Francisco Javier Yanes (hijo) ressaltava esse problema no constitucionalismo de Bolívar, enfatizando seus aspectos autoritários e militaristas. Nas Epistolas Catilinarias (1835), Yanes buscou mapear as origens da Revolución de las Reformas (1835), um alçamento militar que visava remodelar a Constituición de Valencia (1830), reivindicando o projeto político bolivariano. Ao examinar as conturbações políticas entre 1812 e 1830, argumentava sobre o papel do Libertador:

[…] general Bolívar desde los primeros años de su gloriosa carrera manifestó a sus conciudadanos sus opiniones sobre la forma de gobierno […] él no creyó nunca que pudiesen marchar bien con una Constitución tan liberal como la que hemos tenido hasta el presente. […] Usted recordará la Constitución que propuso al Congreso de Guayana [en Angostura (1819)] para cuya formación le sirvió de modelo la de la Gran Bretaña: en ella establecía, entre otras cosas, un Senado vitalicio y hereditario. Hizo cuantos esfuerzos pudo para que aquella Asamblea la adoptase, pero todos fueron frustrados por la opinión opuesta de sus conciudadanos. Bolívar, sin embargo, no desistió de sus proyectos; y en Bolivia logró establecer el gobierno de su conciencia, con un Presidente vitalicio, etc., etc. A su vuelta a Colombia le propuso esta Constitución declarando que en ella estaba consignada la profesión de su fe política. Esta exposición alarmó a todos los pueblos, y todos empezaron a temer a un hombre de tantas glorias, que se encontraba a la cabeza de un ejército formidable. Bolívar comenzó entonces a perder su inmenso prestigio, porque trabajaba en favor de unas instituciones que la nación no quería darse […]58.

A convicção de Yanes sobre as ambições de Bolívar era tributária de uma opinião pública construída ao longo de anos e bastante difundida no debate constitucional de Valencia, do qual o autor era herdeiro sanguíneo e intelectual59. Esse entendimento esteve presente, por exemplo, no Decreto de 11 de septiembre [de 1830] sobre la expulsión de desafectos, que atribuía a Bolívar a responsabilidade por desestabilizar a ordem pública e fomentar movimentos hostis à organização da constituinte liberal. Como consequência, o documento determinava a prisão ou expulsão de qualquer indivíduo que “contraria los principios y causa de la libertad que ha proclamado Venezuela”60, demarcando um rechaço a qualquer possível influência de Bolívar sobre a nova configuração política venezuelana.

Argumentos semelhantes já haviam sido enunciados por Antonio Páez em sua Alocución dirigida a los pueblos de Venezuela, de 1 de agosto de 1830. Durante o discurso perante o legislativo em Valencia, Páez delineou uma agenda política na qual confluíam a necessidade de debelar as resistências bolivarianas, o interesse em desmobilizar o exército e a instituição da primazia do poder civil para garantir a estabilidade da República:

Conciudadanos: en 23 de junio os ofrecí que la tranquilidad sería restaurada en Río Chico, Orituco y Chaguarama [alzamientos bolivarianos]; porque el Congreso, el Pueblo y el Gobierno son una sola potencia para sostener la libertad y el orden.

[…] Militares: Oíd a un compañero, partícipe de vuestros peligros y fortuna, de vuestros derechos y deberes.

[…]El triunfo de los principios y su establecimiento en nuestro sistema de gobierno, aseguran la quietud interior; porque lo que todos quieren, a todos tranquiliza. Las rentas de este pueblo exangüe no bastan para sostener el inmenso ejército que pesa sobre él. Esa igualdad que nosotros hemos puesto en el trono de la ley exige una existencia real. Nuestros grandes intereses piden calma para su arreglo. Es, pues, indispensable […] que prestemos una obediencia ciega a los decretos de la patria representada en Congreso.

[…] En esta marcha de omnipotencia civil, que me atrevería a llamar nueva y ejemplar en América, pueden cometerse errores; pero en ella misma es que debemos buscar el remedio. Ningún cuerpo, ningún hombre hizo jamás la felicidad pública en un mes, en un año. […] Qué diría el mundo al ver continuar esa cadena de revoluciones, que hemos sustituido a la de la esclavitud? […]

Venezolanos! no más actas: no más pronunciamientos: no más que obediencia al soberano Congreso61.

Em que pese seu histórico como militar do exército libertador, Páez, invariavelmente, atuou como fiador da ordem institucional estabelecida em 183062. Seu compromisso com o oficialismo inclusive lhe valeria o reconhecimento público como Ciudadano Esclarecido y defensor de la constitución, título com o qual seria agraciado ao derrotar a Revolución de las Reformas e restaurar a obediência constitucional em 183563. Portanto, em sua figura estabelecia-se uma rara combinação do prestígio adquirido na trajetória militar com a defesa eloquente do poder civil. Emprestando sua influência à assembleia constituinte, a alocução de Páez incentivava seus companheiros de armas a acatarem às diretrizes civis e a abandonarem tanto as arbitrariedades do acaudillamiento, quanto os abusos do poder extralegal exercido por Bolívar. Não à toa, Páez fora visto como candidato natural à primeira eleição presidencial, já que “[...] toda la Antigua Venezuela [lo] ha invocado como el Salvador de la República”; “[...] un centro común de unidad! […] un punto fijo e inmoble, capaz a lo menos de impedir que en el desconcierto interior de la máquina, se desquicie y salga de su centro”64.

A análise das posições políticas do contexto em relação ao repertório do Libertador-legislador sublinha a complexa interação entre ideais liberais, preocupações com o autoritarismo militarista e lições históricas. A trajetória constitucionalista de Bolívar, como tema central dessa discussão, revela uma tensão entre sua inclinação a estruturas de poder centralizado - influenciadas pelo exemplo histórico da Roma tardo-republicana, pelos códigos legais napoleônicos e por releituras republicanas da monarquia constitucional e liberal de Benjamin Constant - e as aspirações venezuelanas de uma República deliberativa e civilista. Nesse cenário, as críticas de Francisco Javier Yanes (hijo) e Tomás Lander foram expressões de uma opinião pública empenhada em apontar os riscos de um governo ilimitado e autoritário, refletindo o problema da natureza do poder e a necessidade de equilíbrio institucional.

Luis Castro Leiva observa que o cenário de dissolução da Grã-Colômbia colocava as elites ilustradas venezuelanas diante de um impasse institucional65. O ideário bolivariano demandava um líder de qualidades excepcionais, para gerir de forma impessoal um Executivo de poderes ampliados. Contudo, segundo o credo liberal venezuelano, o presidencialismo forte individualizava o exercício da deliberação política, usurpava a vontade geral e enfraquecia moralidade, entendida como cumprimento da legalidade derivada do pacto social66. Bolívar, consciente dos obstáculos histórico-circunstanciais ao seu constitucionalismo, manifestava seu desencanto ilustrado67 com o fracasso de transformar ideais republicanos em práticas políticas viáveis. Com efeito, sua saída dramática da cena pública permitiu que os letrados venezuelanos formulassem sua própria agenda de modernização do país.

Reconciliar os ideais liberais com a ação governamental e a preservação da ordem pública permaneceu como um desafio inconcluso para a política das décadas seguintes. Ironicamente, as elites venezuelanas confiaram a outro general a promoção do regime civil e a modernização institucional da República. Apesar dos diligentes esforços de Antonio Paéz, não tardaria para que esse arranjo revelasse suas limitações. Logo, a supressão dos foros eclesiásticos e militares, pautas liberais da Constituição de 1830, serviriam de pretexto para que os grupos deixados de fora do novo pacto social atuassem para restituir a velha ordem.

5. Ponderações finais

As discussões apresentadas permitem apontar algumas reflexões preliminares sobre a construção da legitimidade política venezuelana após a dissolução da Grã-Colômbia, em 1830. Esse contexto foi caracterizado por debates em torno da formulação de uma nova Constituição exclusivamente venezuelana, como resultado da instabilidade provocada pela mise-en-scène do projeto bolivariano. A obsessão de Bolívar, por redesenhar a ordem jurídica visando formar um presidencialismo forte, expôs as vulnerabilidades inerentes às normas, isto é, sua natureza política e discricionária. Sem demora, a crise aberta pela intervenção constitucional do Libertador deu passo a questionamentos que minaram os fundamentos institucionais de seu poder.

Em face dessas circunstâncias, o discurso separatista venezuelano foi sustentado pela força das municipalidades, que empregaram os argumentos da reapropriação das soberanias e do repúdio ao despotismo como justificativas para romper os laços administrativos com Bogotá e refundar o seu Estado independente. É verdade que essa iniciativa reclamou expressamente o legado dos patriotas da Primeira República. Contudo, o antibolivarianismo foi a linguagem que efetivamente permitiu a intelectuais, governantes, militares e associações civis da Venezuela, afirmarem seu descontentamento com o centralismo e o personalismo - encarnados, respectivamente, em Bogotá e em Bolívar - tanto no quadro legal vigente, quanto nas propostas de reformas à Constituição.

Portanto, ao analisar o emprego do antibolivarianismo, considerando seus aspectos contextuais e comunicacionais, é possível inferir que o movimento pela regeneração da Antigua Venezuela não foi simplesmente uma radical profissão de fé nos princípios liberais, nem a expressão das ambições de uma oligarquia inescrupulosa. O separatismo de 1830 e o Congreso de Valencia carregavam uma resposta concreta à arquitetura institucional que afastava os atores venezuelanos dos espaços deliberativos e dificultava sua participação ativa na política, restrições que mobilizaram à ação revolucionária desde 1810. Isso explica a flexibilidade desses grupos para renunciar a motes liberais da Constituição de 1830 em prol da sobrevivência política da autonomia da Venezuela. Diante da ameaça de interferência militar de Bogotá, o federalismo-municipalista, a alternância do poder e o civilismo cederam lugar ao apoio a outro homem providencial, o general Antonio Páez, como presidente provisório e, em seguida, como primeiro mandatário eleito da nova República.

Contudo, resulta evidente que o processo de secessão da Grã-Colômbia não alcançou a estabilidade desejada pelas elites venezuelanas. A abolição constitucional de privilégios de corporações que contrariavam o princípio liberal de igualdade, como o foro eclesiástico e militar, gerou fissuras no recém-firmando pacto social. Nascida desse processo, a Revolución Integradora (1831), sob a bandeira da defesa do Estado confessional e da integridade da Grã-Colômbia68, fez uso da mesma retórica adotada pelo discurso separatista venezuelano - resistência à tirania, não reconhecimento da autoridade do governo diante de uma lei considerada injusta, amparo à legitimidade da vontade dos pueblos - para insurgir-se contra a Constituição. Apesar de ter sido facilmente debelado pela intervenção de Páez, o movimento evidenciou a fragilidade da nova ordem institucional e as contradições entre o antigo exército libertador e a oligarquia comercial-rural que governava o país. Desse modo, permanecia sem solução uma questão fundamental para o século XIX: como prevenir que o exemplo da contestação à ordem original servisse de estímulo e embasamento para questionamentos às novas normas que, nesse contexto, asseguram a existência institucional do Estado?

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  • 1
    Trecho adaptado do editorial “Resultados de la muerte de Bolívar”. In: El Fanal, n. 45, 12 mar. 1831, p. 169.
  • 4
    Uso Grã-Colômbia para me referir ao Estado oficialmente denominado República de Colombia, entre 1821 e 1830, evitando ambiguidades.
  • 5
    Thibaud, 2002, p. 485.
  • 6
    A Constitución de Cúcuta de 1821, como programa centralizador que buscava mitigar os poderes locais, desmembrou a jurisdição tradicionalmente reivindicada pelo cabildo de Caracas em vários departamentos. Assim, o território histórico da Capitania-Geral da Venezuela, reclamado pelos movimentos independentistas de 1811 e 1813, a partir de 1821 estava dividido nos departamentos de Orinoco, Venezuela, Apure, Zulia (Cf.: Colombia, [1824] 1840, p. 207-211). Como resultado, a Venezuela, nos documentos oficiais da Grã-Colômbia, limitava-se às províncias de Caracas e Carabobo. Ou seja, as novas fronteiras internas demarcavam a perda de autoridade das cidades principais e restringiam o capital retórico de pronunciamentos em nome do pueblo venezuelano. Como resposta à divisão administrativa e à tentativa de dissolução do imaginário político de unidade, as elites locais engajaram ações políticas e a opinião pública em torno do projeto de regeneración da Antigua Venezuela, que se tornaria central no separatismo venezuelano em 1830.
  • 7
    Colombia, [1824], 1840, p. 198-200; e Mendoza e Yanes, 1827, v 6. 100-104.
  • 8
    García-Pelayo, 2003, p. 133-140.
  • 9
    Hébrard, 2012, p. 408.
  • 10
    Pino Iturrieta, 2019, p. 118-129.
  • 11
    Ibidem, p. 133-150.
  • 12
    Guzmán, 1826, p. 64.
  • 13
    Perrone, 2018, p. 50-51
  • 14
    Essa interpretação da obra constitucional de Bolívar era bastante difundida por seus principais detratores em Caracas (cf. Lander, 1826). Entretanto, como demonstra Carolina Guerrero, o Presidente vitalício foi pensado pelo Libertador como uma releitura do conceito de Poder Neutro de Benjamin Constant, adaptada ao republicanismo presidencialista (Guerrero, 2005, p. 157-204). Bolívar sugeria que o Presidente, sujeito à rigorosas normas constitucionais, exercesse um poder passivo em tempos de paz, limitado à nomeação de magistrados e ao comando do exército (Bolívar, [1826] 1976b, p. 281), enquanto a administração pública caberia ao Vice-Presidente e aos ministros. Na prática, contudo, a Constitución de Bolivia atribuía poderes muito mais amplos ao Presidente (cf. Bolívia, [1826] 2018, p. 32-33).
  • 15
    Perrone, 2018, p. 55-56.
  • 16
    Gutiérrez Ardila, 2015, p. 157-158.
  • 17
    Nesse cenário, dois itinerários para a organização republicana se contrapunham. Por um lado, a lógica do homem providencial, personificada em Bolívar, que encarnaria as virtudes republicanas, sendo capaz de estabelecer a ordem e difundir os valores da modernidade entre o povo não ilustrado. Por outro, a preferência das elites dirigentes da Venezuela por um pacto social assentado na deliberação dos cidadãos, que embora se investisse da soberania popular, era avessa à participação dos “homens ignorantes”. Apesar das profundas diferenças estratégicas, ambos os projetos evidenciavam um ceticismo em relação à democracia ativa e direta, buscando tutelar a inserção política da população. Inicialmente, o cenário da dissolução da Grã-Colômbia parecia apontar para o esgotamento do modelo do homem providencial. Na Constitución de Valencia, de 1830, via-se um empoderamento do legislativo e um afastamento preventivo do personalismo (Plaza, 2006, p. 12). Entretanto, como veremos, a médio prazo a ascensão de Antonio Páez como fiador da ordem institucional subverterá esse caminho.
  • 18
    Pino Iturrieta, 2013, p. 17-19, 27.
  • 19
    Essa pretensão foi descrita no discurso de Domingo Briceño y Briceño ante a SEAP. Cf.: Briceño y Briceño, [1834] 1992, p. 76-77.
  • 20
    Sobre esses princípios, cf.: Hébrard, 2012, p. 468-540; Plaza, 2002, p. 65-69 e Pino Iturrieta, 2013, p. 17-30.
  • 21
    Guerrero, 2004, p. 220.
  • 22
    Idem, 2005, p. 156.
  • 23
    Idem, 2004, p. 222-223.
  • 24
    Idem, 2005, p. 58.
  • 25
    “[…] En él estriba todo nuestro orden, sin tener en esto acción. Se le ha cortado la cabeza para que nadie tema sus intenciones, y se le han ligado las manos para que a nadie dañe.” (Bolívar, [1826] 1976b, p. 280).
  • 26
    Para mais detalhes sobre os projetos monarquistas na Grã-Colômbia, cf.: Parra-Pérez, 1957.
  • 27
    Un Labrador del Golfo. “¿Que haremos?” In: El Fanal, n. 3, 08 jan. 1830, p. 12.
  • 28
    Conforme denota o prospecto da publicação: “Parece llegado ya el tiempo de presentar al público nuestras ideas sobre los fundamentos que poderosamente han influido en el pueblo de Caracas para declararse separado de hecho del gobierno de Bogotá desconociendo al mismo tiempo la autoridad del general Bolívar” (Breves indicaciones … In: El Fanal, n. 1, 24 dez. 1829, p. 1,).
  • 29
    “Los editores”. In: El Fanal, n. 14, 13 fev. 1830, p. 63.
  • 30
    Inspiro-me nas análises de Elias Palti sobre a instabilidade constitucional no México oitocentista. Cf.: Palti, 2005.
  • 31
    Bolívar, [1830] 1976a. p. 387.
  • 32
    O unanimismo reflete um debate político moderno pela sua recusa à participação de corporações na vida pública. Princípios liberais do contexto valorizavam o espaço deliberativo enquanto lugar da discussão entre indivíduos racionais. Portanto, agrupamentos de opinião, como Igreja, Exército e partidos, eram rejeitados, pois fundamentavam-se em vínculos e fidelidades internas, não na estrita racionalidade. Cf.: Palti, 2007, p. 175-176.
  • 33
    A ideia da Constituição como um código sagrado a ser preservado, pode ser encontrada na Proclama a los pueblos, de Francisco de Paula Santander, em 31 de agosto de 1823: “[...] Después de trece años de sacrificios y de tanta sangre derramada por la causa de la Patria, el mal más funesto que vosotros y yo podemos hacer a Colombia es la infracción del código que hemos jurado sostener y cumplir. […] La Constitución, junto con la Independencia, debe ser el ara santa en la cual debemos hacer nuestros sacrificios, á imitación del PADRE DE LA REPÚBLICA, EL INCOMPARABLE BOLÍVAR” (Santander, [1823] 1917, p. 49). Ironicamente, a contenda em torno da reforma da Constituição em 1828 tornou Santander o maior rival histórico de Bolívar.
  • 34
    Um paralelo interessante sobre os problemas da formulação de uma nova Constituição nos regimes políticos oitocentistas, pode ser encontrado na análise de Palti sobre a obra de José Luis Mora no México. Cf.: Palti, 2005, p. 111, 140.
  • 35
    Gutiérrez Ardila, 2015, p. 166.
  • 36
    Abreu e Lima, [1828-1830] 1922, p. 166-167.
  • 37
    Perú de Lacroix, [1828] 1924, p. 241-242.
  • 38
    Caracas, 1829, p. 14-15.
  • 39
    “Rectificación del pronunciamiento del pueblo de Puerto Cabello el 17 noviembre de 1829”. In: El Fanal, n. 3, 08 jan. 1830, p. 14.
  • 40
    “Pronunciamiento de la ciudad de Cumaná”. In: El Fanal, n. 2, 29 dez. 1829, p. 7-8.
  • 41
    A opção centro-federalista prevaleceu por ser um meio-termo entre extremos (Narvarte, 1830, folha solta), contudo, subsistiam concepções contraditórias sobre sua fundamentação. Por exemplo, os editores do El Fanal argumentavam que esse sistema prepararia os pueblos para o estabelecimento de federalismo pleno no futuro (El Fanal, n. 65, 5 ago. 1831, p. 284). Já os membros da Sociedad Republicana de Caracas entendiam que a existência de corpos independentes dentro da nação era uma ideia desestabilizadora, visto que apenas o pueblo detinha a soberania (El triunfo..., 1830, p. 16). Embora concordassem que o federalismo era inadequado à conjuntura, a distinção no emprego do termo pueblo entre plural (municipalidades) e singular (unidade dos cidadãos) demarcava duas posturas antagônicas sobre quem era considerado a entidade instituinte da comunidade política.
  • 42
    Hébrard, 2000, p. 146-149.
  • 43
    “Aniversario del 19 de Abril de 1810”. In: El Fanal, n. 34, 21 mai. 1830, p. 125.
  • 44
    “Elecciones para el próximo congreso”. In: El Fanal, n. 22, 10 mar. 1830, p. 98.
  • 45
    Ibidem.
  • 46
    Narvarte, Op.cit.
  • 47
    Los Editores. “Comunicado a los electores”. In: El Fanal, n. 27, 31 mar. 1830, p. 118.
  • 48
    Ver nota nº 4.
  • 49
    Los Editores. “Elecciones para el próximo congreso”. In: El Fanal, n. 22, 10 mar. 1830, p. 98.
  • 50
    “El general Santiago Mariño a la columna que marchó a cubrir el Chama.”. In: El Fanal, n. 23, 12 mar. 1830, p. 102.
  • 51
    Hébrard, 2012, p. 479-480.
  • 52
    Plaza, 2002, p. 76.
  • 53
    Fraga Iribarne, 1961. p. 231-232.
  • 54
    Fradkin, 2014, p. 400-401
  • 55
    Bolívar, [1826] 1976b, p. 281.
  • 56
    Perú de Lacroix, [1828] 1924, p. 82.
  • 57
    Lander, 1826, p. 14-15.
  • 58
    Yanes, [1835] 1961, p. 22-23.
  • 59
    Yanes era primogênito homônimo do presidente da Constituinte de 1830, sendo seu pai um defensor histórico do liberalismo e do civilismo na Venezuela.
  • 60
    Venezuela, [1830] 1833, p. 17-18.
  • 61
    Paéz, [1830] 2021, p.122-124.
  • 62
    Na atuação de Páez, há um “voluntarismo institucionalizador” que permitiu à sociedade venezuelana materializar parcialmente o programa constitucional de Valencia. De 1830 a 1847, a apesar de sua indispensabilidade como homem providencial, a administração pública foi guiada pelo “patriotismo ilustrado”, isto é, o esforço de respeitar e preservar a lei, os poderes e as instituição do novo Estado, com base em preceitos de amor e dedicação à pátria. Cf.: Plaza, 2002, p. 73.
  • 63
    “El 19 de abril y la presentación de la espada de oro al Ciudadano Esclarecido” In: El Promotor, n. 5, 22 mai. 1843, p. 38.
  • 64
    “Candidatos para la Presidencia y Vicepresidencia de Venezuela”. In: El Fanal, n. 86, 17 mar. 1830, p. 104-105.
  • 65
    Castro Leiva, 1985, p. 127.
  • 66
    Ibdem, p. 104
  • 67
    Ibdem, p. 101.
  • 68
    González, 2006, p. 12-13.

Fechas de Publicación

  • Publicación en esta colección
    13 Ene 2025
  • Fecha del número
    2024

Histórico

  • Recibido
    12 Jun 2024
  • Acepto
    18 Nov 2024
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