RESUMO
Este artigo relata uma investigação sobre oralidade (i.e., escuta e fala) desenvolvida com licenciandos em Letras-Inglês da Universidade Federal de Pelotas. Nossa intenção é construir uma pedagogia inovadora para práticas letradas orais fundamentadas em teorias recentes sobre a linguagem da era digital. O design e a criação das atividades de aprendizagem se apoiam nos estudos sobre letramentos, contextos de uso, diversidade e multimodalidade a partir dos preceitos da Semiótica Social. Sob a perspectiva do paradigma da pesquisa qualitativa, a análise revela que a pedagogia criada contribui para a construção de conhecimentos dos aspectos fundamentais da linguagem contemporânea pelos licenciandos. Os dados analisados evidenciam que os participantes foram capazes de transferir o que aprenderam para o processo de criar textos orais multimodais, enfocando contextos e propósitos diferenciados, com a integração das tecnologias digitais.
Tecnologias digitais; Letramentos e multimodalidade; Expressão oral
ABSTRACT
This article discusses an investigation on orality (e.g., listening and speaking) we developed with undergraduates in LetrasEnglish Course at the Federal University of Pelotas. Our aim is to build an innovative pedagogy for oral practices based on recent theories about language in the digital age. The design and creation of the learning activities are grounded on the studies about literacies, contextual diversity, and multimodality, following the principles of Social Semiotics. From the perspective of the qualitative research paradigm, the analysis reveals that the pedagogy created by us contributes to the construction of knowledge about the fundamental aspects of contemporary language by the undergraduates. The data analyzed point out that the participants were able to transfer what they have learnt to the process of creating multimodal oral texts, focusing on different contexts and purposes, with the integration of digital technologies.
Introdução
Estudos recentes sobre letramentos realçam os grandes sistemas de significação com os quais os seres humanos puderam interagir entre si pela linguagem. Denominado “civilização sinestésica” ou primeira globalização, o primeiro sistema tinha na oralidade o modo mais comum para as interações sociais por meio de línguas diferentes, cujos falantes eram usualmente poliglotas. Além disso, a comunicação era realizada por conjuntos multimodais ou paisagens semióticas orais, por meio da orquestração de diferentes modos de representação da linguagem, os sons, os gestos, as imagens, o espaço (Kalantzis et al., 2020). Na segunda globalização, a escrita assume uma posição de destaque e as línguas passam a ser grafadas por meio do alfabeto (o latino como no português, por exemplo) ou por caracteres como no Chinês e no Japonês.
A invenção da imprensa instaurou, por conseguinte, a escrita como o modo dominante nas comunicações verbais com pouca integração de outros modos semióticos. A era da sinestesia entre os modos de representação da linguagem na comunicação humana parecia ter sido abandonada. Ademais, o projeto ideológico do nacionalismo na perspectiva do Estado-Nação privilegiava a homogeneização para a uniformidade de uma sociedade que precisava seguir regras únicas em uma única língua nacional. A ênfase era na norma padrão, em que a diversidade linguística não era bem-vista e o modo verbal era o predominante. A pedagogia era a tradicional que desenvolvia a leitura e a escrita (além da aritmética), incentivava a passividade dos alunos e fazia uso de textos canônicos ou de “prestígio” e a escola não era o ambiente para o desenvolvimento da cidadania e atitudes de respeito à diversidade, nem abordava aspectos sociais, históricos, políticos e ideológicos que interferem na produção e construção dos significados (Kalantzis et al., 2020). Todos os aspectos do currículo escolar eram restritos ao uso de uma só língua governada por regras em contextos que privilegiavam a monocultura.
Na terceira globalização, com o advento das tecnologias digitais, a diversidade torna-se o elemento propulsor das mudanças na comunicação humana. Os textos tornam-se multimodais cujo significado é construído pela orquestração de vários modos semióticos e os contextos sociais de interação são múltiplos pela popularização das redes sociais, o que pode significar um certo comprometimento com a “civilização sinestésica”, embora com as diferenças marcantes trazidas pela era digital. O modo verbal da era da escrita deixa de ter proeminência na comunicação humana que passa a incluir a diversidade linguística por meio do uso de dois ou mais idiomas e o reconhecimento de variantes dialetais antes menosprezadas, priorizando o pluralismo linguístico. A educação focada no letramento para a leitura e escrita, com ênfase na norma padrão, avança para a noção de multiletramentos como preconizado pelos pesquisadores participantes do New London Group (The NLG, 1996).
Para esses estudiosos da linguagem, “a multiplicidade de canais de comunicação e a crescente diversidade cultural e linguística no mundo de hoje [exigiam] uma visão muito mais ampla de letramento do que a retratada pelas abordagens tradicionais centradas na língua” (The NLG, 1996, p. 63). Para eles, dois são os aspectos essenciais de multiplicidade presentes em uma pedagogia inovadora para a era atual, a diversidade e a multimodalidade. Com esses dois “multis”, o escopo dos letramentos abrange não só o “contexto de nossas sociedades cultural e linguisticamente diversas e cada vez mais globalizadas” (The NLG, 1996, p. 61) como também “a variedade crescente de formas de textos [de gêneros diversificados] associadas às tecnologias de informação e de multimídia” (The NLG, 1996, p. 64). Uma pedagogia alinhada aos dois “multis” supera as limitações da pedagogia tradicional (Kalantzis et al., 2020) para uma aprendizagem compatível com a multiplicidade de modos de significar em uma era de diversidade sociocultural.
No cenário da licenciatura em Letras-Inglês, percebemos que vivenciamos a terceira globalização pelo papel ativo que nossos alunos exercem por meio das tecnologias digitais, entendendo a multimodalidade e a diversidade como aspectos essenciais na comunicação humana e, por conseguinte, em sua formação para exercerem a profissão de professores no futuro. No âmbito da educação básica para o qual nossos alunos da graduação são formados, as desigualdades sociais e econômicas em nosso país continuam a impactar negativamente o processo de ensino e aprendizagem, sendo que a evasão de alunos é alta, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Este artigo discute os dois “multis” dos multiletramentos com atenção particular na abordagem multimodal relacionada à Semiótica Social (Hodge; Kress, 1988) que lhe serve de apoio teórico. Discutiremos também o papel fundamental dos diversos contextos socioculturais na construção de significados, pois, como afirma Kress (2010), o contexto motiva as escolhas de modos semióticos de quem produz significados, sendo elas sempre motivadas por seu interesse. Faremos ainda uma breve retrospectiva das categorias da Gramática do Design Visual (Kress; van Leeuwen, 2006), pois elas guiam a análise dos dados ao discutirmos a estrutura narrativa e os recursos da função interacional que foram utilizados nos vídeos criados pelos participantes. Ademais, discutiremos os saberes necessários à prática educativa autônoma com base em Freire (1996) para conscientizar os licenciandos de seu papel relevante em uma pedagogia transformadora na qual têm de assumir posições autônomas e não simplesmente seguir o conteúdo do livro didático adotado.
Percebemos que as pesquisas nacionais e internacionais atuais sobre a abordagem multimodal têm se centrado na investigação de textos escritos de diversos domínios. Os estudos sobre textos orais de gêneros variados ainda são relativamente raros, especialmente no contexto acadêmico1. Considerando essa lacuna, neste artigo, discutimos e exemplificamos intervenções pedagógicas fundamentadas na Semiótica Social, na teoria dos multiletramentos, na abordagem multimodal aplicadas ao ensino e aprendizagem da fala e da compreensão oral em língua inglesa, com alunos ingressantes do curso de Letras, no processo de formação inicial de uma universidade federal brasileira.
Fundamentação
A era digital e os dois “multis”: a diversidade e a multimodalidade
As mudanças advindas das tecnologias digitais são decididamente impactantes em vários sentidos na sociedade atual, levando-a a uma nova identidade, a “terceira globalização”, assumindo o espaço da era da escrita, dominante na construção de conhecimentos por várias décadas. Tornamo-nos virtuais em muitos aspectos de nossas vidas, especialmente a partir de 2020 com o início da pandemia pelo coronavírus. O ensino passou a ser remoto em todos os segmentos, da educação básica à universidade, e nos (re)significamos no nosso compromisso de educar com qualidade nas diversidades dos contextos brasileiros.
No processo educativo para línguas, maternas ou adicionais, temos nos dois “multis” dos multiletramentos o grande marco teórico para apoiar uma pedagogia que visa ao desenvolvimento da capacidade dos aprendizes para construir sentidos múltiplos de textos altamente multimodais, levando em conta a multiplicidade de contextos socioculturais. O contato com uma diversidade multifacetada advém das interações on-line, dos jogos virtuais, das leituras e pesquisas em navegadores diferentes que propiciam conexões entre o local e o global. Ainda no âmbito da diversidade, os aprendizes de hoje têm acesso a textos de gêneros variados, orais ou escritos, em várias línguas pelos quais constroem atitudes de respeito ao diferente. A multimodalidade acrescenta o outro “multi” igualmente importante pelas oportunidades que tem o produtor de textos de orquestrar uma combinação de vários modos semióticos para construir significado. Subjacentes ao desenvolvimento do respeito às diversidades e da familiaridade com textos multimodais estão as tecnologias digitais que permeiam a vida humana na sociedade atual. Os recursos digitais se alinham aos dois “multis” em uma pedagogia transformadora (Freire, 1996) que é inovadora, criativa, relevante e, acima de tudo, capaz de envolver “as dimensões da vida social, o mundo do trabalho e a participação cívica e pessoal” (Kalantzis et al., 2020, p. 52) no processo de formar os indivíduos para a cidadania. Uma pedagogia transformadora para línguas assume ainda o papel de formar o professor para atuar criticamente em seu contexto de atuação, entendendo que o ato de ensinar é uma ação política carregada de ideologias, não podendo, pois, ser considerado neutro.
Neste artigo, a pedagogia transformadora por nós desenvolvida se centra em práticas orais multimodais pela linguagem em estreita relação com as mudanças sociais, culturais, políticas, econômicas e ideológicas advindas das tecnologias digitais como nos alertam Kalantzis et al. (2020). Reconhecemos que a contínua integração de recursos tecnológicos ao processo de ensino e de aprendizagem demanda do professor e dos aprendizes o desenvolvimento de diferentes letramentos. Ao transcender o conhecimento meramente linguístico para incluir as diversidades de contextos e a presença ubíqua dos múltiplos modos semióticos (visual, gestual, sonoro, espacial, imagético, dentre outros), os letramentos constroem sentidos a partir das escolhas e dos interesses de quem os produz.
A Semiótica Social, a multimodalidade e a Gramática do Design Visual
O manifesto seminal do The New London Group (NLG, 1996) que marca uma nova era para a educação de línguas pelos multiletramentos foi precedido pela publicação do livro Social Semiotics, de autoria de Hodge e Kress (1988), que nos introduz à Semiótica Social, um campo do conhecimento que enfatiza o social e os aspectos histórico-culturais na comunicação humana, cujos recursos semióticos são socialmente produzidos e culturalmente disponíveis. Nesse sentido, a sociossemiótica engloba “os significados socialmente construídos por meio de uma gama enorme de modos semióticos [verbal, imagética, sonora, gestual] orquestrados em textos multimodais e práticas semióticas em todos os tipos da sociedade humana em todos os períodos da história humana”2 (Hodge; Kress, 1988, p. 261, tradução própria). Assim, propõem uma teoria que considera outros modos semióticos para a produção de significados dentro de uma perspectiva sociocultural.
Alinhada à Linguística Crítica com foco nos complexos ideológicos presentes na linguagem, a Semiótica Social tem seu interesse focado no significado produzido pela comunicação humana que é sempre multimodal, podendo acontecer por meio de interações sociais na fala e na escrita, em uma dança, em uma sinfonia, em um jogo de futebol, por exemplo. O social é a fonte, a origem e o gerador dos significados e, assim, são sempre criados, tendo em vista o interesse de quem os produz.
Na visão de Kress (2010), a multimodalidade não é uma teoria, mas uma abordagem e uma característica inerente a quaisquer textos de gêneros variados, escritos ou falados. Não existem textos unimodais, ou seja, constituídos apenas de um modo semiótico, mas sempre por vários modos e seus recursos. Uma importante contribuição para a área da Multimodalidade diz respeito ao livro Reading Images: The Grammar of Visual Design, publicado por Kress e van Leeuwen (2006) para a leitura de imagens em textos multimodais. Eles enfatizam que o processo de construção/recepção de representações visuais em textos orais ou escritos, de gêneros variados, se encontra profundamente enraizado na teoria da Semiótica Social. Esta fundamentação teórica fornece o suporte necessário à criação das categorias ou metafunções que podem ser vistas como instrumentos valiosos de análise da multimodalidade nas pesquisas sobre linguagem e, também, na criação de nossas práticas pedagógicas multimodais (Kress; van Leeuwen, 2006). Eles renomeiam as metafunções da linguagem propostas por Halliday (2004) – ideacional, interpessoal e textual – e assim as denominam: função representacional, função interacional e função composicional para a análise de paisagens multimodais que incluem diferente modos e recursos semióticos.
Pelas dimensões da função representacional, o nosso foco de análise incide sobre os diferentes modos semióticos e respectivos recursos que foram escolhidos e combinados pelos produtores de significados para representar uma “proposição visual cujos padrões narrativos servem para apresentar as ações e eventos em curso [dos participantes], processos de mudança e disposições espaciais transitórias”. Existem duas estruturas de representação: narrativa (com a presença de vetores) e conceptual (sem a presença de vetores). “Os vetores podem ser formados por corpos ou membros ou ferramentas, [por exemplo]. O ator é o participante de quem ou do qual o vetor emana” (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 59). A narrativa pode ser classificada em tipos de processos diferentes: (a) ação unidirecional transacional com vetores que conectam dois participantes, o Ator e a Meta; (b) ação bidirecional transacional, quando os dois participantes são ao mesmo tempo Ator e Meta, os inter-atores; (c) ação não-transacional, na qual o vetor parte do participante, o Ator, mas não aponta para nenhum outro; (d) reação transacional quando o vetor formado pela linha do olhar conecta dois participantes, o Reator e o Fenômeno; (e) reação não-transacional, um vetor de linha de visão emana de um participante, o Reator, mas não aponta para outro participante.
A narrativa ainda envolve dois outros processos, os verbais e os mentais. Nos verbais, o vetor formado pelo “balão de diálogo” conecta dois participantes, o Dizente e o Enunciado. Nos mentais, o vetor formado pelo “balão de pensamento” conecta dois participantes, o Pensante e o Fenômeno (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 74-75).
Na perspectiva da função interacional, uma análise de imagens “envolve dois tipos de participantes, os participantes representados (as pessoas, os lugares e as coisas representadas nas imagens) e os participantes ativos”. Produtores e espectadores são pessoas reais que produzem e constroem significados das imagens no contexto de instituições sociais que, em diferentes graus e de diferentes maneiras, regulam o que pode ser dito com imagens, como deve ser dito e como deve ser interpretado (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 114).
As seguintes categorias criam os significados interativos: (a) contato: o de demanda (o olhar do participante representado para o espectador/leitor) e o de oferta (ausência de olhar para o espectador/leitor); (b) a distância social: i. íntimo, representado em “close shots”; ii. distância social representada em “medium shots”, da cintura para cima e iii. impessoal quando a imagem é capturada em “long shots”; (c) atitude ou perspectiva: o ângulo frontal indica envolvimento e o oblíquo indica atitude de distanciamento; (d) o ângulo: o alto representa o poder do observador/leitor, o ângulo no nível dos olhos indica igualdade de poder e o baixo representa o poder do participante representado.
Um outro aspecto crucial em uma análise interacional é o da modalidade que significa o valor da verdade ou credibilidade da imagem representada. A modalidade de uma imagem pode ser representada das seguintes formas: (a) naturalística (alta modalidade como em uma fotografia); (b) sensorial (domínio dos princípios do prazer e do afeto como na publicidade); (c) tecnológica (como em gráficos e diagramas), e (d) abstrata (típica de algumas imagens artísticas). As cores são marcadores da modalidade nas imagens naturalistas em termos de três escalas: saturação da cor; diferenciação da cor e modulação da cor.
Na função de composição do design visual, a análise “relaciona os significados representacionais e interativos das imagens entre si por meio de três sistemas inter-relacionados”: (1) valor informacional, (2) saliência e (3) enquadramento (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 177). Como afirmam esses autores, os valores informacionais estão ligados a diferentes “zonas” da imagem: (a) zonas à esquerda e direita da página escrita ou digital correspondem ao que já é conhecido e ao que é novo, respectivamente (b) superior ou no topo (valor ideal da informação) e inferior ou na base da página (o valor real da informação), e (c) posição central ou na margem da composição visual. A saliência, outro recurso do design visual, refere-se ao “grau em que um elemento chama a atenção para si próprio devido ao seu tamanho, às suas cores, à sua nitidez e a outras características” (p. 210). O recurso de enquadramento em uma composição visual tem dois objetivos principais: (a) mostrar “o grau (mais ou menos evidenciado) pelo qual um elemento de informação está separado de outros por meio de linhas de enquadramento” [...], por exemplo, e (b) mostrar “o grau (máximo/mínimo) de conexão de um elemento em relação a outro(s) pela da ausência de enquadramento” por exemplo (p. 211).
A oralidade no processo de ensino e aprendizagem de inglês
O eixo da oralidade – compreensão e expressão oral – é fundamental para a aprendizagem de qualquer língua nos vários contextos socioculturais onde ocorrem as interações pela linguagem. Para a BNCC (Brasil, 2018, p. 248), esse eixo engloba “[...] práticas de compreensão e produção oral de língua inglesa, em diferentes contextos [discursivo-multimodais] presenciais ou simulados, com repertório de falas diversas, incluída a fala do professor”. Sempre multimodal e polifônica, a língua “propicia a criação de novas formas de engajamento e participação dos alunos em um mundo social cada vez mais globalizado e plural” (Brasil, 2018, p. 241). Desse modo, as atividades propostas no processo de compreensão oral contribuem para o seu desenvolvimento e aprimoramento pelos alunos, pois é por meio das interações entre os falantes e suas interpretações que a produção de significados é efetivamente construída. Embora não receba a atenção devida por parte dos pesquisadores, a fala e a escuta estão presentes em vários contextos em que assumimos diferentes papéis, no familiar, no educacional, no profissional e no cultural, por exemplo. Em relação ao ambiente de trabalho, como nos alertam Kalantzis et al. (2020, p. 57-58), precisamos formar os alunos para serem não apenas “comunicadores participantes”, mas também agentes “atentos, reflexivos, transculturais e multimodais”, “capazes de contribuir para a qualidade de vida profissional e comunitária ao seu redor”.
No contexto do ensino e aprendizagem da oralidade, notamos que, de modo geral, as práticas pedagógicas ainda utilizadas na sala de aula negligenciam as mudanças advindas pelas tecnologias digitais e seu uso educacional, além de não levarem em conta os aspectos fundamentais dos multiletramentos como discutidos por Kalantzis et al. (2020) e as premissas principais da BNCC (Brasil, 2018). Assim, os textos orais de vários gêneros, instrumentos fundamentais nas situações de aprendizagem, ainda não são vistos como multimodais, criados por uma combinação de vários modos semióticos que se entrelaçam na construção de seus significados. Por exemplo, análises recentes sobre as atividades de compreensão oral, em livros didáticos de língua inglesa publicados por editoras internacionais, desenvolvidas por Nyugen e Abbot (2016) e Marques (2018), revelam que as tarefas disponibilizadas nesses materiais têm como foco principal a testagem do conhecimento do aluno, negligenciando o desenvolvimento do seu entendimento da língua falada. Alguns anos atrás, Campoy-Cubillo e Querol-Julián (2015, p. 196) já destacavam que as atividades para o desenvolvimento da oralidade priorizam “a gramática e [o] léxico” em detrimento de “questões de inferência do significado ou [as] relacionadas à interpretação dos aspectos contextuais”, além do pouco interesse pelos aspectos interacionais e multimodais na comunicação oral. Os aprendizes não são preparados para ouvir e muito menos para falar a não ser por meio de atividades que remetem à abordagem tradicional de ensino pelo ouvir e repetir, ouvir, repetir e memorizar. Segundo Marques (2018, p. 145),
[...] as atividades de compreensão oral parecem resistir [às] mudanças com relação ao conceito de língua [... e elas se traduzem em meros exercícios de] completar lacunas, indicar verdadeiro ou falso, ligar duas colunas e marcar a alternativa correta utilizados reiteradamente em livros didáticos e nos exames de proficiência [...] [Assim,] reforçam a noção tradicional de que o significado está nas palavras e o sentido do texto encontra-se na somatória do sentido das palavras que o compõem.
Poucos são ainda os estudos acadêmicos que incluem a abordagem multimodal em suas pesquisas no eixo da oralidade. A maioria delas realizadas no contexto universitário investigou a efetividade de áudios, vídeos e gravações nas atividades de compreensão oral, visando identificar como essas ferramentas contribuíram para a interpretação e construção de significados (Gomes Jr. et al., 2019, entre outros). Poucas são também as pesquisas que focam a abordagem multimodal no desenvolvimento da oralidade em inglês. Entre elas, podemos citar a de Dias e Pimenta (2015) e a de Macknish (2019). No primeiro caso, os relatos da pesquisa esclarecem que os alunos universitários foram incentivados a produzir textos de gêneros orais diferentes cujas tessituras continham a combinação de vários modos semióticos (verbal, visual, gestual, tipografia) de modo a criar uma paisagem multimodal oral para discutir algumas das variedades linguísticas do inglês. Os alunos criaram documentários sobre essas variantes e os publicaram no YouTube. Em uma das etapas da pesquisa de Macknish (2019), os universitários, além de criarem suas apresentações orais, as apresentaram para um público-alvo real, no caso idosos que moravam em uma casa de repouso perto da universidade onde o estudo foi realizado.
Nos últimos anos, porém, percebemos que a oralidade, especialmente a compreensão oral, passa a ganhar mais espaço no processo de ensino e aprendizagem de inglês pela integração das tecnologias digitais cujas affordances permitem interações sociais pelo som, por meio de vídeos e por vídeo conferências, por exemplo. Várias são as ferramentas digitais que permitem gravações de voz e de imagem, o que pode contribuir para o desenvolvimento da oralidade pelos aprendizes de uma língua adicional. Um aspecto fundamental é o compartilhamento do que é produzido nas redes sociais e outros ambientes da web.
Metodologia
Contextualização da pesquisa
Na perspectiva dos princípios teóricos da Semiótica Social, nos estudos sobre a abordagem multimodal (Hodge; Kress, 1988; Kress, 2020; Kress; van Leeuwen, 2001), na visão de educação como prática transformadora (Freire, 1996) e, especialmente, em algumas dimensões das categorias de análise da Gramática do Design Visual, a representacional e a interacional (Kress; van Leeuwen, 2006), as duas pesquisadoras (autoras, aqui) criaram atividades de expressão oral (compreensão e produção) para serem implementadas em sala de aula para alunos universitários. O principal objetivo dessa prática pedagógica intervencionista se centrava no desenvolvimento da oralidade de alunos ingressantes no curso de Licenciatura em Letras-Português e Inglês da Universidade Federal de Pelotas.
A intervenção pedagógica foi realizada em 2020, com a duração de 12 semanas por uma das autoras deste artigo. Todas as atividades foram realizadas on-line, principalmente na modalidade assíncrona por meio da plataforma Moodle. Foram realizados encontros síncronos semanais, com duração de 90 minutos, com a finalidade de propiciar aos licenciandos oportunidades de uso da língua inglesa por meio de discussões orais acerca da temática abordada nas atividades de aprendizagem realizadas por eles, sempre tendo em vista que é “na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos” (Freire, 1996, p. 31) e que todo texto é multimodal, podendo ser todos, os orais ou escritos, vistos como paisagens semióticas (Kress; van Leeuwen, 2006, p. 35).
O interesse em desenvolver este estudo está relacionado ao nosso papel proativo de formadoras de professores de inglês, em formação inicial ou em educação continuada, levando em conta que “mudar é difícil, mas é possível” (Freire, 1996, p. 31). Em razão do número reduzido de pesquisas sobre a oralidade fundamentadas na perspectiva dos multiletramentos, pretendemos colaborar com trabalhos que enfoquem este eixo (compreensão e expressão oral), tendo em vista a abordagem multimodal com a integração de recursos digitais, agregando a visão freiriana de educação. Nossa intenção é consolidar esse campo de estudo em nossas pesquisas acadêmicas e, assim, contribuir positivamente com práticas pedagógicas inovadoras no processo de formação de professores de línguas adicionais para superar adversidades no “agir para transformar”.
Sujeitos e corpus da pesquisa
O projeto contou com a participação de sete estudantes ingressantes, sendo quatro deles do nível pré-intermediário, dois do nível básico e um do nível intermediário se levarmos em conta o Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas (British Council, s. d.). Dos sete alunos, dois já haviam utilizado a plataforma Moodle e os demais estavam acessando pela primeira vez.
Durante a realização do projeto, doze (12) atividades de compreensão e expressão oral foram disponibilizadas pela plataforma e todas elas se apoiavam em textos cujas tessituras eram altamente multimodais. Os temas eram sempre provocativos, para o desafio do desenvolvimento de atitudes proativas pelos participantes, sempre tendo em vista a agência que deve ser assumida para um agir e transformar pela docência (Freire, 1996).
Para compor o corpus da análise neste artigo, devido ao escopo desta publicação, selecionamos duas das atividades de expressão oral que foram desenvolvidas, uma de compreensão oral do vídeo poema Reinvent yourself3 e sua análise multimodal e uma segunda relativa à produção de um vídeo poema por uma das participantes com base na construção de conhecimentos durante as interações com o vídeo do poema e no que foi lido e debatido no projeto.
Análise
Em todas as atividades de aprendizagem foram utilizados vídeos como ponto de partida para a realização das tarefas assíncronas direcionadas ao desenvolvimento da oralidade dos licenciandos e para a discussão das temáticas de cada um deles no encontro síncrono. Os participantes sempre assistiam dois vídeos sobre a visão de linguagem atual para os debates interativos no início dos encontros síncronos sobre a fundamentação teórico-metodológica das atividades que seriam realizadas por eles. Sempre faziam um breve relato sobre as leituras recomendadas. Em seguida, realizavam as atividades propostas com o objetivo de desenvolverem a oralidade em inglês pela compreensão e produção de textos de vários gêneros, tendo em vista suas condições de produção, quem os produziu, para que, com qual suporte e as razões pelas quais foram criados. Os debates foram desenvolvidos com base em leituras prévias feitas por eles sobre a presença ubíqua da multimodalidade e da diversidade nas práticas sociais, culturais e discursivas pela linguagem (Kalantzis et al., 2020).
Para os encontros assíncronos, preferencialmente em duplas ou trios organizados por eles mesmos, foi solicitado que assistissem ao vídeo Multimodal literacies4 e que lessem o capítulo introdutório do livro Letramentos de Kalantzis et al., publicado em 2020. Solicitamos que fizessem uma lista das palavras-chave para as discussões nos encontros síncronos. O objetivo principal desta ação pedagógica foi o de contribuir para a formação docente dos envolvidos com o apoio de pesquisas recentes sobre a visão atual de linguagem e a presença de textos multimodais em contextos de diversidade sociocultural, tendo sempre em vista os pressupostos de Freire (1996) que foram lidos pelos alunos.
Vários textos de gêneros diferentes sobre assuntos atuais retirados de várias fontes foram analisados, tendo em vista a paisagem semiótica de cada um orquestrada pela combinação de diferentes modos de representação em sua tessitura multimodal, além de seus propósitos para um mundo em transformação sob a égide da rebeldia (Freire, 1996). Charges e histórias em quadrinhos foram analisadas, assim como poemas para a discussão dos recursos verbais, como, por exemplo, rimas, aliterações, escolhas de palavras de acordo com o interesse do poeta e seu posicionamento frente às mazelas da falta de questionamentos do status-quo, percebido por muitos como “o” correto e “o” adequado. Diagramas, tabelas e capítulos de livros do domínio acadêmico também foram analisados e a ênfase foi colocada na tipografia como um modo semiótico relevante para salientar informações que merecem ser destacadas.
Em grupos, os alunos criaram uma nuvem de palavras-chave sobre letramentos, multimodalidade e os modos semióticos e recursos que são orquestrados na produção de textos multimodais (Fig.1), usando o recurso digital gratuito mentimeter5.
Em seguida, eles foram desafiados a realizar uma atividade para o desenvolvimento da expressão oral em inglês que consistia na gravação de um poema preferido que poderia ser utilizado para expressarem suas vozes contra todo tipo de discriminação, levando sempre em conta os ensinamentos de Freire (1996). Primeiro, os participantes assistiram o vídeo multimodal do poema, Reinvent your life de Charles Bukowski, na narração de Tom O’Bedlam com trilha sonora de Tony Anderson, no qual vários outros modos semióticos foram combinados para expressar seu sentido que, em linhas gerais, enfoca o tema “ser livre” para reinventar a si próprio.
A seguir, os alunos realizaram uma análise do vídeo poema com o objetivo de compreender seu propósito social, suas características básicas de organização multimodal e suas incursões à criticidade do que é considerado “padrão aceitável” na sociedade atual. Além de se constituir como uma paisagem oral altamente multimodal, o vídeo poema contém uma mensagem de rebeldia contra “padrões sociais pré-estabelecidos”. Após a análise, que contou com a participação de todos os alunos, foi solicitado que estes escrevessem um resumo curto e que fizessem uma lista dos modos semióticos nele presentes. Abaixo, dois excertos do que foi desenvolvido por eles.
Resumo curto
It is a poem that tells us to live life, reinvent ourselves, and be independent, not allowing others to have a say on what we want to accomplish and also on our future.
Lista dos modos semióticos:
Verbal: palavras e frases, versos, entonação, ritmo, pausas.
Visual: cores, imagens em movimento, perspectivas.
Gestual: cambalhotas, close-up de rostos
Espacial: movimentos acrobáticos (caminhando, correndo, voando)
Sonoro: trilha sonora, voz grave
Tipografia: letras maiúsculas
Em seguida, em um encontro síncrono, incentivamos o desenvolvimento de um debate dialogado para a discussão da temática do poema e como ela foi materializada no vídeo para o envolvimento de quem ouvia a gravação acompanhada por uma trilha sonora adequada ao contexto. Os pressupostos freirianos sobre a educação transformadora entremearam nossas discussões. Os versos do poema eram narrados por O’Bedlam com um tom de voz que enfatizava o ritmo e os outros recursos do modo verbal, as aliterações, rimas, sons, enquanto imagens em movimento corroboravam o propósito comunicativo do poema pelo uso de cores fortes, participantes representados como prédios, paisagens e personagens humanos saltando em direção ao novo para se reinventarem, por exemplo. Quanto ao valor de verdade (Kress, 2010), as imagens representam os personagens participativos de maneira naturalística em alta modalidade, o que faz com que possamos perceber que é “real” o cenário do vídeo.
O verso stay out of the clutches of mediocrity (0:32-0:34), em linguagem figurada (um recurso do modo verbal), tem como imagens de fundo uma multidão de pessoas atravessando uma rua, com ênfase na distância social, para enfatizar, em termos da função interacional, o distanciamento de quem assiste ao vídeo e a cena mostrada, de maneira totalmente impessoal. Uma outra imagem mostra pessoas amontoadas em um plano de pouca distância social, aproximando-as de quem o assiste, indicando intimidade. De um jeito ou de outro, a intenção comunicativa do poema vídeo é retratar pessoas sem um propósito definido para suas vidas, ou seja, seres totalmente condicionados e acríticos. O apelo central ao espectador é para que se reinvente, mude constantemente de modo que ninguém possa nunca lhe associar rótulos, reverberando que a “educação é uma forma de intervenção no mundo” (Freire, 1996, p. 38).
A invocação para mudança continua no verso change your tone and shape so often that they can never categorize you (0:42), captada pela imagem de uma pessoa dando cambalhotas, tendo o pôr do sol ao fundo (0:52), ilustra o processo narrativo em uma ação transacional, ou seja, uma ação que envolve apenas um participante e um vetor e sem uma meta definida. A luz solar é usada para representar energia, força e revitalização na paisagem de fundo. Do mesmo modo, como mostram os versos reinvent your life because you must, it is your life (1:00-1:03), reinventar é uma necessidade, especialmente em tempos de mudanças bruscas, insegurança e um futuro incerto. A imagem de dois paraquedistas em queda livre ressalta que essas mudanças implicam correr riscos, mas são libertadoras, ilustrando o processo transacional, pois o olhar é o vetor que conecta os dois participantes humanos. Em linhas gerais, sob o viés da função representacional da Gramática do Design Visual, as imagens são estruturas narrativas de ação que se desencadeiam no espaço e no tempo para retratarem os versos do poema na perspectiva de sua produção em vídeo por Isaacsuh (editor), O’Bedlam (narrador) e Anderson (trilha sonora).
Transpondo para o contexto dos licenciandos em Letras, o debate síncrono se concentrou nos tempos de hoje, no que os alunos esperam para suas vidas e a ideia de concordar com o poema: reinventar, revigorar, aprender a aprender, estudar e estar preparado para as mudanças que estão por vir, especialmente o compromisso de uma vigília constante contra as injustiças sociais. Tendo em vista esse debate e os estudos sobre multimodalidade e multiletramentos, e a leitura de Freire (1996), os licenciandos foram incentivados a criar seus próprios vídeos de poemas preferidos para salientar quais regras conservadoras de conduta pessoal precisam ser quebradas e que isso envolve persistência, luta e coragem.
Uma das graduandas participantes escolheu o poema What every girl needs to hear6 da escritora canadense Rupi Kaur. Para compor o vídeo, a licencianda orquestrou a multimodalidade pelo modo visual por meio do uso de imagens de mulheres representando a diversidade do universo feminino e pelo verbal ao fazer uso de sua voz para narrar oralmente o poema. Ao fundo uma trilha sonora, um som adequado à narração, para reverberar o tom de angústia em sua voz para que o espectador reflita sobre a situação retratada sobre o tema “ser mulher” em um mundo machista, convidando-o a agir para transformar.
O modo verbal foi novamente utilizado no título Feminine e na frase do fechamento da narração, Girl Power, no sentido de evidenciar os esforços empreendidos para a mudança do papel da mulher na sociedade, de qualidades tradicionalmente associadas a elas pelo título, Feminine (submissão, dependência, permissividade, beleza) à noção de empoderamento para serem independentes em suas decisões, evidenciada, ao final, com a frase, Girl Power, que simboliza a luta de mulheres de todas as idades, raças e classes sociais pela igualdade.
Cores são recursos do modo visual e servem para ênfase na composição multimodal, assim como para enquadramentos e distinções de uma para outra seção de um livro ou um website, por exemplo. Ao final do poema narrado, a cor vermelha escolhida pela autora, para escrever a frase Girl Power em batom, evidencia a mensagem que ela quer destacar e ainda a faz reverberar pelo uso do espelho (Fig. 2). O vermelho também indica urgência no agir para transformar a sociedade atual, que tradicionalmente não aceita conviver com diversidades, de modo a banir a agressão e o descaso pelas mulheres que nela convivem. Essa cor ainda significa a paixão, a coragem e o poder que, juntas, podem fazer a diferença contra o machismo e a violência, por exemplo, tão constantes em suas vidas.
Ao longo do vídeo, a participante evidencia imagens de jovens mulheres representantes de diferentes raças, características físicas e indumentárias em um plano médio de distância social, um enquadramento que mostra um vínculo social entre quem fala e quem assiste, sem intimidade nem distanciamento (Fig. 3) (Kress; van Leeuwen, 2006). Embora haja o movimento dos rostos, para baixo, para a direita e para a esquerda, ao final, a maioria delas olha diretamente para a câmera, em olhar de demanda, segundo a Gramática do Design Visual, para convidar os espectadores a concordarem com elas na luta contra a discriminação. Na última imagem, a cena enfatiza a frase Girl Power, escrita no espelho para ser reverberada até o final do vídeo e os versos narrados em tom de angústia são: from now on i will say things like, you are resilient / or, you are extraordinary / not because i don’t think you’re pretty / but because you are so much more than that.
Conclusão
Nossa investigação revelou que as práticas pedagógicas inovadoras que propusemos neste artigo são teoricamente bem fundamentadas e desempenharam um papel positivo na jornada dos graduandos de Letras para o desenvolvimento profissional em inglês, especialmente em relação à compreensão e à expressão oral, por meio da interpretação e criação de vídeos. Como futuros professores dos níveis fundamental e médio do sistema escolar básico brasileiro, acreditamos que assumirão suas práticas pedagógicas com a força de uma atitude libertadora imbuída do conhecimento aprofundado sobre teorias recentes acerca da linguagem que construíram durante a intervenção. Percebemos o profundo empenho e envolvimento ativo dos licenciandos no processo de compreensão e expressão oral em inglês. Nossa intervenção mostrou claramente uma mudança de um foco “monomodal” para um foco multimodal nas interações orais em inglês nas quais os alunos de graduação estavam envolvidos. As paisagens semióticas orais criadas por eles revelaram a combinação de diferentes modos semióticos sobre temas socialmente significativos e relevantes para a sociedade contemporânea.
Como formadoras de professores de longa data, dedicadas ao desenvolvimento profissional de futuros professores de inglês, incentivamos e defendemos enfaticamente a integração dos princípios dos multiletramentos, da diversidade e multimodalidade, da Semiótica Social e das categorias da Gramática do Design Visual no currículo regular de Letras-Inglês, especialmente nos cursos de licenciatura destinados à formação de futuros professores. Esses fundamentos teóricos, juntamente com as abordagens para o desenvolvimento de letramentos e a análise das paisagens multimodais contemporâneas, são de suma importância para a compreensão de uma visão de linguagem fortemente influenciada pelas tecnologias digitais. Toda esta compreensão deve também ser integrada nas suas práticas pedagógicas futuras, quando prepararem os alunos do ensino fundamental e médio para uma vida diferente e em constante mudança que caracteriza a era atual. Defendemos uma pedagogia inovadora que combina o “novo” que emerge da teorização atualizada e a consciência crítica da inexistência de neutralidade no uso da língua, que é ainda enriquecida pelos pressupostos de Freire (1996) sobre uma “educação libertadora”.
Partindo do princípio de que ensinar é uma aventura criativa, a aprendizagem também o é. Incentivamos a nossa turma de alunos de licenciatura a tecer criativamente recursos semióticos para criar paisagens orais multimodais a serem representadas em vídeos. O profundo envolvimento no processo de criar seus trabalhos permitiu-lhes desenvolver não só a expressão oral na escuta e na fala, mas também o conhecimento sobre a ligação às práticas pedagógicas. Abraçar a ideia de que os futuros professores são produtores de significados (e não apenas consumidores) é um ato de rebelião pedagógica que precisa de ser assumido nas nossas práticas de ensino atuais. Freire nos inspira a lutar por um mundo melhor e a ter esperança mesmo perante as injustiças sociais, especialmente no nosso país.
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O levantamento dos artigos publicados, de 2015 a 2020, nos cinco principais periódicos brasileiros mostrou pouquíssimos estudos referentes à compreensão e à expressão oral (Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Revista ALFA, Ilha do Desterro, The Especialist e D.E.L.T.A).
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Original: “social meanings constructed through the full range of semiotic forms, through semiotic texts and semiotic practices, in all kinds of human society at all periods of human history” (Hodge; Kress 1988, p. 261).
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Acesso ao vídeo (endereço não fornecido para preservar o anonimato).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
9 Nov 2023 -
Aceito
20 Mar 2024