RESUMO
Empreende-se neste artigo, com o objetivo de descrever e interpretar o processo de produção de sentidos acerca da voz de sucesso, a análise de três textos extraídos de seus domínios virtuais, formulados e circulados pela imprensa brasileira: Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), publicado na Folha de S. Paulo; Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), veiculado em O Popular (2016); e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), divulgado na revista Galileu (2016). Os procedimentos teórico-metodológicos, de cunho qualitativo-interpretativista, aqui adotados possuem como base estruturante o arcabouço procedimental da Análise do Discurso. Em categorias mais específicas de emprego, são mobilizados os conceitos de discurso, de condições de produção, de formação discursiva e de interdiscurso. Ante a aplicação teórica aos textos selecionados, compreendeu-se que, ao destacar a voz de um determinado sujeito em um ambiente no qual os efeitos do discurso fabricam imagens eivadas de virtudes socialmente prestigiadas em função da propositura sistemática de retroalimentação de sentidos, a consecução do lastro de sucesso recompensa, com visibilidade e fama, os sujeitos submetidos ao encaixamento das propriedades definidas pelo próprio regime de sucesso midiático das vozes.
Voz; Sucesso; Mídia; Discurso do sucesso; Alan Rickman
ABSTRACT
Empreende-se neste artigo, com o objetivo de descrever e interpretar o processo de produção de sentidos acerca da voz de sucesso, a análise de três textos extraídos de seus domínios virtuais, formulados e circulados pela imprensa brasileira: Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), publicado na Folha de S. Paulo; Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), veiculado em O Popular (2016); e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), divulgado na revista Galileu (2016). Os procedimentos teórico-metodológicos, de cunho qualitativo-interpretativista, aqui adotados possuem como base estruturante o arcabouço procedimental da Análise do Discurso. Em categorias mais específicas de emprego, são mobilizados os conceitos de discurso, de condições de produção, de formação discursiva e de interdiscurso. Ante a aplicação teórica aos textos selecionados, compreendeu-se que, ao destacar a voz de um determinado sujeito em um ambiente no qual os efeitos do discurso fabricam imagens eivadas de virtudes socialmente prestigiadas em função da propositura sistemática de retroalimentação de sentidos, a consecução do lastro de sucesso recompensa, com visibilidade e fama, os sujeitos submetidos ao encaixamento das propriedades definidas pelo próprio regime de sucesso midiático das vozes.
Considerações iniciais
Dizem que os olhos são o espelho da alma, logo, a voz é sua prótese invisível. A voz expressa uma linguagem profundamente complexa, não somente por sua relação com as línguas que apropria, sobretudo porque reflete, através de seus planos ondulatórios, cumprimento e amplitude, os diferentes estados de subjetividade de seus sujeitos. Nem a fonologia, em seu estudo orgânico do aparelho fonador, nem a fonética, com sua investigação linguística das propriedades das partículas vocais, são capazes de traduzir o apelo que a voz possui sobre seus ouvintes ou mesmo são habilitadas para descrever os tipos de impactos que determinadas vozes causam. São outras áreas a dar contribuições explicativas à causa das vozes. Entretanto, “[...] quando recuamos no tempo e no espaço, observamos a oratória como um conjunto de técnicas vocais empregadas na persuasão e no convencimento do público por parte do orador” (Soares, 2019, p. 270), fazendo com que a oratória seja vista como “a arte da persuasão” (Quintiliano, 2015, p. 325) e, desse modo, seja uma das primeiras críticas ao método de emprego da voz com fins pragmáticos, ao mesmo tempo que é integrada veladamente à retórica, uma das sete artes liberais.
Outras pistas das implicações de usos “inadequados” da voz surgem em períodos mais recentes com a fonoaudiologia, já que essa, com a perspectiva de acomodar distúrbios de fala às normas linguageiras da sociedade, resulta no conjunto de esforços médicos e linguísticos para padronizar o conveniente uso da voz. Diante dessa ordem discursiva na qual falas e vozes estão submetidas à normatização e, por conseguinte, à interdição, emergem vozes adaptadas e excluídas, ou seja, as vozes representam não apenas grupos, em seu aspecto metafórico, mas também personalidades cuja projeção no interior do circuito social dá-se por características pertinentes a uma estética1 do sucesso vocal (Soares; Boucher, 2020; Soares, 2021). Por esse ângulo, vozes com algum tipo de destaque parecem ajustar-se às medidas já existentes de intensidade, altura, inflexão, entre outras características, para compor o conjunto de vozes do sucesso. Uma leitura simplificadora desse processo possivelmente levará em conta somente as semelhanças físicas entre as vozes detentoras de proeminência social. Todavia, tal raciocínio ignora que existe o funcionamento discursivo responsável pelo ordenamento e dilação da importância das vozes para o espaço no qual circulam, bem como o faz o discurso midiático (Soares, 2018a) quando diferencia seus sujeitos a partir de suas vozes.
Em um ambiente coletivo relativamente horizontalizado, é preciso haver marcadores sociais, uma vez que “ao contrário do Antigo Regime europeu, período no qual cada um sabia qual o seu lugar na pirâmide do mundo, o nosso oscila muito” (Karnal, 2017, p. 113). No interior desse circuito, portanto, o sucesso, mormente o midiático, funciona como divisa ao fazer com que seus detentores sejam reconhecidos por todos, ou pelo menos pela grande maioria, por conta de massiva exposição em programas de rádio, de televisão, e mais recentemente em plataformas digitais, como YouTube, Instagram, TikTok, entre outras. É justamente no sistema pretenso a fazer todos “iguais” que, notadamente, “neste mundo sem distintivos permanentes, somos expostos a um convívio muito próximo. Os aviões estão lotados como os ônibus. Os centros de compras, os hospitais, as praias, os espetáculos: tudo transborda” (Karnal, 2017, p. 113). Em tal contemporaneidade aparentemente nivelada, assim como nas revoluções culturais, religiosas e políticas do passado, houve a geração de produtos significativos para um período histórico − ao mesmo tempo em que foram legadas novas práticas sociais −, o fenômeno do sucesso midiático, oriundo de modificações nas classes sociais, nas estruturas jurídicas de relação entre Estado e sujeito e no hiato simbólico deixado pela dessacralização universal de Deus (Han, 2017, p. 44), passa a significar a exibição de “[...] autonomia financeira, de realização pessoal e profissional” (Soares, 2020a, p. 7). Eis o sucesso midiático funcionando como discriminativo individualizante para uma pequena elite ao passo que para a maioria serve de agremiação.
Consoante às pesquisas sobre o discurso do sucesso midiático no Brasil (Soares, 2016, 2018a, 2019, 2020a, 2020b), é possível dizer que as personalidades famosas (e toda a aura que lhes é criada) performatizam tendências de moda e ensejam mudanças de comportamento em diversos nichos no seio coletivo, de modo que essa movimentação endógena corrobora o que dizem nesse direcionamento Mark e Pearson (2003, p. 182): “Muita gente realmente constrói relacionamentos imaginários com as empresas e seus produtos, assim como fazem com estrelas do cinema e outras celebridades”. Dessa forma, vê-se o quão emoldurado está o sucesso e seus representantes no espaço de conexões entre pessoas. É, então, com base na dispersão capilarizada do discurso do sucesso midiático e seu impacto, direto e indireto, no circuito social que se pode afirmar, acerca de um dos mecanismos fundamentalmente expressivos da constituição dos sujeitos de sucesso, o seu valor emblemático. Aí encontra-se a gravidade adquirida pela voz como um ícone distintivo, porquanto “a voz dos que lograram fama é objeto de observação, todavia, a observação da voz dos profissionais que dela fazem seu trabalho é ainda maior” (Soares, 2021, p. 13).
Frente a tal conjuntura desprovida de maiores elucidações acerca do desempenho da mídia ao promover o discurso do sucesso de determinadas vozes, empreende-se neste artigo, com o objetivo de descrever e interpretar o processo de produção de sentidos acerca da voz de sucesso, a análise de três seguintes textos extraídos de seus respectivos domínios virtuais, formulados e circulados pela imprensa brasileira: Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), publicado no jornal Folha de S. Paulo, Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), veiculado no jornal O Popular, e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), divulgado na revista Galileu. Assim, em vista desta pesquisa ser qualitativa-interpretativista, os procedimentos teórico-metodológicos adotados no desenvolvimento deste estudo possuem como base estruturante o arcabouço procedimental da Análise do Discurso formulado por Pêcheux (2010) – segundo o qual sujeito e sentido constituem-se, ao mesmo tempo, no movimento histórico –, subsidiados pelo expediente extensivo da unidade de discurso, elaborado por Foucault (2012) – já que esse é “o projeto de uma descrição dos acontecimentos discursivos como horizonte para a busca das unidades que aí se formam” (Foucault, 2012, p. 32) –, permitindo a organização das notícias coletadas como pertencentes à unidade do discurso vocal, sobretudo pelo critério de escolha temática nuclearizada por dizeres a respeito da voz.
Em categorias mais específicas de emprego, nesta investigação, são mobilizados discursos, como “‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B” (Pêcheux, 2010, p. 81, aspas do autor); condições de produção, como reprodução e/ou transformação das relações de sentido existentes no interior dos textos a partir de sua historicidade (Pêcheux, 2010); formação discursiva, como o que “determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de um pronunciamento, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.), a partir de uma dada posição numa dada conjuntura” (Pêcheux, 2011, p. 73); e interdiscurso, como “O dizível (o interdiscurso) que se parte em diferentes regiões (as diferentes formações discursivas) desigualmente acessíveis aos diferentes locutores” (Orlandi, 2007, p. 20-21). Ante esse quadro conceitual alinhavado pelo recorte da unidade do discurso vocal, composto aqui pelas matérias selecionadas, cabe salientar que, quando houver a necessidade de acionamento de noções adjacentes a essas mencionadas, serão arroladas e explicitadas para depreender fenômenos discursivos pertinentes à análise. Feitas essas elucidações, passa-se ao exame das notícias, nessa exata sequência: Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016) e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016).
Em análise: Vozeirão de Alan Rickman
Nesta seção, efetua-se uma investigação do que se diz e como a voz é tratada no discurso do sucesso midiático, levando em consideração, para tanto, a aplicação interpretativa das noções de condições de produção, de formação discursiva e de interdiscurso. Abaixo encontra-se o recorte de Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), publicado, em 17 de janeiro de 2016, no jornal brasileiro Folha de S. Paulo, em seu caderno Ilustrada, de autoria de João Wady Cury. Esse objeto encontra-se disposto no website que contém o acervo virtual do jornal. Com vistas a realçar o item lexical voz e seus entornos na matéria, esse é delineado pelas aspas simples como recurso tipográfico focalizador2. Além dessas explicações, é importante destacar, como componente das condições de produção do texto em questão, que é trazido a público três dias depois do falecimento de Alan Rickman, ator sobre quem versa o escrito a seguir.
Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria
Prepare-se, lá vem sopapo. Apagam-se as luzes. A plateia mergulha na escuridão que precede as grandes revelações. O silêncio é cortado por aquelas tosses e pigarros ridículos. Daria no mesmo se as pessoas gritassem um “esse escuro me sufoca”. Mal sabiam que a coisa iria piorar.
O homem entra. O refletor espoca um facho de luz. Toma o palco todinho. Não, melhor, sua ‘voz’. Sua ‘voz’ toma o palco, rasga o ar e entra em nossos corpos. Somos todos aquela ‘voz’, não temos como nos livrar. Ainda bem. Prazer, dona ‘voz’, assim te reconhecemos e saudamos: seu nome é Alan Rickman.
Sua ‘voz’ tinha vida própria. Poderia pagar imposto, com direito a RG e CPF próprios. Mas não. Ainda bem.
Aquele palco está fincado na cidade de Londres e era uma daquelas noites geladas de um abril de 1986. O teatro do Barbican acabara de estrear a peça “Mephisto”.
E agora estamos vendidos novamente. Rickman veste a mesma personagem que foi de Klaus Maria Brandauer no cinema. Chama-se Hendrick Hoefgen e é um ator de teatro que bandeia para o lado nazista em troca de sua ambição. A coisa acaba mal para ele, mas saímos vingados: Rickman é rei e nada nos faltará.
Esqueça o Snape, de “Harry Potter”. Deixe de lado o Hans Gruber do primeiro “Duro de Matar” ou mesmo o xerife de “Robin Wood”. Ele, como ator genial, fez muitos personagens que são seu oposto. Que o diga sua atuação no doce “Simplesmente Amor”.
Foi pouco. Protagonizou vários filmes românticos e estraçalhou corações. Posts com declarações de amor incontido podem dar algumas voltas ao redor do Sol. Mas era bom-moço, apesar do olhar de tédio incontido. Vivia com seu amor de adolescência, Rima Horton, desde 1965.
[...]
Mas, note, é possível ouvir daqui: o ‘vozeirão’ de Rickman ainda ecoa no Barbican (Cury, 2016, itálico e aspas duplas do autor; aspas simples minhas).
Nota-se que o tom dado ao texto acima é, fora um tanto quanto poético, bastante lisonjeiro para com a figura de Alan Rickman, já que retrata brevemente os pontos mais marcantes, segundo a ótica do autor, da carreira de alguém que se destacou nos palcos e nas telas por interpretações notáveis, sobretudo pela atuação de sua voz. Constata-se que a formulação enunciativa recai no efeito das condições de produção externas eivadas do falecimento do ator, de modo que nessa conjuntura seja difícil encontrar dizeres que não soassem encômios. Dessa forma, em todos os momentos cuja voz emerge como aglutinadora de sentidos, ela recebe determinações alinhadas à suposta “genialidade teatral” com a qual Alan Rickman desempenhava seus papéis. De acordo com Piovezani e Soares (2018), esses dizeres “contribuem para a perpetuação de estigmas, mas mais fundamentalmente os constitui, seja tratando dos vícios das vozes dos falantes de certos grupos, seja mencionando as virtudes das produções vocais de determinados falantes de algumas outras comunidades” (Piovezani; Soares, 2018, p. 63). Nessa toada em que os dizeres acerca de certas vozes cingem paradigmas, as condições de produção internas ao processo enunciativo da matéria evocam pré-construídos que no interior do texto trabalham, de acordo com Robin (1977, p. 118-119, aspas da autora), como “[...] a construção que permite que o que funciona como pré-construído ‘passe’ sem discussão como uma base sobre a qual repousa o consenso”, uma vez que “O pré-construído parece ser da ordem de cada FD [formação discursiva] ou daquelas com as quais cada uma está em posição de franca aliança” (Possenti, 2009, p. 156).
O próprio título da matéria, Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), traz em seu interior a resposta ao pré-construído linguisticamente a analisável “quem é” o detentor do “vozeirão” e, ao mesmo tempo, replica discursivamente tal pré-construído “quem é” Alan Rickman, do ponto de vista social, cuja resposta implica receber uma espécie de homenagem em um periódico de grande circulação no Brasil. Dá-se via relação do interdiscurso com o intradiscurso, ou seja, pela constituição dos sentidos na sua formulação (Orlandi, 2012) de contiguidade de significados dispostos no escrito, o efeito de legitimidade midiática tanto do ator quanto de sua voz, que inicialmente já adquire, através da construção morfológica de acréscimo sufixal, o status de sucesso distintivo de outras vozes, reforçado pela tessitura textual-argumentativa acerca da voz. É no eixo de verticalização da continuidade do primeiro pré-construído que a voz é tratada como uma entidade de princípios autônomos, tal qual um indivíduo, em trechos como estes: “O homem entra. O refletor espoca um facho de luz. Toma o palco todinho. Não, melhor, sua ‘voz’. Sua ‘voz’ toma o palco, rasga o ar e entra em nossos corpos. Somos todos aquela ‘voz’, não temos como nos livrar” (Cury, 2016, aspas minhas). A ratificação do efeito de autonomia da voz de Alan Rickman dá-se precisamente em: “Sua ‘voz” tinha vida própria. Poderia pagar imposto, com direito a RG e CPF próprios” (Cury, 2016, aspas minhas).
A pré-construção da independência da voz de Alan Rickman reflete os efeitos de sentido presentes na formação discursiva na qual a composição estruturante da matéria está inserida, conforme a sociedade capitalista nuclearizada no indivíduo do desempenho que neste caso é um ator. Em outros termos, os pré-construídos vistos anteriormente proporcionam os indícios da formação discursiva liberal na qual a voz, como um instrumento de trabalho tão “livre” quanto o sujeito que a possui, parece ganhar vida para concorrer com outras no mercado teatral das vozes, entretanto as vozes que não são tão grandes para tomar o palco do Barbican no processo de concurso por destaque midiático ainda carecem de aperfeiçoamento, já que a lógica neoliberal de mercado funciona pela eficiência meritocrática de seus integrantes. Na esteira dessa perspectiva, ao descrever as últimas consequências da condução desse sistema de forças desiguais, Han (2017, p. 86) afirma que “O sujeito do desempenho se realiza na morte”. Ora, as condições de produção da matéria sob análise corroboram, sem quaisquer empecilhos contra argumentativos, a assertiva de Han (2017, p. 86), dado que Alan Rickman faleceu três dias antes da publicação de Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), na Folha de S. Paulo.
Com tal funcionamento de pré-construção alicerçada na formação discursiva liberal, o interdiscurso, em sua estabilidade recuperável do dizível (Orlandi, 2007), fornece uma importante materialidade de sentidos, já que, neste caso, pode ser rastreado por dizeres acerca da própria voz de Alan Rickman, como os existentes na reportagem Cientistas britânicos identificam fórmula da voz perfeita (Cientistas, 2008). Nela encontra-se a formulação que, entre outras coisas, opera como produtora interdiscursiva em enunciados fabricados posteriormente em outros textos, porquanto qualifica, por extensão, como “perfeita” a voz de Alan Rickman, conforme se verifica em: “Entre os homens, os atores Jeremy Irons, de Gêmeos, Mórbida Semelhança, e Alan Rickman, o professor Snape na série de filmes Harry Potter, foram os que mais se aproximaram da ‘voz perfeita’” (Cientistas, 2008, aspas do autor). Diante da declaração, feita por cientistas britânicos, índice de autoridade competente (Ferreira, 2010), a mídia em geral, através de suas publicações, em seus diversos nichos de circulação, acaba por reproduzir determinados efeitos vinculados à descrição sobre a voz de Alan Rickman, como, por exemplo, Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016) e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016) cujas elaborações já fazem remissão, em uma perspectiva de destaque, à voz do ator.
Portanto, como se constata acima, é por meio da relação constitutiva das condições de produção com os pré-construídos, da formação discursiva integrante com o interdiscurso que se podem compreender determinados funcionamentos de sentidos e seus efeitos, tal qual ocorre na arquitetura do último trecho do texto publicado na Folha de S. Paulo em que é dito: “Mas, note, é possível ouvir daqui: o ‘vozeirão’ de Rickman ainda ecoa no Barbican” (Cury, 2016, aspas minhas). As condições de produção, já mencionadas anteriormente, fazem aí presença enquanto a construção do sintagma nominal ‘o vozeirão de Rickman’ incide no efeito gerado pelo sintagma verbal ‘ainda ecoa no Barbican’, pois a difusão da metáfora existente nesse sintagma, fruto da extensividade polissêmica do movimento parafrástico de produção de sentidos, orienta o efeito de continuidade do preenchimento tanto do espaço teatral, Barbican, quanto de outros ocupados por ‘o vozeirão de Rickman’. Em vista do encadeamento dos pré-construídos de ator de destaque e da autonomia da voz, o efeito de continuidade é gestado pela pulsação simultânea das condições de produção, falecimento recente de Alan Rickman, e do pré-construído engendrado no emprego da acepção do verbo ecoar ao apontar para o fato alegórico de que a voz do intérprete do professor Snape da saga Harry Potter (Rowling, 2000) ainda continuará a ser ouvida.
É sobretudo no interdiscurso que a voz de Alan Rickman ecoa. Na retomada do quadro no qual o interdiscurso age sobre o funcionamento de certos efeitos de sentidos existentes na matéria em questão, encontra-se justamente a conservação de “a voz perfeita” em Vozeirão de Alan Rickman (Cury, 2016), também verificada em Cientistas britânicos identificam fórmula da voz perfeita (Cientistas, 2008), já que a formação discursiva liberal, da qual proveem os sentidos delineados no texto da Folha de S. Paulo, constitui-se no jogo socioeconômico do mérito que, por sua vez, conserva tipos de vozes (Piovezani; Soares, 2018) consideradas ideais para a indústria de entretenimento e, consequentemente, fundamenta os preconceitos contra vozes marginalizadas. O espraiamento interdiscursivo de tal formação discursiva integra, como pode-se perceber, a unidade do discurso vocal cujo principal traço estruturante parece ser a exaltação de tipos de vozes boas ou agradáveis e, por meio desse expediente, o discurso do sucesso midiático consegue, ao mesmo tempo, vendê-las em diversos tipos de produtos de entretenimento e conservá-las por assegurar em seus enunciados quão “perfeitas” são ou pelo menos quão mais próximas da perfeição estão. Assim, legitimando essa visão, já que o discurso da mídia, sobretudo dessa mídia específica, possui uma influência considerável para a circulação e manutenção desses sentidos, constrói-se a continuidade tanto das virtudes e dos preconceitos acerca das vozes no interior do circuito social, bem como sua mercantilização.
Em análise: Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter”
Mais adiante a matéria Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), publicada no periódico O Popular, em 14 de janeiro de 2016, é examinada à luz dos mesmos conceitos operacionalizados em Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016). É importante destacar, antes de um escrutínio mais minucioso, que o texto em questão foi divulgado no caderno Magazine do jornal virtual O Popular, e não possui um autor especificado. Diferentemente do artigo da Folha de S. Paulo levado a público três dias após o falecimento de Alan Rickman, o de O Popular foi veiculado no mesmo dia do acontecimento. Desse modo, pode-se afirmar que as condições de produção externas dessa publicação são relativamente próximas às de Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016). Feitas essas explicações iniciais, cabe informar, para em seguida passar à integralidade da matéria, que o expediente focalizador do item lexical voz continua sendo o recurso tipográfico das aspas simples no texto sob análise.
Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter”
Notícia foi confirmada por sua família nesta quinta-feira (14). Ele sofria de câncer.
Um dos atores mais queridos e admirados no Reino Unido por suas atuações em séries de TV e no teatro, Rickman ficou mais conhecido pelas novas gerações por sua atuação na série “Harry Potter” como o rígido professor Severo Snape.
Entre vários trabalhos importantes, Rickman fez “Romeu e Julieta” e “Ligações Perigosas” no teatro neste último, no papel de Valmont. Na televisão, fez várias séries da BBC e ganhou o Globo de Ouro por “Rasputin” (1996).
Bem antes de entrar no quadro letivo dos professores do bruxinho, Rickman já colecionava papéis marcantes em Hollywood, muitos deles, como vilão.
Foi assim em 1988, como antagonista de Bruce Willis no primeiro filme da franquia “Duro de Matar”, o melhor da série.
Após o sucesso no policial, Rickman foi também o xerife de Nottingham em “Robin Hood – O príncipe dos ladrões” (1991), com Kevin Costner no papel principal.
Já no século 21, tornou-se o temido professor Snape em “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (2001) e continuou com o papel pelos oito filmes da franquia.
Também emprestou sua ‘voz’ marcante ao robôzinho de “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (2005) (Morre, 2016, itálico e aspas duplas do autor, aspas simples minhas).
É possível notar a construção textualizada do histórico das principais atuações de Alan Rickman na notícia de seu falecimento. Na mesma toada de Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), o efeito de encômio permanece atravessando do começo ao fim a matéria acima e, por meio desse expediente, responsável pela criação das condições de produção internas à formulação de sentidos do texto em foco, gera-se um dos efeitos mais significativos para esta análise, a saber: a ratificação da “voz marcante”. Nesse direcionamento, o conjunto de papéis apontados, “entre vários trabalhos importantes”, Romeu e Julieta, Ligações perigosas, Rasputin, Duro de Matar, Robin Hood – O príncipe dos ladrões e Harry Potter e a Pedra Filosofal – todos os filmes da série Harry Potter − conduz ao efeito de corroboração do sucesso (Soares, 2020a) de Alan Rickman e, consequentemente, do sucesso de sua voz, assinalada no trecho final do escrito como “voz marcante”. Eis que, no interior da formação discursiva predominantemente liberal, o detentor de tantas atuações relevantes, parafraseando o próprio artigo jornalístico, torna-se o sujeito do desempenho (Han, 2017) da voz de destaque em cenário internacional a ponto de seu falecimento engendrar uma fundamentação de “sua voz marcante”.
A voz do professor Snape, em Harry Potter, por ser intérprete de outras tantas personagens recebe, no circuito de valorização midiática do sucesso, a expressão cuja biografia outras concorrentes ainda não tenham alcançado a mesma proeminência. Essa direcionalidade dos sentidos e, sobretudo, a demarcação estruturante da história do sucesso de Alan Rickman, compõem a formação discursiva liberal segundo a qual o direito da livre concorrência de mercado viabiliza – em filigrana, o aspecto democrático da voz, a maioria possui, parece traduzir-se na possibilidade de competição igualitária entre ela e outras que lhe são diferentes. Diante dessa observação crítica acerca da proposição argumentativo-enunciativa do funcionamento da formação discursiva presente no artigo jornalístico de O Popular (2016), tem-se que, de acordo com Soares (2020b, p. 58, aspas do autor), “no espaço do sucesso, a voz é tida como um meio de atingir o status de celebridade. Portanto, a voz, dentro dos ‘produtos’ de capital simbólico, representa uma das grandes formas de tornar-se vendável no mercado”. Nesse cenário no qual a voz, em especial a “voz marcante” de Alan Rickman, é um bem sobre o qual recai a valorização do discurso midiático através de dizeres acerca da voz, é possível verificar que parte da arquitetura da unidade do discurso vocal no qual se encontra volta-se ao regimento da formação discursiva liberal cujo núcleo arregimentador de efeitos de sentidos é a meritocracia.
A “voz marcante”, que perfaz a circularidade da formação discursiva liberal, permite o eco do interdiscurso presente também em Cientistas britânicos identificam fórmula da voz perfeita (Cientistas, 2008), porquanto nessa última são traçadas não apenas as singularidades da voz do ator de Snape, em Harry Potter, bem como são apresentados argumentos ditos científicos para corroborar o sucesso da “voz perfeita”. Para validar a investigação, que compõe o interdiscurso acerca dos dizeres sobre a voz de Alan Rickman, é dito que: “A pesquisa foi conduzida pelo linguista Andrew Linn, da Universidade de Sheffield, e pela engenheira de som Shannon Harris. A fórmula é baseada em uma combinação de tom, velocidade, frequência, palavras por minuto e entonação” (Cientistas, 2008). Desse modo, preservada a instância de autoridade discursiva (Ferreira, 2010) conferida tanto pelos nomes de pesquisadores quanto pela terminologia empregada no texto Cientistas britânicos identificam fórmula da voz perfeita (Cientistas, 2008), é necessário apontar para mobilização de seus efeitos em outras matérias, como Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016) e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), uma vez que é próprio do funcionamento interdiscurso sua conexão com textos produzidos sob a égide de formações discursivas fomentadas em seu interior. Portanto, a consagração da voz do ator, no circuito do sucesso midiático, parece anteceder as notícias de seu falecimento, ao passo que essas lhe asseguram o lugar de destaque e, simultaneamente, engendram uma estética da voz de sucesso (Soares; Boucher, 2020).
Na perspectiva de descrever o funcionamento interdiscursivo no qual a unidade do discurso vocal, em especial de uma voz de sucesso (Soares, 2018a, 2020a), traz para seu interior o jogo dissimétrico das forças sociais, fica candente a verticalidade extensiva encontrada por Soares e Boucher (2020, p. 114), sobre a operacionalização da estética da voz por parte do discurso midiático, ao enunciarem que “a voz sobre a qual se faz alguma declaração está”, como é possível perceber pela análise aqui empreendida, “[...] assentada numa estética da voz, por intermédio da repetição do que se diz no mercado das vozes (os pré-construídos) e de seu regime de aparição midiática” (Soares; Boucher, 2020, p. 115). Eis que, no circuito coletivo de vozes, existe a padronização de vozes de destaque cuja circunscrição remete a um conjunto de traços físicos capazes de receber do discurso midiático de sucesso registros textuais como “vozeirão”, “voz marcante” e “voz perfeita”, entre outros, para, a um só tempo, fundamentar a distinção que essas possuem dentro do alvo de relevância midiática – até mesmo para fomentar as diversas produções da indústria cultural de entretenimento (Adorno; Horkheimer, 1985) – e criar o lastro estético que divide as vozes, por semelhanças e diferenças, cujo sucesso pode chancelar e, assim, dar continuidade na fabricação de seus objetos de consumo. Essa segmentação discursiva de vozes3 aprofunda as assimetrias entre elas no interior do espaço coletivo. Portanto, a construção argumentativo-textual da matéria Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), bem como a da Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), favorece, como foi possível constatar, a manutenção de preconceitos, por meio do expediente da sinalização da voz virtuosa (Piovezani; Soares, 2018), acerca de vozes que não possuem determinado sucesso midiático e, consequentemente, são desprovidas de prestígio social.
Em análise: Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita
No artigo Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), publicado na plataforma virtual da revista Galileu, em 14 de janeiro de 2016, encontram-se, como no anterior Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), praticamente as mesmas condições de produção externas referentes ao falecimento do ator britânico. A partir dessa constatação somada aos resultados das análises anteriores, pode-se entender parte dos efeitos de sentido gerados por tais condições de produção na matéria da Galileu agora em foco investigativo, já que, no interior das veiculações midiáticas, as celebridades, salvo exceções, “recebem” homenagens, em decorrência de morte, textos nos quais são designadas por seus supostos talentos, virtudes e habilidades aparentemente cultivadas em vida. Cabe ainda apontar, relacionando texto e espaço de circulação desse como parcela integrante de suas condições de produção, para que a revista Galileu é um periódico de edição mensal desde 1991 (à época com o nome de Globo Ciência) pertencente à editora Globo. Por ser uma das poucas revistas de circulação nacional de temáticas científicas acessíveis ao grande público e possuir uma disseminação tanto impressa quanto virtual, ambiente do qual foi extraído Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), pode ser considerada um exemplar de propagação de dizeres com alguma vinculação ao discurso científico, de modo que mais esse elemento condutivo de sentidos compõe as condições de produção do texto que se encontra na íntegra logo abaixo.
Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita
Pesquisa de 2008 mostra que a ‘voz’ do ator era uma das que chegava mais perto dos padrões ideais
Um estudo realizado na Universidade Sheffield, na Inglaterra, revela que Alan Rickman possui uma das combinações mais perfeitas de voz masculina. O ator britânico, conhecido por seus papéis em Duro de matar, Razão e sensibilidade e na saga Harry Potter, faleceu nessa quinta-feira (14).
Em 2008, o linguista Andrew Linn começou a trabalhar em uma fórmula matemática a partir da qual conseguiria encontrar as combinações ideais de vozes femininas e masculinas. Ele pediu que um grupo de pessoas desse notas a 50 vozes e separou as mais bem pontuadas para serem analisadas por um engenheiro de áudio.
Considerando aspectos como tom, velocidade, frequência e entonação, Linn descobriu que a voz ideal deveria ser capaz de falar 164 palavras por minuto e pausar por 0,48 segundos entre frases que mudam de entonação. A partir disso, o linguista concluiu que a voz ideal feminina seria uma mistura das da jornalista Mariella Frostup e das atrizes Judi Dench e Honor Blackman. Já as ‘vozes’ dos atores Alan Rickman, Jeremy Irons e Michael Gambon foram consideradas as que mais se aproximaram aos padrões ideais da voz masculina.
“Nós humanos sabemos instintivamente quais ‘vozes’ nos dão arrepios e quais nos enojam. As respostas emocionais que os participantes do estudo tiveram às vozes que utilizamos foram surpreendentes e servem para explicar como apresentadores de rádio e dubladores são escolhidos, ou o motivo de as ‘vozes’ de algumas celebridades serem queridas”, explicou Linn (Moreira, 2016, itálico e aspas duplas do autor, aspas simples minhas).
Como é possível ler acima, tanto a menção a papéis desempenhados na carreira do ator quanto a pesquisa de 2008, na qual a voz de Alan Rickman é apontada como “uma das combinações mais perfeitas de voz masculina”, estruturam as principais condições de produção internas ao funcionamento da formação discursiva liberal que, observada também na arquitetura de Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016) e Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), está conforme o valor de mercado adquirido por uma voz de sucesso e, por essa razão, engendra o efeito de mérito, no interior do circuito social, à voz do intérprete do professor Snape, de Harry Potter. Nesse caso, o discurso científico foi convocado para corroborar o mérito da voz de Alan Rickman, desde o título da matéria, construído para afirmar que Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), passando por itens lexicais operadores desse tipo de discurso, a saber, “pesquisa”, “estudo”, “Universidade Sheffield”, “linguista”, “fórmula matemática”, entre outros, chegando ao uso de citações da tal pesquisa de 2008. Em vista desse movimento argumentativo-textual, pode-se asseverar que a principal diferença entre o artigo da revista Galileu e os outros examinados anteriormente é justamente a mobilização do discurso científico para ratificação meritória do sucesso da voz de Alan Rickman, porém tal procedimento não ocorre ao acaso, dá-se pelo acionamento do interdiscurso (Orlandi, 2007).
O funcionamento interdiscursivo verificado nas matérias dos jornais Folha de S. Paulo e O Popular acerca da voz de Alan Rickman é um tanto quanto diferente do presente no artigo da revista Galileu, porquanto nesse último o processamento textual-argumentativo é fundamentado na publicação, no portal Universa uol, intitulada Cientistas britânicos identificam fórmula da voz perfeita (Cientistas, 2008) cuja marcação dá-se pelo uso das aspas que diz, entre outras coisas, que “Ao servir-se das aspas para marcar o que não é seu, o escritor constrói o ethos discursivo de alguém que respeita ideias, conceitos e construções alheias. Ainda mais do que isso, constrói a imagem de alguém conhecedor de outros autores com os quais dialoga” (Soares, 2018b, p. 198). Não fosse tal procedimento aliado ao repasse enunciativo assinalado em trechos como “Pesquisa de 2008 mostra que”, “Linn descobriu que”, “explicou Linn”, Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016) seria um texto com alto índice de plágio, porém, como não é o caso, há nele uma incidência bastante relevante do próprio “texto gerador” dos sentidos mais uma vez enunciados, gerando tanto o efeito ético de uso de fontes quanto o próprio efeito de ratificação daquilo que se diz sobre a voz perfeita do ator britânico. Portanto, a circularidade expressa pelo interdiscurso na estruturação dos efeitos de sentidos existentes em notícias que abordaram a morte de Alan Rickman repercute de forma direta e indireta a tal ponto que se torna um fio condutor do que se deve dizer sobre sua voz.
No horizonte da relação entre as condições de produção, a formação discursiva e o interdiscurso percebidos na composição do artigo da revista Galileu, pode-se afirmar que o mérito da voz escolhida para figurar no discurso midiático do sucesso promove uma maior possibilidade de que haja a continuidade de vozes com características similares, uma vez que sua estética, tanto subjetiva quanto objetiva, é construída por meio de múltiplas veiculações nos mais variados artefatos da indústria cultural (Adorno; Horkheimer, 1985) nos quais a voz é empregada, bem como na unidade do discurso vocal no interior da qual os dizeres sobre a voz regulam virtudes e, por conseguinte, discriminam vícios (Piovezani; Soares, 2018). Em vista de tal operação realizada pelo discurso midiático do sucesso, Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016) e Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016). Assim, é possível assegurar que o sucesso da voz de Alan Rickman não se deve apenas ao seu talento como ator, mas, sobretudo, ao fato de que sua voz e sua performance parecem ter competido no mercado de vozes e, assim, “vencido” para receber a atenção midiática suficiente de inúmeros meios de comunicação. Desse modo, a propagação dos dizeres acerca da voz do intérprete do professor Snape, de Harry Potter, compõe parcela significativa do fio da unidade do discurso vocal, cujo eco, como condutor de vozes de sucesso, encontra-se na exteriorização de vozes prototípicas que, em alguma medida, carregam características de “voz perfeita”, “voz marcante”, “vozeirão”, entre outros, para conceder-lhes prestígio social.
Considerações finais
Com a realização do objetivo de descrever e interpretar o processo de produção de sentidos acerca da voz de sucesso em Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), publicado no jornal Folha de S. Paulo (2016), Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016), veiculado no jornal O Popular, e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), divulgado na revista Galileu, e, ao mesmo tempo, elucidando o funcionamento do desempenho da mídia ao promover o discurso do sucesso de determinadas vozes, foi possível detectar, por meio do instrumental selecionado da Análise do Discurso, as condições de produção, as formações discursivas e o interdiscurso implicados na construção da unidade do discurso vocal do sucesso midiático de Alan Rickman presente nos textos escolhidos. Diante do cumprimento do propósito traçado para este artigo, encontrou-se, em seu percurso investigativo, a predominância das condições de produção externas a cada uma das matérias voltadas para o falecimento do ator, ao passo que as internas dirigiram-se a sua história profissional cuja finalidade mostrou-se por justificar seu sucesso; as formações discursivas localizadas na estruturação das matérias sob análise foram conduzidas pela lógica liberal de mercado, que se traduz, grosso modo, na possibilidade de competição igualitária entre vozes existentes em uma constituição social justa e meritocrática; a movimentação do interdiscurso, a partir da observação analítica tanto das condições de produção quanto das formações discursivas, instaurou o regime de dizeres, em sua estabilidade recuperável (Orlandi, 2007), segundo o qual a voz do intérprete do professor Snape, em Harry Potter, é positivada no circuito das vozes como “próxima da perfeição”, de modo que a recursividade desse efeito de sentido acaba por atravessar e costurar a constituição dos dizeres sobre o sucesso midiático da voz de Alan Rickman.
Na esteira da averiguação das propriedades discursivas integrantes dos dizeres referentes à voz do ator britânico em questão e, consequentemente, de seu sucesso midiático, pode-se estender o mesmo procedimento, anteriormente posto em marcha, para examinar o manuscrito Morreu o actor Alan Rickman, o professor Snape em Harry Potter (Mourinha, 2016), publicado no jornal virtual português Ípsilon, e encontrar resultados relativamente similares, pois, guardadas as devidas diferenças para com os diversos elementos conjunturais existentes entre os veículos brasileiros e o europeu, as condições de produção, o cerne estruturante da formação discursiva e a influência extensiva do interdiscurso arquitetam o processo de fabricação de sentidos como os componentes do seguinte excerto extraído da matéria “O seu rosto aquilino e a sua ‘voz’ perfeitamente modulada pareciam engavetá-lo na carreira de vilão em Hollywood – e os seus papéis mais conhecidos do lado de lá do Atlântico, aliás, são de vilões” (Mourinha, 2016, aspas simples minhas). Nesse trecho, encontram-se, em operação simultânea ao interdiscurso no qual o recuperável do dizível (Orlandi, 2007) retoma “a voz perfeita” (Cientistas, 2008) parafraseada em “voz perfeitamente modulada” (Mourinha, 2016), tanto as condições de produção ligadas à atuação do profissional, ratificando seu sucesso, quanto a condução da formação discursiva liberal, destacando uma voz no interior do mercado competitivo de vozes.
Em decorrência da espetacularização dos sujeitos de sucesso (Soares, 2016, 2018a, 2020a, 2020b, 2021), criados como efeito de uma miragem pelo próprio discurso midiático através de suas múltiplas plataformas de comunicação, tem-se uma crescente profusão de textos, em diversas modalidades, cuja finalidade orientadora de sua propagação parece justamente retroalimentar, tal qual constatado nas análises aqui empreendidas, o sistema de valor atribuído às celebridades que lhe integram. É nessa perspectiva que se enquadram Vozeirão de Alan Rickman, ator genial do teatro, tinha vida própria (Cury, 2016), Morre o ator inglês Alan Rickman, o professor Snape de “Harry Potter” (Morre, 2016) e Estudo revela que Alan Rickman tinha a voz perfeita (Moreira, 2016), aqui examinados, além de outros como Morreu o actor Alan Rickman, o professor Snape em Harry Potter (Mourinha, 2016), ao destacar a voz de um determinado sujeito em um ambiente no qual os efeitos do discurso do sucesso fabricam imagens eivadas de virtudes socialmente prestigiadas em função da propositura sistemática de retroalimentação do próprio discurso do sucesso midiático. Segundo tal, as melhores vozes e, logo, as melhores atuações são recompensadas com visibilidade e fama, viabilizando, por meio desse expediente, a consecução do lastro de sucesso através do qual mais vozes e, consequentemente, mais sujeitos serão submetidos ao encaixamento das propriedades definidas por esse discurso.
É sob tal lógica de funcionamento social que o discurso do sucesso midiático teatraliza os dizeres acerca da voz, conforme suas próprias necessidades de propagação e de continuação, ao ser formatado pela capitalização do trabalho levado à exaustão (Han, 2017) com vistas ao lugar de destaque proposto pelo motor do sucesso, derivado em boa medida do sucesso midiático. No interior dessa configuração social, a formação discursiva liberal, como percebida nos objetos de investigação, demonstra seu potencial predominantemente meritocrático de apresentar as relações de força de forma unilateral, via apagamento (Orlandi, 2007) seletivo de condições históricas de existência, para, entre outras coisas, fundamentar o seguinte argumento individualizante do sucesso: “Eu sou inteiramente responsável pelo meu destino e, assim, ninguém pode ser acusado, nem Deus, nem o capitalismo, nem meu sangue e nem Brahma ou Vishnu, ou Shiva” (Karnal, 2017, p. 174). Ora, o cerne do discurso do sucesso midiático endereçado à dispersão de sentidos vinculados à construção discursiva de vozes famosas, prestigiadas e/ou de destaque promove, como foi possível compreender por meio do alcance do objetivo traçado para este artigo, tanto a confirmação da performance recursiva do mérito dessas vozes quanto a estética da voz de sucesso responsável por engendrar o reconhecimento por vozes virtuosas (Piovezani; Soares, 2018) e trazer a reboque o fomento, em algum grau, do preconceito sobre vozes cujo sucesso não podem alcançar.
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1
Aqui a concepção de estética distancia-se de “o estudo que acontece com o observador” (Mallet, 2021, p. 30) para voltar-se à construção social de impressões projetadas no discurso cuja participação na depreensão de fenômenos coletivos é integrante.
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2
Este expediente facilita a percepção dos aparecimentos textuais de voz no interior da matéria sob análise.
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3
Pode-se tomar, para exemplificar a continuidade do fenômeno de segmentação discursiva de vozes, o funcionamento de dizeres sobre a voz (em que uma consolidada voz de sucesso midiático valida outra em ascensão) na seguinte matéria, veiculada em 4 de janeiro de 2018, no site da revista Veja: Ed Motta elogia Pabllo Vittar: ‘Talento verdadeiro e genuíno’ (Da redação, 2018), na qual há “Um parecer técnico misturado com uma estética subjetiva que compõem os dizeres de Ed Motta sobre a voz de Pabllo Vittar” (Soares, 2020b, p. 54).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
30 Set 2023 -
Aceito
16 Abr 2024