Open-access ORÇAMENTOS DA CIDADE DE SÃO PAULO NO IMPÉRIO

BUDGETS FOR THE CITY OF SÃO PAULO IN THE IMPERIAL PERIOD

Resumo

A história das finanças públicas está relativamente bem desenvolvida na historiografia brasileira, entretanto a maioria das pesquisas concentrou-se nas finanças do governo central e nas atividades dos governos estaduais, com menor ênfase nas finanças municipais. Neste ensaio, estudamos a composição e evolução dos orçamentos da cidade de São Paulo, assim como a evolução de suas principais receitas e despesas durante o Império. Utilizamos duas fontes de informações: os orçamentos e balanços anualmente aprovados pela Câmara Municipal da cidade de São Paulo e enviados para apreciação da Assembleia Legislativa da Província de São Paulo e as Leis Provinciais que os ratificaram. A análise dos orçamentos mostra no período uma reduzida capacidade da municipalidade atender grande parte das necessidades de uma cidade que crescia em população, na complexidade das atividades econômicas e nas exigências sociais, como educação, saúde, saneamento, cultura e infraestrutura. As despesas do município concentravam-se em gastos com a limitada burocracia existente e com a manutenção dos cemitérios, dos mercados, da biblioteca e serviços, como a limpeza pública. Ademais alocavam-se recursos para obras de pequena monta, como recuperação de muros, chafarizes, pontes, etc. Pelo fato de ser a capital da Província recebia a maior parte dos serviços oferecidos pelo governo provincial em educação, saúde, saneamento, cultura e, provavelmente, infraestrutura.

Palavras-chave:
Finanças Públicas Municipais; Império; Cidade de São Paulo; Orçamentos públicos

Abstract

The history of public finance is relatively well developed in Brazilian historiography, but most research has focused on the finances of the central government and the activities of state governments, with less emphasis on municipal finances. In this essay, we study the composition and evolution of the budgets of the city of São Paulo, as well as the evolution of its main revenues and expenditures during the Empire. We used two sources of information: the budgets and balance sheets approved annually by the Municipal Council of the city of São Paulo and sent for consideration by the Legislative Assembly of the Province of São Paulo, and the Provincial Laws that ratified them. An analysis of the budgets shows that the municipality did not meet a large part of the needs of a city that was growing in population, in the complexity of its economic activities and in its social demands, such as education, health, sanitation, culture and infrastructure. The municipality’s expenditure was concentrated on the limited bureaucracy that existed and on the maintenance of cemeteries, markets, the library and services such as public cleaning. In addition, resources were allocated to minor works, such as the restoration of walls, fountains, bridges, etc. Rather, as the capital of the province, most of the expenditures on education, health, sanitation, culture and, probably, most of the infrastructure projects were paid for by the provincial government.

Keywords:
Municipal Public Finances; Empire; City of São Paulo; Public budgets

A história das finanças públicas está relativamente bem desenvolvida na historiografia brasileira, entretanto a maioria das pesquisas concentrou-se nas finanças do governo central e nas atividades dos governos estaduais, com menor ênfase para as finanças municipais.5 Neste ensaio, propomos estudar a composição e evolução dos orçamentos da cidade de São Paulo, assim como a evolução de suas principais receitas e despesas durante o Império. Para isso, utilizamos duas fontes de informações: os orçamentos e balanços anualmente aprovados pela Câmara Municipal da cidade de São Paulo (CMSP) e enviados para apreciação da Assembleia Legislativa da Província de São Paulo (Alesp) e as Leis Provinciais que os ratificaram. As duas fontes documentais estão disponíveis no site da (Alesp), que oferece uma série contínua das leis aprovadas desde sua instalação em 1835 até os dias atuais. Além disso, o site conta com um rico acervo de Documentos Históricos, em sua maioria manuscritos, que abrangem uma variedade de temas, incluindo os orçamentos e balanços aprovados pela Câmara Municipal de São Paulo e enviados para apreciação do legislativo provincial.6

Infelizmente não conseguimos localizar todos os orçamentos municipais, provavelmente aprovados pela Alesp. Além disso, a série de orçamentos e balanços aprovados pela CMSP não é completa, mas permitiu suprir parte dos orçamentos anuais não encontrados na forma de lei no site da Alesp. Em alguns casos, tendo orçamentos e balanços relativos ao mesmo ano, foi possível avaliar a consistência dos orçamentos aprovados e analisar o desempenho da execução orçamentária.

Organização institucional

A elaboração da estrutura fiscal do Império teve por base as leis fiscais de 1832 e 1833. A Lei do Orçamento imperial de 24 de agosto de 1832 separou e definiu rendas, organizou os procedimentos contábeis e decretou a separação das receitas fiscais dos governos imperial e provinciais. Estabeleceu, ainda, o modo como o governo geral auxiliaria os governos provinciais a custear suas despesas. A legislação que estabeleceu a estrutura fiscal das províncias foi concluída com a lei de 31 de outubro de 1835, que distinguiu com clareza as esferas de influência do governo geral e dos governos provinciais sobre a tributação e os gastos. Essas diversas leis apoiaram o processo de descentralização durante a Regência e criaram relativa autonomia para os orçamentos e finanças das províncias.7

A estrutura administrativa das finanças públicas foi definida pela lei de 1831, que criou o Tribunal do Tesouro Nacional. Essa instituição se encarregava da supervisão e direção das receitas e despesas nacionais.8 Por sua vez, a Tesouraria Geral do Tribunal do Tesouro era seu agente operacional. A lei também instituiu os Tesouros Provinciais, subordinados ao Tribunal do Tesouro Nacional, que arrecadavam tributos e eram responsáveis pelas despesas no nível provincial.9 Também criou uma estrutura operacional, com os funcionários necessários para gerir as finanças da província. As receitas públicas que até então eram recebidas pelo Tesouro Nacional passaram a ser divididas em receitas gerais (recebidas pelo governo central) e receitas provinciais. Estas últimas consistiam em todos os tributos em vigor que não estivessem incluídos nas receitas gerais. Inicialmente, a lei estipulou que as receitas e despesas provinciais seriam determinadas pelos Conselhos Gerais, a partir de propostas de orçamentos apresentadas pelos presidentes de província. Esses orçamentos seriam, então, aprovados pela Assembleia Geral imperial. Quando as receitas provinciais não fossem suficientes para cobrir as despesas, os conselhos gerais poderiam indicar novos tributos, contanto que não acarretassem “sem maior gravame dos povos”. Porém, uma vez instituídas as assembleias provinciais pela Lei Adicional de 1834, os governos provinciais ficaram dispensados de submeter seus orçamentos à aprovação da corte imperial.

O orçamento imperial de 1833-1834 especificou as despesas pertinentes ao governo central e as pertinentes às províncias. Eram da alçada do governo local as despesas provinciais mais diversas, como os gastos com a legislatura e polícia e a manutenção das instituições públicas locais como escolas, hospitais, prisões, asilos, bibliotecas e parques. A educação e a saúde pública, assim como a iluminação urbana, também eram consideradas responsabilidade do governo provincial. Além disso, deveria responsabilizar-se pelas obras públicas como estradas, pontes e outros serviços de infraestrutura.10

Uma lei provincial de 1838 criou formalmente a Contadoria Provincial, cujos poderes e incumbências incluíam arrecadar, contabilizar, monitorar, depositar e distribuir as receitas provinciais.11 No entanto, demorou a consolidar-se um sistema provincial autônomo. Apesar da decisão imperial de separar as arrecadações de impostos imperiais e provinciais, só em 1848 isso ocorreu formalmente, e mesmo então existiu certa sobreposição das administrações fiscais imperial e provincial até meados do século.12

No caso dos municípios, a Constituição de 1824 estabeleceu que em todas as Cidades e Vilas se criariam Câmaras, compostas por Vereadores eleitos, e que a elas competiria o “Governo econômico e municipal”. O exercício de suas funções, formação das suas posturas policiais, aplicação de suas rendas e “todas as suas particulares e úteis atribuições” seriam decretadas por uma lei regulamentar.13 A regulamentação veio por meio da Lei de 1828, que no seu artigo 24 estipulava serem as Câmaras corporações meramente administrativas e que não exerceriam jurisdição alguma contenciosa.14 Assim, apesar de os esforços para dar autonomia municipal nos dispositivos constitucionais, a lei de 1828 estabeleceu para as Municipalidades a mais estrita subordinação administrativa e política aos presidentes das Províncias.15 Nas palavras de Faoro, dotados de atribuições amplas e com minúcia discriminadas - governo econômico e policial, melhoramentos urbanos, instrução e assistência -, não possuíam rendas, senão as mínimas indispensáveis à manutenção de seus serviços, sujeitas as câmaras ao desconfiado e miúdo controle dos conselhos-gerais das províncias, dos presidentes provinciais e do governo geral.16 Ou seja, durante o Império, as Câmaras Municipais estavam diretamente subordinadas às Assembleias Provinciais. O orçamento aprovado anualmente pelas Câmaras das cidades e vilas deveria ser apreciado pelas Assembleias, assim como as decisões relacionadas às posturas municipais, às desapropriações e às obras, algumas realizadas com recursos provenientes das províncias.17 Aspectos importantes que afetavam a vida local, como educação, segurança, casas de socorros mútuos e associações políticas e religiosas estavam sob a competência provincial. Como a capacidade de atuação efetiva das administrações municipais era limitada pela reduzida base fiscal, determinada pela legislação imperial, os gastos concentravam-se na remuneração de alguns poucos funcionários públicos, custos administrativos, despesas com a cadeia, presos, cemitérios, mercados, matadouros, aferição de pesos e medidas, erradicação de formigueiros, entre outros da mesma natureza. As obras aprovadas incluíam essencialmente a construção e reparação de muros, aterros, pontes e chafarizes. Somente na segunda metade do século XIX, foram realizadas obras municipais de maior envergadura, como calçamento de ruas com paralelepípedos e a construção e reparação de estradas municipais. Obras que geralmente contavam com recursos provenientes do governo provincial ou financiamento específico para sua execução.

A gestão executiva municipal ficava a cargo do Prefeito, criado por Lei Provincial em 1835. Sua nomeação ou demissão era realizada pelo governo provincial, precedida de informações da Câmara sobre a idoneidade das pessoas de maior consideração no município e que poderiam desempenhar tal atividade. O mandato era de quatro anos, com a possibilidade de recondução após um intervalo de quatro anos do final do primeiro mandato. Ao Prefeito, que comandava a guarda policial, cabia garantir a tranquilidade, a segurança e a comodidade dos habitantes. O prefeito deveria propor ao governo tantos subprefeitos quantas fossem as freguesias e capelas curadas do município.18 Para a administração, a Câmara deveria nomear seu Secretário, responsável pelo expediente, bem como um Procurador, incumbido de arrecadar e aplicar as rendas e multas, e defender os direitos da Câmara perante a justiça ordinária.19 Também deveria ser nomeado um Porteiro responsável por penhoras e pela divulgação das suas deliberações,20 além de um ou dois Fiscais.21

Em 1835 a Assembleia Provincial estabeleceu o formato das propostas orçamentárias que as Câmaras Municipais deveriam utilizar, bem como o modelo do Balanço da execução das Receitas e Despesas orçamentárias. O modelo exigido detalhava cada um dos componentes das receitas e das despesas, bem como a respectiva base legal.22 A estrutura de despesa e receita apresentada permaneceu relativamente estável até os anos finais da década de 1850, com a gradual inserção de novas fontes de renda e itens de despesas. A partir de 1836, os orçamentos municipais passaram a ser formalmente aprovados pela Assembleia Legislativa da Província de São Paulo com base no modelo estabelecido. Nossa análise baseou-se nas Leis formalmente aprovadas pela Assembleia e, na ausência destas, nos orçamentos aprovados apenas pela Câmara Municipal e enviados para aprovação da Assembleia (Anexo 1).23

Caracterização das receitas fiscais

A análise dos orçamentos aprovados pela Assembleia demonstra uma desproporção extraordinária entre a rendas da província de São Paulo e as receitas municipais, em razão da reduzida base fiscal permitida aos municípios durante o Império, embora essa diferença gradualmente se reduzisse.24 Assim, entre 1836 e 1840, em média, a soma das receitas orçadas pela totalidade dos municípios da Província representava apenas 14% dos respectivos orçamentos da Província de São Paulo. Nas décadas de 1840 e 1850, esse percentual aumentou para 18%, alcançando cerca de 30% nos anos disponíveis da década de 1860 e no ano de 1880. Considerada apenas a cidade de São Paulo, a proporção com a receita provincial variava de 1% a 3% e aumentou para 6% no ano de 1880. Por outro lado, a capital representava entre 10% e 20% da receita orçada da totalidade dos municípios. Não há disponibilidade das Leis orçamentárias dos Municípios aprovadas pela Assembleia Provincial para os anos da década de 1880, mas dispomos das Leis orçamentárias da Província e de alguns orçamentos aprovados pela Câmara da cidade de São Paulo e que teriam sido enviados para a aprovação da Assembleia. Pela análise desses dados, observa-se na década de 1880 um relativo aumento na proporção entre o orçamento da capital e da Província, alcançando 9% em 188725 (Tabela 1).

Tabela 1:
Proporção entre orçamentos da Província municípios do Estado de São Paulo 1836/1880 - Valores em mil réis. Fonte: Municípios: Alesp, vários anos; Província: Luna e Klein (2019), cap. 2 3e Anexos. Nota: (1) Como os municípios apresentavam o exercício fiscal diferente da Província, consideramos o ano da aprovação da Lei e não do exercício fiscal. (2) Corrigimos os valores de 1844 da cidade de São Paulo e do total dos municípios

É importante enfatizar a pequena dimensão populacional da cidade de São Paulo em 1890, com 65.934 habitantes, cerca de 5% da população total do Estado de São Paulo, e muito abaixo de outras capitais brasileiras, como o Rio de Janeiro (522.651), Salvador (174.412) e Recife (111.556).26 Aliás, várias cidades de Minas Gerais, como Sabará, Serro, Minas Novas e Juiz de Fora eram maiores do que a capital paulista em termos populacionais. No Estado de São Paulo, exceto a capital, as cidades mais populosas eram Campinas (21.605), Rio Claro (24.584) e Limeira (21.605). Santos possuía apenas 13.012 habitantes, embora representasse um porto de forte crescimento pelo escoamento da produção de café. Ao final do Império, a Província de São Paulo já havia adquirido expressão nacional, contudo, pela expansão da agricultura cafeeira, principal produto de exportação do Brasil, o tamanho da cidade de São Paulo era ainda tímido. Ademais, a cidade representava o caminho natural das ferrovias com acesso ao porto de Santos, o que lhe dava uma significativa importância na própria parcela financeira e comercial na economia do café.27

Um trabalho recente sobre as finanças municipais revelou a disparidade entre a receita orçada apresentada nos orçamentos e a receita realizada de alguns municípios da Província de São Paulo.28 A maior distorção nesses municípios ocorria no item “Cobrança da Dívida Ativa”. Em alguns casos, a previsão de cobrança da dívida ativa inserida no orçamento anual excedia o valor de todos os demais itens da receita orçada. Provavelmente muitos municípios incluíam no orçamento a totalidade da dívida ativa existente, e não uma estimativa razoável da expectativa de recebimento. No caso da cidade de São Paulo, esse item foi muito significativo em alguns anos, como 1841, 1842 e 1844, representando cerca de 40% da receita. A partir de 1844, a receita da dívida ativa praticamente desapareceu dos orçamentos da cidade e somente ressurgiu em alguns anos da década de 1860, mas com valores pouco expressivos. Assim, exceto pelos anos mencionados, a estimativa de recebimento da dívida ativa não teria importância nas eventuais distorções entre os valores orçamentários previstos e realizados da cidade de São Paulo.

Para avaliar a evolução da receita orçada da cidade de São Paulo ao longo do período de 1836 a 1888, construímos duas séries, uma ajustada pelo câmbio e outra por um índice de preços.29 Nas duas séries observa-se uma relativa estabilidade no período de 1836 até os anos 1860. A partir de então, há uma aceleração em ambas, principalmente naquela ajustada para libras esterlinas. A razão dessa disparidade explica-se pela diferença na variação dos dois indicadores: a relação mil-réis/libras variou apenas 23% entre a média dos anos 1860 e a média dos anos 1880, enquanto a variação de preços pela série utilizada variou 52% (Gráfico 1).

Composição das receitas no orçamento da cidade de São Paulo

Quanto à análise da composição dos orçamentos da cidade de São Paulo, como a partir dos anos 1860 ocorreram expressivas alterações, preferimos dividir a análise em duas partes. A primeira considera as receitas e despesas orçadas nas décadas de 1830, 1840 e 1850; a segunda trata do período seguinte, que se inicia na década de 1860 e se interrompe no fim do Império, em 1888.

Antes de analisar a série orçamentária das décadas de 1830 a 1850, composta por valores mais agregados, vamos apreciar a Lei Provincial no. 18 de 1841, correspondente ao orçamento de 1º de outubro de 1841 a 30 de setembro de 1842, que segue o modelo proposto pela Assembleia e anteriormente apresentado. A receita total somava 11.435 mil-réis e envolvia três conjuntos de receitas. O primeiro representava receitas tributárias, rendas patrimoniais e multas e somava praticamente a metade do total das receitas previstas. Destacam-se a renda proveniente do abate de reses (8%), do consumo de aguardente (12%), do imposto sobre casas de negócios (14%), dos aluguéis (7%), das aferições e das taxas sobre veículos que transitavam na cidade. Os aluguéis eram itens recorrentes ao longo dos anos, representando rendas auferidas pelas chamadas “casinhas”, espaços construídos pela Câmara para estimular o comércio de gêneros alimentícios na cidade.30 A cidade também obtinha aluguéis de casas pertencentes à Câmara, existentes na Ladeira do Carmo, e cobrou por alguns anos o aluguel de um cercado para porcos. O segundo conjunto era constituído pelo saldo dos exercícios anteriores (8%) e pela estimativa de cobrança de dívida ativa, no valor de 4.650 mil-réis, que representava o extraordinário percentual de 41%. No entanto, conforme demonstrado pelo Balanço daquele ano, não houve receita proveniente da cobrança da dívida ativa. Assim, a receita total que havia sido orçada em 11.435 mil-réis, foi de apenas 5.194 mil-réis, resultado explicado pela frustração da arrecadação da cobrança da dívida ativa.

Quanto às despesas daquele ano, as gratificações e ordenados representavam 17%; os gastos com a cadeia, extinção de formigueiros e custos com equipamentos de aferição representavam 8%, e as despesas com o júri e custos das causas da Câmara, outros 7%. Os pequenos consertos em chafarizes, canais, açudes, pontes, etc., foram orçados em 4%. Adicionalmente 5% seriam gastos com a dívida passiva e 49% com obras públicas. No entanto, ao analisarmos o Balanço daquele ano, vemos que a frustração na receita com a dívida passiva afetou diretamente os gastos com obras públicas, que alcançou apenas 9% do previsto.

Há uma série bastante ampla dos orçamentos aprovados pela Assembleia Provincial correspondentes ao período 1836 a 1858 (Anexo 1). No entanto, os orçamentos aprovados dos anos 1836-1837 a 1840-1841, embora façam a discriminação das várias despesas, apresentam a receita pelo seu valor total, sem qualquer tipo de detalhamento. Assim, para a análise agregada de receita e despesa desse período consideraremos a série completa de despesas, mas no caso das receitas utilizaremos os orçamentos aprovados apenas pela Câmara correspondente aos anos de 1836-1838 a 1840-1841 e nos demais anos as leis aprovadas pela Assembleia.

A série mostra uma relativa estabilidade das principais fontes de receita ao longo do período, e repetem a estrutura apresentada no orçamento de 1841, com a introdução do “Novo imposto de 6$400”, a partir de 1849. Naquele ano, a Lei n.2 determinava que pertenceriam às Câmaras Municipais os impostos 1$600 réis sobre as rezes, 320 réis de subsídio literário, bem como o incidente sobre aguardentes nacionais ou estrangeiras. Além disso, a Câmara da Capital também teria direito sobre o “Novo Imposto de 6$400 réis”, incidente sobre armazéns, tabernas e botequins. As Câmaras poderiam arrecadar tais impostos por meios próprios ou por coletores provinciais, podendo arbitrar gratificação não superior a 12% do valor efetivamente arrecadado.31 No próprio orçamento da Capital estimava-se uma arrecadação de 9.759 mil-réis para os “Impostos concedidos à Câmara da Capital pela Lei n. 2 de 5 de março de 1849”. No entanto, como identificado pelo Balanço, naquele ano não ocorreu a receita orçada relativa aos novos impostos.

Nos anos 1841-1842, 1842-1843 e 1844-1845 foram orçados valores elevados de Cobrança de Dívida Ativa. Esse item, que não existia nos anos anteriores, foi também eliminado nos anos seguintes, possivelmente pela reduzida renda auferida efetivamente com a sua arrecadação. Se na série 1837-1838 a 1858 excluirmos a Cobrança da Dívida Ativa, bem como renda prevista pela Lei 2 de 1849 e o Saldo do Balanço anterior, mais de 70% da receita orçada era proveniente da arrecadação sobre o abate de reses, aguardente, imposto sobre casas de negócios, aluguel das casinhas e casas da Câmara, aferições, multas e do “Novo Imposto de 6$400” (Tabela 2, Anexo 2 e Gráfico 2).

Tabela 2:
Média da participação relativa dos itens da receita orçada (1836 a 1858). Fonte: Alesp e CMSP, vários anos. Nota: Os dados estão apresentados no Anexo Tabela 1

No período seguinte, de 1862-1863 a 1886-1887, ocorreram transformações significativas tanto na estrutura das receitas como no seu montante, que cresceu significativamente. Nesse período, a participação da produção de café do estado de São Paulo se expandia, representando cerca da terça parte da produção brasileira. Ademais, com a implantação da rede ferroviária coletora de café no interior paulista e o crescimento da produção no planalto paulista, exportações do estado deslocaram-se para o porto de Santos, cujo caminho natural passava pela cidade, ampliando seu papel nos negócios do café (Bacha e Greinhill, 1992 e Delfim Netto, 1981).

Antes de uma análise mais aprofundada da evolução ao longo desse período, vamos apreciar com maior detalhe o orçamento do exercício 1880-1881, último ano com a lei aprovada pela Assembleia Provincial disponível no site da Alesp. No ano de 1840-1841, anteriormente exposto, a receita total orçada somava 11.435 mil-réis, composta apenas por 13 itens de receita. No orçamento aprovado para o período 1880-1881 a receita alcançava 211.485 mil-réis. Mas o mais marcante é a nova base de arrecadação da cidade de São Paulo. Em vez dos treze itens que compunham o orçamento de 1840-1841, o orçamento correspondente a 1880-1881 apresentava 145 itens da chamada receita comum e 7 da renda especial.

A chamada receita comum era extremamente pulverizada, e incidia sobre dezenas de atividades econômicas. No comércio podemos exemplificar: “ter casa na cidade onde se venda vinho ou qualquer bebida alcoólica”, ou “armazém de secos e molhados na capital”, ou “ter casa ou loja em que se vendam, por atacado, fazendas, louças, vidros, ou qualquer outro objeto, inclusive gêneros estrangeiros e do país”. Na manufatura podemos citar: “ter fábrica de telhas, tijolos e louça”; “ter fábrica de tecidos, seda, linho ou algodão”; “ter casa em que se fabriquem carros, seges ou carroças”. Na área dos serviços encontramos dezenas de itens, entre os quais “ter casa de banhos”; “exercer a profissão de medicina, inclusive cirurgiões, calistas e parteiras devidamente autorizados”; “ter casa ou circo de exercícios equestres, ginásticos, acrobáticos, jogos de esgrima, bola ou tiro ao alvo”; “ter carroça de pipa de água para venda na rua ou vaca leiteira que andar na rua”. Até mesmo esmolar para o Espírito Santo deveria pagar seu imposto. Por fim, a posse de veículos, em seus múltiplos usos, pagava tributos. A maioria dos tributos sobre casas de comércio, manufaturas ou serviços tinham taxas diferenciadas pelas chamadas classes, como por exemplo: “cada espetáculo equestre, ginástico, acrobático, corridas de touros ou qualquer divertimento análogo, sendo por paga 1ª. Classe, contando o pessoal artístico de mais de três pessoas, 120$000 e 2ª. classe tendo apenas três pessoas, 50$000”.

Naquele ano, o orçamento continha uma fonte extraordinária de receita constituída pela “Dívida Ativa a receber pela Câmara, proveniente dos prédios demolidos à Rua do Palácio para construção do Tesouro Provincial” (40.000$000, cerca de 20% da receita total orçada).32 Como dito, havia também a chamada Renda Especial, composta por sete itens, que representava pouco mais de 20% da receita total orçada. A Renda Especial era constituída essencialmente pelos impostos transferidos à esfera municipal, conforme a citada Lei 2 de 5 de março de 1849. Essa receita era composta pelo Imposto sobre aguardente, o Novo Imposto de 6$400, o Imposto sobre carnes verdes e subsídio literário, o Imposto do cargueiro de aguardente que entrar no município, Imposto sobre cada queijo que entrar no município, Imposto sobre cada litro de feijão, arroz, farinha de qualquer qualidade que seja: milhos, batatas, polvilho, fubá, etc., que entrar na praça do mercado e, por fim, o Aluguel dos quartos da praça do mercado (Gráfico 3).

Composição das despesas no orçamento da cidade de São Paulo

Vejamos a dinâmica da composição das receitas da cidade de São Paulo entre 1862 e 1888. Antes da análise propriamente dita, cabe apresentar algumas informações sobre a coleta. Como dito, parte dos dados foram provenientes das Leis orçamentárias aprovadas anualmente pela Assembleia Provincial, que englobava todos os municípios da Província. Alternativamente, na indisponibilidade da publicação da Lei e disponibilidade do orçamento aprovado apenas pela Câmara, utilizamos este último documento.33 Cabe salientar que em alguns manuscritos houve dificuldade na sua leitura integral, pois encontravam-se deteriorados. Ademais, pela multiplicidade de fonte de receita, que ultrapassava a centena, criamos um item específico denominado “Outras receitas (valores de pequeno valor ou difícil leitura)”. Também criamos itens que englobavam rendas específicas dos segmentos de comércio, serviços e ofícios e manufaturas.

A partir de tais observações, analisamos a composição das receitas ao longo do período 1862-1863 a 1886-1887. Evidencia-se a concentração da arrecadação, pois metade foi proveniente do conjunto de itens derivados do comércio de bebidas, principalmente aguardente, rendas provenientes do abate de reses, dos gêneros que entravam na praça do mercado, do comércio em geral, particularmente secos e molhados e vendas de fazendas e armarinhos e, por fim, dos tributos incidentes sobre a posse, aluguel e entrada de veículos na cidade. Parte significativa dessas rendas enquadravam-se nas chamadas Renda Especiais. Em alguns anos surgiram itens expressivos, não repetidos ou significativos nos demais anos. Como foi o caso da Dívida Ativa, que representava um terço da receita orçada em 1862-1863 e 5% no orçamento 1883-1884, mas era desprezível nos demais anos. Nos orçamentos 1880-81, 1881-1882 e 1882-1883, repete-se o item, representativo da “Dívida por prédios demolidos à Rua do Rosário”, sempre no valor de 40.000$000, que representava mais de 15% em cada um daqueles anos. Infelizmente não encontramos os Balanços correspondentes àqueles anos, para verificar o efetivo recebimento dessa previsão de receita constante nos orçamentos. A repetição desse item, caso não houvesse o efetivo recebimento, superestimava a receita.34

Chama a atenção a renda proveniente de três atividades desenvolvidas pelo governo municipal: o Cemitério, o Mercado e o Matadouro. Em conjunto representaram 5% da renda obtida no período como um todo. Aliás, no orçamento aprovado pela Câmara relativo ao ano 1873-1874, foi previsto um ingresso de 50.000$000 (38% do valor orçado no ano) correspondente a um empréstimo para construir o novo matadouro público, conforme previsto na Lei de 10-4-1871. Outro empréstimo importante foi orçado em 1874-1875, no valor de 63.000$000 (38% da receita orçada do exercício) com a finalidade de colocar paralelepípedos nas ruas da cidade. Neste caso, o Balanço correspondente ao exercício 1874-1875 comprova o ingresso dos recursos como receita orçamentária (Tabela 3, Anexo 3 e Gráfico 4)

Tabela 3:
Média da participação relativa dos itens da despesa orçada (1862 a 1887). Fonte: Alesp e CMSP, vários anos. Nota (1): Nos anos em que as Leis aprovadas pela Assembleia não apresentavam a composição da receita, usamos os orçamentos aprovados apenas pela Câmara: Anos: 1869/70; 1870/71; 1871/72; 1872/73; 1873/74; 1877/78; 1881/82; 1882/83; 1883/84; 1885/86; 1886/87. Nota (2): Em 1887/1888 a receita era apresentada pelo total, sem a composição, por essa razão excluída a série de receita, mas mantida na despesa. Nota: Os dados estão apresentados no Anexo 3

A forma de apresentação do orçamento de 1862-1863, com a informação do valor por estabelecimento e o valor total orçado, permite uma avaliação, ainda que grosseira, do número de estabelecimentos, atividades ou a posse de veículos. Assim, pode-se estimar a existência de 160 casas que vendiam aguardente na cidade e outras 16 fora da cidade. Havia também 250 armazéns e casas de secos e molhados dentro da cidade e 22 fora da cidade; encontramos 38 casas onde se vendiam quitandas, 20 escritórios de advocacia, consultoria de medicina ou cirurgia; 4 hotéis ou hospedarias na cidade e 2 fora da cidade no caminho de Santos. A cidade contava com 10 fábricas de chapéus ou móveis, 5 fábricas de curtume e 10 fábricas de tijolos ou de telhas. Previa-se a taxação de 30 seges, tílburis ou veículo de mola de uso particular. E dezenas de outras atividades, estabelecimentos e eventos foram considerados como fonte de receita no ano fiscal de 1862-1863 (Anexo 4).

A análise da composição das despesas orçamentárias aprovadas para a cidade de São Paulo no longo período de 1836 a 1858 revela uma forte estabilidade e, ao mesmo tempo, simplicidade. A modéstia das despesas aprovadas pode ser indicada pela participação de alguns itens nas despesas orçadas, como Gratificação ao Secretário e Amanuense (7%), Gratificação ao fiscal (5%), Luzes da Cadeia (5%), Ordenado ao Cirurgião (3%), Ordenado ao Carcereiro (1%) ou a Extinção de formigueiros (2%). A elevada representatividade de remuneração a alguns funcionários da municipalidade indica a limitação de recursos dos orçamentos aprovados pela Alesp para as vilas e cidades, inclusive a capital. Recursos orçamentários escassos pela reduzida base fiscal dos municípios. Isoladamente o item de maior representatividade nos orçamentos aprovados era representado pelas “Obras Públicas”, que perfaziam 41% do total das despesas orçadas no período 1836-1837 a 1858. O único item destacado no orçamento com importância significativa foram as despesas orçadas para a Ponte de Açú, 7.000 mil-réis, no ano de 1850. A maioria dos valores era apresentada apenas na rubrica Obras Públicas, sem maior descriminação. Mas devemos chamar a atenção que os valores orçados para execução de obras públicas nem sempre se realizavam, como veremos ao comparar, nos anos disponíveis, o orçamento e o correspondente balanço das receitas e das despesas (Tabela 4; Anexo 5 Gráficos 5 e 6).

Tabela 4:
Participação da média de valor das despesas nos orçamentos nos períodos especificados, 1836 a 1858. Fonte: Alesp, vários anos. Nota: Os dados estão apresentados no Anexo 5.

O crescimento da arrecadação no período de 1862-63 a 1887-1888, particularmente a partir da década de 1870, refletiu-se na média das despesas, que se multiplicou por cinco em termos nominais na comparação dos períodos 1866-1867 a 1869-1870 e 1877-1878 a 1880-1881 (Tabela 5 e Anexo 5). De modo geral, repetem-se os itens tradicionais de despesas, como as gratificações ao fiscal, ao secretário, ao porteiro e outros já apontados anteriormente. Seu peso mostrava-se ainda expressivo quando considerado esse período como um todo, da ordem de 13%. A agregação de equipamentos públicos, como o matadouro, cemitérios, praça do mercado e mercado de verduras, representavam 8% das despesas do período. Tornam-se expressivas as despesas com atividades relacionadas à urbanização, como a colocação de placas, calçamento com paralelepípedos e reparos nas ruas (4%). A limpeza nas ruas, inexistente na série anterior (1836-1858), torna-se também um item significativo (5%). As Obras Públicas orçadas, embora nem sempre realizadas, representavam o item mais expressivo de despesa (26%), às quais podemos somar o Matadouro Novo (12%). Mas devemos chamar a atenção para esse último item orçamentário. Nos orçamentos da década de 1880, a previsão de recursos para o Matadouro Novo era repetida, provavelmente sem efetiva execução da obra.35 No Balanço de 1886-1887 ocorreu uma despesa de 37.310 mil-réis correspondente à essa obra. Não sabemos se nos demais anos da década houve algum dispêndio com Matadouro Novo ou se a previsão orçamentária foi repetida várias vezes sem realização. Nesse caso, superestimando esse item da despesa orçada. Outro item orçamentário que se repete é a obra prevista do Mercado de Verduras, com valores expressivos em quatro anos da década de 1880.36 Nesse período em análise tornam-se elevados os valores orçados para pagamento de dívidas, que a partir de 1870-1871 representam entre 15 e 30% das despesas totais. Entre as despesas com a dívida, há alguns itens muito representativos, como a amortização do Empréstimo do Barão de Itapetininga, que onera os orçamentos de 1880-1881 e de 1883-1884. Como esse caso se concentra na década de 1880, somente conseguimos apreciar a efetivação da despesa no balanço de 1886-1887, único balanço disponível na década. Nesse ano a amortização do empréstimo somou 61.573 mil-réis, o que representou 12% das despesas do ano.37 (Gráfico 7).

Tabela 5:
Média de valor dos orçamentos nos períodos especificados, em mil réis, e participação relativa dos itens da despesa (1862 a 1888). Nota: Nos anos em que as Leis aprovadas pela Alesp não continham a composição da receita, utilizamos orçamentos aprovados apenas pela Câmara Anos: 1869/70; 1870/71; 1871/72; 1872/73; 1873/74; 1877/78; 1881/82; 1882/83; 1883/84; 1885/86; 1886/87 e 1887/88.

O orçamento de 1880-1881, aprovado pela lei no. 162, já mencionado, permite aprofundar a questão das despesas orçadas com Gratificações e Porcentagens. Do total orçado, em despesas que podemos caracterizar como custeio, 57% era constituído por gratificações, como as pagas ao secretário da Câmara, ao contador, ao médico de partido, ao porteiro, etc. As porcentagens, que incidiam sobre itens da receita, foram orçadas para os fiscais, para o procurador, para o cobrador e para o administrador do mercado. Alguns funcionários, como os fiscais, recebiam tanto as gratificações como as percentagens. Representavam mais da metade das despesas orçadas de custeio e 22% das despesas totais orçadas (Tabela 6).

Tabela 6:
Despesas com Gratificação e Porcentagens (Comissões). Fonte: Orçamento da cidade de São Paulo, ano de 1/7/1880 a 30/6/1881. Lei 162 de 2/6/1880.

Valores orçados e valores realizados e equilíbrio orçamentário

Uma questão relevante, que tem merecido especial atenção de estudiosos das finanças públicas municipais do Império, diz respeito à aderência entre os valores orçados e efetivamente realizados durante o processo de execução orçamentária. Lopes e Hanley trataram do tema em vários dos seus trabalhos para vários municípios paulistas.38 Nesse estudo, a disponibilidade de orçamentos e de balanços das receitas e despesas efetivas permitiu essa comparação em vários anos do período em análise. Um aspecto importante apontado pelas autoras diz respeito aos valores orçados pelos municípios pertinentes às receitas obtidas com a dívida ativa, usualmente superestimada. Como já foi dito, no caso do orçamento da cidade de São Paulo, apenas nos exercícios de 1841-1842, 1842-1843 e 1844-1845 foram inseridas previsões excepcionais e irrealistas para a cobrança da dívida ativa, que representavam entre 35% a 40% da receita total orçada em cada ano. Entretanto, os respectivos balanços mostraram a inexistência de receita proveniente da dívida ativa. Provavelmente pela frustração na arrecadação, esse item praticamente desapareceu dos orçamentos da cidade até o final do Império.

Em alguns anos, como dispomos tanto o orçamento como o balanço, podemos avaliar a consistência entre valores orçados e realizados. No caso da receita, os valores apresentavam distorções elevadas em alguns anos, mas sem um erro sistemático de superestimação. Dos treze anos com a possibilidade de comparação, em cinco a variação foi inferior a 10%. Para os demais, com maior distorção, o valor arrecadado com impostos e taxas era superior ao respectivo orçamento. No caso da dívida ativa, como apontado anteriormente, nos três anos entre 1841-1842 e 1844-1845, em que houve um expressivo valor orçado, não consta qualquer receita proveniente da dívida ativa. No exercício 1883-1884 foi orçado um valor significativo de cobrança de dívida ativa, mas a arrecadação ocorreu. As grandes variações entre orçado e arrecadado ocorreram por itens como aportes não orçados do governo provincial, “suprimento do ano seguinte” e saldo do balanço anterior. Em muitos anos as receitas não orçadas eram muito elevadas, como em 1883-1884 quando ocorreu um substancial auxílio do governo provincial, ou em 1886-1887 quando no balanço foi registrado um “suplemento do ano seguinte”, que corresponderia a alguma forma de antecipação de receitas (Tabela 8).

No caso da comparação entre despesa orçada e realizada, nos itens que podem ser classificados como “despesas de custeio”, o gasto efetivo foi usualmente inferior ao valor orçado. Entretanto, a partir de meados da década de 1860, as despesas com obras e com o pagamento de dívidas passaram a suplantar o valor orçado, suportadas tanto por economias nas despesas de custeio, como por auxílio do governo provincial e pelos “suplementos do exercício seguinte” (Tabelas 7 e 8).

Tabela 7:
Balanços da cidade de São Paulo. Receita em vários anos 1836/1837 a 1886/1887. Fonte: Alesp e CMSP, vários anos.

Tabela 8:
Balanços da cidade de São Paulo. Despesa em vários anos 1836/1837 a 1886/1887. Fonte: Alesp e CMSP, vários anos.

A disponibilidade de inúmeros balanços anuais permite avaliar o desempenho orçamentário naquele período e as formas de financiar os eventuais desequilíbrios. Praticamente não ocorriam pagamentos de dívida ou aportes do governo provincial até meados da década de 1860. Os ingressos resumiam-se à arrecadação de impostos e taxas, que suportavam as despesas de custeio e as obras. Ao final de muitos dos exercícios ocorriam as “sobras do balanço”, utilizadas para despesas no ano seguinte. Podemos dizer que nesse período inicial a Câmara administrava um orçamento equilibrado, apesar das eventuais divergências em relação ao valor orçado. Ajustes eventuais se refletiam no saldo do balanço ou nos investimentos. A partir de meados da década de 1860, a gestão orçamentária da cidade torna-se mais complexa, com o crescimento das receitas provenientes de financiamentos, aportes do governo provincial e o dispêndio com o pagamento de dívidas. Como não temos a série completa, não conseguimos capturar todos os ingressos derivados de empréstimos, mas que posteriormente se materializavam em fluxos de pagamentos de dívidas passivas. Somente localizamos o empréstimo de 63.000 mil-réis no ano de 1874-1875, classificado como “Empréstimo destinado a colocação de paralelepípedos nas ruas”. Nos últimos anos disponíveis da nossa série, o pagamento de dívidas representava entre 10 e 20% das despesas orçamentárias totais (Tabela 9 e 10).

Tabela 9:
Balanço de Receita (alguns anos entre 1830 e 1886). Fontes: Alesp e CMSP

Tabela 10:
Balanço das Despesas (alguns anos entre 1830 e 1886). Fontes: Alesp e CMSP.

Embora não seja possível obter todo o fluxo de endividamento da cidade de São Paulo ao longo do período, temos uma fotografia da posição da dívida ativa e passiva em março de 1888. É interessante observar que no demonstrativo, a dívida ativa era computada apenas pelo valor dos impostos não pagos pertencentes ao ano anterior. Essa dívida ativa, classificada como cobrável, somava 12.000 mil-réis, o que representaria apenas 4% do valor da receita de impostos e taxas orçadas para o ano 1886-1887. Lembremos que esse valor de 12.000 mil-réis subestimava a efetiva dívida ativa do município, pois não considerava o estoque dos anos anteriores, que deveria ser considerada incobrável. Quanto à dívida passiva, seu montante era expressivo, somando 735.839 mil-réis. Há um conjunto classificado como “Importância de dívida pela Câmara Municipal de São Paulo à herança do finado Barão de Itapetininga”. Foram computados os valores das Letras n. 14 a 20, o que permite supor que as treze primeiras letras já teriam sido pagas. O passivo mais expressivo era o empréstimo classificado como “Importância de 5.000 letras emitidas de acordo com a Lei no. 44 de 1 de abril de 1884”, no extraordinário valor de 500.000 mil-réis. A Lei aprovada autorizava a obtenção de empréstimo com aplicação especial ao calçamento das ruas da capital, a começar pelas “ruas dentro das pontes”. O empréstimo seria feito por meio de letras no valor de cem mil-réis, ao juro anual de 7%, pagos semestralmente. O resgate das letras seria feito por sorteio à razão de 5% do valor total do empréstimo39 (Tabela 11).

Tabela 11:
Posição da dívida ativa e passiva da Câmara Municipal de São Paulo, em 5 de março de 1888. Fonte: Documento Histórico, 1887, no. 1034. Alesp.

A análise dos orçamentos aprovados para a cidade de São Paulo mostra no período de 1836 a 1888 uma reduzida capacidade da municipalidade em atender grande parte das necessidades de uma cidade que crescia em população, na complexidade das atividades econômicas e nas exigências sociais, como educação, saúde, cultura e infraestrutura.40 Como foi dito, por competência legal, era da alçada da província gastos locais, com escolas, hospitais, prisões, asilos, bibliotecas; e obras públicas como estradas, pontes e outros serviços de infraestrutura. O estudo dos orçamentos provinciais evidencia forte concentração dos gastos ordinários (excluídos os obtidos com o imposto das barreiras) na cidade de São Paulo, por sua função de capital, onde se concentravam a maioria dos funcionários públicos provinciais e se instalavam unidades de ensino e de saúde.41

Por outro lado, nos orçamentos da cidade de São Paulo não eram contemplados serviços básicos essenciais ou grandes obras de infraestrutura urbana. As despesas concentravam-se no dispêndio com a limitada burocracia existente e gastos com cemitérios, mercados, biblioteca municipal, limpeza pública, ferros e reformas da cadeia, aferição e manutenção de pesos e balanças e a extinção de formigueiros e animais daninhos. Ademais, alocavam-se recursos para obras de pequena monta, como recuperação de muros, chafarizes, pontes, etc. No final do Império surgem obras de maior vulto, basicamente gastos com calçamentos feitos com paralelepípedos, e a manutenção de algumas estradas municipais. Essa situação mudaria significativamente com a chegada da República em 1889, pois a nova Constituição, de caráter descentralizador, transferiu novos poderes e obrigações aos governos locais, permitindo lhes ampliar sua base fiscal. Durante o Império, a função de capital provavelmente beneficiou a cidade, pois os maiores investimentos públicos provinciais em escolas, escolas normais, entidades culturais, entidades médico-sanitárias, eram em grande parte realizados no município de São Paulo. Ademais a cidade era o entroncamento do sistema de transporte ferroviário, utilizado para escoar a produção de café do interior da província para o porto de Santos, que também induziu a importantes obras de infraestrutura. Ou seja, grande parte da infraestrutura urbana da cidade de São Paulo existente no final do Império, provavelmente dependeu muito de recursos privados e do dispêndio do governo provincial.

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  • 5
    O tema tem merecido especial atenção de pesquisadores, como: Anne G. Hanley e Luciana S. Galvão, que em vários trabalhos analisaram a estrutura fiscal dos municípios paulistas durante o Império, os efeitos distributivos da estrutura fiscal existente e, procuraram entender a contabilidade pública municipal durante o século XIX. Veja Hanley, 2013; Hanley, 2005; Lopes e Hanley, 2014; Hanley e Lopes, 2012; Lopes e Hanley, 2022; Lopes, 2012 e Lopes, 2011. Além desses trabalhos, podemos citar Nozoe, 1984; Nozoe, 2004; Nozoe, 1983; Tessitore, 1995; Pires, 1997; Luna e Klein, 2019, cap. 2 e 3. Para uma visão geral da fiscalidade na Colônia e a transição para o Império, veja Costa e Miranda, 2010; Costa, 2020.
  • 6
    ALESP itens Legislação e Documentação/Documentos Históricos.
  • 7
    Lei de 24 de outubro de 1832 e Lei no. 59 de 8 de outubro de 1833. Veja Gouvêa, 2008, cap. 2; Amed e Negreiros, 2000 e Costa, 2020.
  • 8
    Lei de 4 de outubro de 1831, Titulo 1º., Capítulos I, II e III.
  • 9
    Lei de 4 de outubro de 1831, Título 3º. A lei orçamentária de 1831 pela primeira vez tentou uniformizar a arrecadação e definir melhor os tributos, evitando as superposições sobre a mesma matéria, por exemplo, abolindo os impostos sobre importação e exportação interprovincial. Tessitore, 1995, Daveza, 1971 e Amed e Negreiros, 2000. Sobre o tema e a transição dos processos adotados no Antigo Regime e os orçamentos implantados principalmente a partir do século XIX, veja Costa, 2020.
  • 10
    A Leis de 24 de outubro de 1832 e a Lei no. 59 de 8 de outubro de 1833 estipulavam claramente as despesas a serem assumidas pelas províncias.
  • 11
    Lei Provincial no. 9 de 20 de fevereiro de 1838. A Lei Geral n. 242, de 29 de novembro de 1841, criou uma jurisdição privativa para os feitos da Fazenda. A deficiente infraestrutura operacional e as dificuldades em executar os feitos da fazenda era uma reclamação recorrente dos administradores. Discurso Recitado pelo Exmo. Presidente Miguel de Souza Mello e Alvim, 1842, p. 18-22. Veja também Costa, 2020.
  • 12
    Discurso com que Ilustríssimo e Exmo. Senhor Conselheiro Dr. Vicente Pires da Motta, 1850, p. 16.
  • 13
    Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, artigos 167 a 169. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm
  • 14
    Lei de 1 de outubro de 1828, “Dá nova fórma ás Camaras Municipaes, marca suas attribuições, e o processo para a sua eleição, e dos Juizes de Paz.”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38281-1-outubro-1828-566368-publicacaooriginal-89945-pl.html
  • 15
    Meirelles, 2023, p. 42-43.
  • 16
    Faoro, 1975, vol. 1, p. 305. Segundo o autor, sob o fundamento de separar os poderes, confundidos e embaraçados no período colonial, convertia-se o município em peça auxiliar do mecanismo central (p.303-304.
  • 17
    A Lei 6 de 19 de fevereiro de 1836, determinava que as Câmaras deveriam realizar balanço anual da sua receita e despesa e prestar informações sobre a dívida ativa, conforme modelo que acompanhava a lei. O não cumprimento da obrigação implicaria multa de 40 a 120 réis a ser paga pro-rata pelos bens particulares dos vereadores, que seria considerada receita do município.
  • 18
    A Lei Provincial n. 18 de 11 de abril de 1835 definia também a existência de inspetores de quarteirão, subordinados ao prefeito, a quem todos os cidadãos seriam obrigados a cooperar para a execução das ordens, ou objeto de suas atribuições.
  • 19
    Ao contrário do processo de arrecadação colonial, em grande parte feito por contratadores, na transposição da legislação pós independência procurou-se abandonar o sistema de contratadores e organizar uma estrutura de arrecadação própria nos três níveis governamentais. Veja Costa, 2020, p. 237-269.
  • 20
    “Câmaras Municipais” Arquivo Nacional, Memória da Administração Pública.
  • 21
    Lei 1828, de 1 de outubro de 1828.
  • 22
    Alesp, Documento Histórico no. 3710 de 1835.
  • 23
    No ano de 1836, quando se inicia nossa análise, a cidade de São Paulo possuía 21.933 habitantes, dos quais 16.614 livres e 5.319 escravos. A população da Província de São Paulo somava 284.012 pessoas. Bassanezi, 1998, p. 29.
  • 24
    O primeiro documento disponível é a Relação das Rendas Câmara Municipal de São Paulo correspondente aos primeiros nove meses de 1830. Ali já se encontram muitas das despesas e receitas mais representativas nessa fase inicial da estrutura orçamentária da cidade. As receitas auferidas totalizaram 4.458,294 réis aos quais se somaram 1.214,699 réis de saldo do exercício anterior. As principais despesas baseavam-se na estrutura indicada pela Lei de 1828, que estipulava que as Câmaras deveriam nomear um secretário, um procurador, um porteiro e dois fiscais. Além desses, eram pagos gratificação ao cirurgião de partido, ao perito das obras da câmara e ao carcereiro. “Relação das Rendas que formam o fundo da Receita da Camara M. desta Cidade de S. Paulo, declaração do que se arrecadou das mesmas nos 1os. 9 meses do ano de 1830”, Alesp, Documentos Históricos, 1831, n. 22234. O Balanço seguinte de receita e despesa da Cidade de São Paulo correspondia ao período de 1 de outubro de 1830 a 30 de setembro de 1831. A estrutura mantinha o padrão do balanço anterior, mas com forte aumento no total das obras públicas, que alcançaram 4.154,935, 59% da despesa total no exercício. “Contas da Receita e Despeza da Camara Municipal a Cidade de São Paulo tomada até 40. Trimestre do anno de 1835”. Alesp, Documentos Históricos, ano 1831, n. 22230.
  • 25
    Lembrando que o orçamento efetivamente aprovado pela Assembleia poderia diferir do valor aprovado pela Câmara.
  • 26
    No Estado de São Paulo, exceto a capital, as cidades mais populosas eram Campinas (21.605), Rio Claro (24.584) e Limeira (21.605). Santos possuía apenas 13.012 habitantes, embora representasse um porto de forte crescimento pelo escoamento da produção de café.
  • 27
    Sobre a história da Capitania/Província/Estado de São Paulo e seus impactos sobre a cidade de São Paulo, veja Luna e Klein, 2005; Luna e Klen, 2019 e Luna e Klein, 2022. Sobre a cidade de São Paulo, veja Szmrecsányl, 2004, Martins, 2017; Pompeu, 2012.
  • 28
    Lopes e Hanley, 2014; Hanley e Lopes, 2012.
  • 29
    Para a conversão em Libras, utilizamos a Taxa de Câmbio Implícita. Série Estatísticas Retrospectivas, IBGE, Rio de Janeiro, 1987, vol. 3, p. 522-523; no caso dos preços utilizamos o índice obtido no Ipeadata com nome de “Inflação - Custo de vida - alimentação - ponderação Affonseca Jr.1919 - RJ - índice (média 1820=100) - INATIVA - - - Outras fontes, inclusive compilação de vários autores - HIST_ICVALIRJAFF - “
  • 30
    Para eliminar a venda desses gêneros através de ambulantes, a Câmara construiu algumas casas para alugar aos comerciantes desses gêneros. As casas estavam em uso desde 1774.
  • 31
    A Lei no. 2 de 5 de março de 1849 tinha apenas dois artigos: Art. 1.º Ficam pertencendo ás camaras municipaes, desde o primeiro de julho de 1848, os impostos de mil e seiscentos réis sobre as rezes, trezentos e vinte réis de subsidio literario, e o das aguas-ardentes nacionaes e estrangeiras: e á da capital tambem o novo imposto de seis mil e quatrocentos réis sobre armazens, tavernas, e botequins. Art. 2.º As camaras municipaes poderão encarregar a arrecadação destes impostos a agentes seus, ou aos collectores provinciaes, podendo arbitrar a uns e outros uma gratificação nunca superior a doze por cento do rendimento dos mesmos impostos.
  • 32
    A Lei Provincial n. 156 de 1880, no seu art. 3º que o governo era autorizado a pagar à câmara municipal da capital o que lhe for devido a título de indenização pela desapropriação dos prédios e terrenos em que estava construído o tesouro provincial.
  • 33
    Dos 17 orçamentos nesta série de 1862-1863 a 1886-1887, 6 foram obtidos nas leis aprovadas pela Alesp; em 11 utilizamos o orçamento aprovado pela Câmara.
  • 34
    Como vimos, a lei provincial autorizativa de desapropriação (156/1880), não estipulava valor. O governo estava autorizado a pagar “valor devido a título de indenização”. Assim, não sabemos o efetivo valor total da indenização.
  • 35
    Os valores orçados para a praça do mercado aparecem em 6 dos 7 anos entre 1880-1881 e 1887-1888. Em cada ano os valores orçados se modificam, variando de 20.000$000 (1883-1884) a 80.000$000 (1881-1882).
  • 36
    Neste caso são valores entre 8.000$000 e 10.000$000
  • 37
    O balanço de 1886-1886, aponta um desfalque de 946$658 réis na praça do mercado. Documentos históricos, ano de 1887, no. 1034, Alesp.
  • 38
    Lopes e Hanley, 2014; Hanley e Lopes, 2012;
  • 39
    Lei no. 44 de 1 de abril de 1844.
  • 40
    No orçamento provincial de 1888, aprovado pela lei 95 de 11 de abril de 1887, apenas a despesa com a iluminação pública, a ser gasta na capital, representava 25% do orçamento total da cidade do ano de 1886-1887.
  • 41
    Sobre o tema veja Luna e Klein, 2018, cap. 2 e 3. Sobre a administração tributária na Província de São Paulo veja Tessitore, 1995.

Anexo 1:
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo: documentos utilizados
Anexo 2:
Média de valor das receitas nos orçamentos, em período especificados, em mil réis (1836 a 1858)
Anexo 3:
Média de valor das despesas nos orçamentos nos períodos especificados, em mil réis (1862 a 1887) (1) (2)
Anexo 4:
Estimativa de número de estabelecimentos, atividades ou bens existentes na cidade de São Paulo, realizada a partir do valor por tributo e total da arrecadação prevista no orçamento do exercício de 1862/63
Anexo 5:
Média de valor das despesas nos orçamentos nos períodos especificados, em mil réis, 1836 a 1858
Anexo 6:
Média de valor dos orçamentos nos períodos especificados, em mil réis, e participação relativa dos itens da despesa (1862 a 1888)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2024
  • Aceito
    08 Nov 2024
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