Open-access Estresse, satisfação e motivação da enfermagem do bloco operatório no Brasil

Estrés, satisfacción y motivación de enfermeros del bloque operatorio en Brasil

Resumo

Objetivo  Avaliar o estresse laboral, a satisfação e a motivação para o trabalho de profissionais de enfermagem de bloco operatório no Brasil.

Métodos  Estudo do tipo open survey nacional, realizado entre os meses de agosto e dezembro de 2023. Utilizou-se Escala de Satisfação no Trabalho - EST, o questionário de Motivação para o trabalho e a Escala de Estresse no Trabalho – EET em um formulário online.

Resultados  Houve um total de 385 respostas, sendo 160 profissionais (41,6%) técnicos ou auxiliares de enfermagem e 225(58,4%) enfermeiros. Houve elevada parcela de profissionais com níveis de estresse entre moderado e elevado (72,98%), tendo sido significativo o resultado de maior estresse moderado a elevado nos profissionais do turno diurno (p=0,01) e sem diferença por gênero nem faixa etária. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as variáveis para técnicos e enfermeiros, nem em função do tipo de vínculo. Ter dois ou mais empregos e trabalhar em horários diurnos está associado a maior percepção de estresse relacionado ao trabalho.

Conclusão  A elevada proporção de profissionais técnicos de enfermagem e enfermeiros com estresse moderado e elevado merece destaque entre os achados da pesquisa.

Centros cirúrgicos; Salas cirúrgicas; Enfermagem de centro cirúrgico; Enfermagem perioperatória; Estresse ocupacional; Motivação; Satisfação no emprego; Brasil

Abstract

Objective  Evaluating job stress, job satisfaction and job motivation among operating room nurses in Brazil.

Methods  This was a national open-ended survey carried out between August and December 2023. The Work Satisfaction Scale (WSS), the Motivation for Work questionnaire and the Work Stress Scale (WSS) were used in an online form.

Results  There were a total of 385 responses, of which 160 professionals (41.6%) were nursing technicians or assistants and 225 (58.4%) were nurses. There was a high proportion of professionals with moderate to high levels of stress (72.98%), with a significant result of greater moderate to high stress in day shift professionals (p=0.01) and no difference by gender or age group. There was no statistically significant difference between the variables for technicians and nurses, nor according to the type of employment. Having two or more jobs and working daytime hours is associated with a higher perception of work-related stress.

Conclusion  The high proportion of nursing technicians and nurses with moderate and high stress deserves to be highlighted among the research findings.

Resumen

Objetivo  Evaluar el estrés laboral, la satisfacción y la motivación para trabajar de profesionales de enfermería del bloque operatorio en Brasil.

Métodos  Estudio tipo open survey nacional, realizado entre los meses de agosto y diciembre de 2023. Se utilizó la Escala de Satisfacción Laboral (ESL), el Cuestionario de Motivación para el Trabajo y la Escala de Estrés Laboral (EEL) en un formulario digital.

Resultados  Hubo un total de 385 respuestas, de las cuales 160 fueron de profesionales (41,6 %) técnicos o auxiliares de enfermería y 225 (58,4 %) enfermeros. Hubo una elevada porción de profesionales con niveles de estrés entre moderado y alto (72,98 %), donde fue significativo el resultado de más estrés de moderado a alto entre los profesionales del turno diurno (p=0,01) y sin diferencia por género ni grupo de edad. No se observó diferencia estadísticamente significativa entre las variables de técnicos y enfermeros, ni en función del tipo de vínculo. El hecho de tener dos o más empleos y trabajar en horarios diurnos se asoció a una mayor percepción de estrés relacionado con el trabajo.

Conclusión  La elevada proporción de profesionales técnicos de enfermería y enfermeros con estrés de moderado a alto se destaca entre los resultados del estudio.

Centros quirúrgicos; Quirófano; Enfermería de quirófano; Enfermería perioperatoria; Estrés laboral; Motivación; Satisfacción en el trabajo; Brasil

Introdução

No mundo do trabalho, as constantes modificações obrigam ao trabalhador a empregar maior esforço para se habituar às novas circunstâncias. O trabalho é uma forma do ser humano sentir satisfação ao se ver útil dentro da sociedade e vivenciar o prazer da realização pessoal, além de ser um importante influenciador da manutenção das relações. No entanto, a presença do estresse dentro de um contexto que demanda maior entrega e adaptação profissional, contribui para um desgaste na saúde do trabalhador, leva a uma redução da qualidade de vida e interfere no desempenho laboral.(1,2)

O estresse laboral pode ser compreendido como uma experiência subjetiva e psicológica negativa com repercussões fisiológicas causadas por estímulos da atividade laboral.(1-3) É abordado em muitos estudos por afetar negativamente a saúde do profissional, a satisfação no trabalho, a produtividade e a qualidade da assistência, podendo acarretar riscos para a segurança do paciente.(4,5) A satisfação no trabalho é considerada um dos indicadores de qualidade de vida e sua medida tem sido utilizada em estudos no Brasil e no exterior.(1)

As causas de estresse no ambiente de centro cirúrgico implicam em tensões e clima organizacional desfavorável, com prejuízo da comunicação e segurança do paciente, bem como da qualidade de vida relacionada ao trabalho.(1,6) Sobrecarga, relações interpessoais desgastadas ou disfuncionais, modelo centrado no cirurgião e invisibilidade da enfermagem contribuem para que o trabalhador de enfermagem de Centro Cirúrgico (CC), embora encontre satisfação na área, vivencie também sofrimento, contribuindo para o estresse, culminando em esgotamento, repercussões psicológicas e físicas e falta de motivação para a atividade laboral.(6-7)É importante considerar como variáveis como idade e gênero do profissional, tempo na mesma atividade, turno de trabalho (diurno ou noturno) e carga-horária semanal podem influenciar na percepção de estresse ou repercutir na satisfação com o trabalho.

O desempenho das atividades de enfermagem no bloco operatório impacta diretamente na capacidade produtiva do setor e há grande desafio em balancear as exigências e demandas para a classe perante o desgaste físico, a saúde mental e a qualidade de vida destes profissionais. Satisfação com o trabalho e estresse laboral para a enfermagem de centro cirúrgico vem sendo estudado ao longo dos anos em pesquisas nacionais e internacionais, contudo, a variável motivação geralmente não é considerada.(1,3,7) Em outros estudos, a questão da motivação é avaliada de forma indireta pela avaliação da intenção em deixar o emprego.(3) Considerar a variável motivação é um olhar direto sobre um fator que pode ser importante e até decisivo para a forma de lidar com o estresse na sala operatória.

O presente estudo tem por objetivo avaliar o estresse laboral, a satisfação e a motivação para o trabalho de profissionais de enfermagem de bloco operatório no Brasil.

Métodos

Estudo observacional do tipo open survey cujo presente relato foi norteado pela ferramenta CHERRIES (Checklist for Reporting Results of Internet E-Surveys).(8) A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e dezembro de 2023, com o apoio da Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização - SOBECC. O projeto de pesquisa foi cadastrado na plataforma OSF (https://osf.io/t8a4v/).

De forma preliminar, foi realizado um estudo piloto com enfermeiros e técnicos de enfermagem da unidade de Blocos Cirúrgicos de um hospital universitário de grande porte do Nordeste do Brasil. Com os resultados do piloto, o instrumento de coleta foi validado com boa usabilidade e funcionalidade para o inquérito nacional, não apresentando dificuldades significativas que motivassem grandes correções ou que prejudicassem a coleta.

Houve uma amostragem não-probabilística por conveniência.(8) As fontes principais de respondentes para a pesquisa foram enfermeiros e técnicos associados à SOBECC ou com cadastro em banco de dados da associação e profissionais convidados via chamada pública em redes sociais e aplicativos de mensagem para celular. Inicialmente, cogitou-se a realização de um closed survey apenas entre membros da SOBECC, contudo, considerando a baixa proporção de técnicos entre associados e a possibilidade de ampliar a amostra esperada, decidiu-se por um open survey de forma a ampliar o número de respondentes. Não foi possível divulgar em banners no site da instituição, apenas utilizou-se a lista de e-mails.

Foram incluídos enfermeiros, técnicos e auxiliares, com no mínimo seis meses de experiência em centro cirúrgico. Foram excluídas respostas incompletas ou profissionais aposentados.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, foi realizada à submissão via e-mail à SOBECC para acesso ao cadastro de sócios e continuação da pesquisa. A SOBECC possui um fluxo para realização de pesquisa entre seus associados. A associação conta com aproximadamente 500 profissionais associados nesse banco. Destes, cerca de 70% são profissionais de centro cirúrgico. Considerando uma taxa de retorno de respostas de 30%, a amostra estimada para essa fonte foi de 100 respondentes. Compuseram a amostra os respondentes, que de forma espontânea, retornaram nosso convite nas redes sociais e aplicativos de mensagem para celular.

Foram elaboradas artes para divulgação em redes sociais e eventos da área da Enfermagem Perioperatória. Esses convites permaneceram em divulgação durante o período dedicado à coleta. A coleta de dados ocorreu por meio digital, utilizando-se a plataforma online Research Electronic Data Capture – REDCAp.

Os participantes foram convidados a participar da pesquisa por meio de envio do convite por e-mails, por mensagens de celular via aplicativo (Whatsapp) e por convites públicos nas redes sociais. Os convites por e-mail foram repetidos apenas uma vez após 30 dias, sendo considerado excluído da pesquisa a ausência de respostas após 30 dias da segunda tentativa. Para os participantes que aceitaram participar, ao clicarem no link enviado, abria o formulário inicialmente com convite contendo explicação sobre a pesquisa, objetivos e métodos e a solicitação de aceite em participar, demandando a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, o formulário continuava com o instrumento de coleta propriamente dito. A plataforma REDCAp armazenou os dados coletados.

Foi utilizado o mesmo instrumento de coleta do teste piloto. O formulário era composto por uma parte inicial com a identificação do participante, a Escala de Estresse no Trabalho – EE, Escala de Satisfação no Trabalho - EST e o questionário de Motivação para o trabalho e comprometimento organizacional.(9-14) Os itens das escalas foram apresentados para cada participante de forma aleatória, com randomização dos itens (mudança da ordem de apresentação) proposta de forma automática pela plataforma, de forma a diminuir o viés do preenchimento.

O link do formulário permitia o preenchimento pelo celular ou pelo computador e aos respondentes só era permitido um preenchimento para cada e-mail cadastrado. O formulário tinha cinco telas, sendo a primeira para o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o segundo para dados sociodemográficos e as três seguintes para os instrumentos validados. A tela para questões de caracterização dos profissionais permitia avançar com itens não preenchidos, contudo, as telas dos instrumentos só permitiam a conclusão após o preenchimento total dos itens. Ao final, era dado a opção de revisar suas respostas e de recebê-las por e-mail.

Após a análise das respostas, 42 formulários foram excluídos por estarem incompletos e não houve exclusão por profissionais não atenderem aos critérios. A taxa de recrutamento ou de participação foi de 73,62%, tendo sido obtidos 427 formulários respondidos em um total de 580 visitas ao link. Não houve limite de tempo para resposta após o consentimento em participar na primeira tela.

A Escala de Estresse no Trabalho, na versão utilizada com 23 itens, apresenta as médias dos escores considerados de baixo nível de estresse ocupacional com valores de 1 a 2, de médio estresse ocupacional valores de 2,01 a 2,99 e de alto estresse ocupacional valores de 3 a 5.(10,13)

A Escala de Satisfação no Trabalho apresenta para cada item pontuação entre 1 e 7 pontos, e a pontuação média para cada fator é obtida somando os valores indicados pelos respondentes e dividindo o resultado pelo número de itens. Assim, a pontuação em cada fator poderá variar de 1 a 7, sendo que valores entre 1 e 3,9 indicam insatisfação da pessoa com a dimensão em questão, valores entre 4 e 4,9 indicam indiferença e valores entre 5 e 7 indicam satisfação.(10-20)

A Escala de Motivação para o Trabalho varia de 30 a 210 pontos, em sentido positivo. Cada domínio dessa escala varia entre 15 e 105 pontos ou pode ser apresentado pela média dos itens, variando entre 1 e 7 pontos.(9) Os domínios da Motivação compreendem o índice motivacional (realização, reconhecimento, responsabilidade e progresso – fatores referentes ao conteúdo do trabalho e às recompensas ao desempenho profissional) e índice higiênico (referente ao salário, às condições de trabalho e à política da instituição).(9)

Os dados coletados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 20.0 for Windows. A normalidade da distribuição das variáveis foi confirmada pela matriz QQ e pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para avaliação do estresse ocupacional, motivação e satisfação foi utilizado o teste t de Student, e se as variáveis possuíssem adesão à distribuição normal e o coeficiente de correlação de Pearson se não aderissem à normalidade. Adotou-se nível de significância de 5% e intervalo de confiança para todos os testes de 95%.

A pesquisa segue os preceitos normativos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A coleta de dados do teste piloto só foi iniciada após a apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (Parecer 5.739.463/ Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 63462222.2.0000.8807). Considerando que a pesquisa ocorreu por meio de ambiente virtual, o protocolo de pesquisa foi elaborado de acordo com as orientações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual (Processo SEI nº 25000.026908/2021-15 de 24 de fevereiro de 2021).

Resultados

Houve um total de 385 respostas, entre os associados SOBECC e a demanda espontânea. Destes, 160 profissionais (41,6%) eram técnicos ou auxiliares de enfermagem e 225(58,4%) eram enfermeiros. Dentre os enfermeiros, 164 (72,9%) se afirmaram em cargos assistenciais e 61 em cargos de gestão (27,1%), como supervisores, coordenadores ou chefes. No total, a maioria dos profissionais era do sexo feminino (327;84,9%), com companheiro (casada ou em união estável) (224; 58,2%). A idade variou entre 19 e 69 anos, com média de 42,4±8,7 anos. A amostra tinha entre 1 e 43 anos de formação, com média de 17,5±8,3 anos. A maior parte tinha a especialização lato sensu como maior titulação (201; 52,2%) e 81(21,1%) tinha títulos do stricto sensu (mestrado ou doutorado). Dentre as especialidades, 69(34,3%) afirmaram ter formação em enfermagem perioperatória, cirúrgica ou em bloco operatório / centro cirúrgico. Quanto ao turno de trabalho, apenas 79 (20,4%) dos respondentes trabalhavam no turno da noite. Afirmaram ter apenas um emprego 197(50,9%) participantes, com carga horária semanal média de 34,4±7,6 horas. Sobre o tipo de instituição em que trabalhavam, 295(79,6%) afirmaram manter apenas vínculos públicos, 77(20,0%) afirmaram trabalhar também em instituições privadas e 16(4,2%) em instituições filantrópicas. Os respondentes habitavam e trabalhavam em sua maioria na região Nordeste do país (223; 57,9%), seguida do Sudeste (102; 26,5%), Sul (35; 9,1%), Centro-Oeste (15; 3,9%) e Norte (10; 2,6%). O estresse foi considerado moderado tanto para técnicos quanto para enfermeiros. Na amostra total, a satisfação total teve média 4,4±1,0 (satisfação indiferente). A motivação teve médias de índice higiênico (4,7±1,2) ligeiramente menores que o índice motivacional (4,9±1,2) e o estresse relacionado ao trabalho foi de 2,4±0,7 (considerado médio). Entre técnicos e enfermeiros, apenas a satisfação com promoções teve resultados significativamente maiores entre os enfermeiros (p=0,04). A tabela 1 apresenta a comparação desses resultados em função da categoria profissional (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação entre satisfação, motivação e estresse no trabalho no Bloco Operatório de profissionais enfermeiros e técnicos/auxiliares

A tabela 2 apresenta que a percepção de estresse relacionado ao trabalho foi ligeiramente maior entre os respondentes com dois empregos (p=0,02), enquanto não houve diferença significativa nos escores gerais de satisfação (p=0,57) e motivação para o trabalho (p=0,09).

Tabela 2
Comparação entre satisfação, motivação e estresse no trabalho no Bloco Operatório entre profissionais de enfermagem com um ou dois empregos

A tabela 3 apresenta a comparação entre tipos de vínculos empregatícios, mostrando que não foi identificada diferença significativa entre profissionais de serviços públicos e privados ou filantrópicos.

Tabela 3
Comparação entre satisfação, motivação e estresse no trabalho no Bloco Operatório entre profissionais de enfermagem por tipo de vínculo empregatício

A tabela 4 apresenta a distribuição dos níveis de estresse em função de algumas variáveis, tendo sido significativo o resultado de maior estresse moderado a elevado nos profissionais do turno diurno (p=0,01) e sem diferença por gênero nem faixa etária. De forma geral, 72,98% dos entrevistados apresentaram escores de estresse laboral entre moderado e elevado (Tabela 4).

Tabela 4
Níveis de estresse relacionado ao trabalho no Bloco Operatório entre profissionais de enfermagem

Discussão

A pesquisa alcançou seu objetivo compreendendo o status do estresse, da satisfação e da motivação de profissionais de enfermagem de bloco operatório no país. A diversidade regional e de vínculos empregatícios pode refletir faixas salariais e condições de trabalhos diferentes e talvez, com uma amostra maior, essas variações podem ser testadas e ter sua repercussão sobre as variáveis estimadas com maior segurança. Acredita-se que uma campanha de divulgação que aumentasse o número de respondentes talvez evidenciasse ainda melhor outras relações com maior significância estatística, tendo sido uma das limitações o prazo para coleta que dificultou maior divulgação para além dos associados SOBECC.

Ainda sobre as limitações do estudo, não foi verificado se a média salarial fazia diferença entre os tipos de vínculos para permitir maiores inferências acerca dos resultados. Considerando que não há ainda um piso salarial plenamente implantando para a categoria, as diferenças regionais e entre vínculos podem repercutir na satisfação e na motivação dos profissionais.

Observando-se sobre o prisma da gestão dos serviços de saúde, pouco se tem estudado sobre aspectos relacionados à saúde mental dos profissionais de enfermagem no bloco operatório que podem impactar na sua performance e direta ou indiretamente para a segurança do paciente, embora nas últimas duas décadas tenha sido dado destaque importante para o adoecimento por burnout de profissionais de saúde em geral.(5,14-17)

Foi elevada a proporção de profissionais com estresse entre moderado e elevado. Embora em outras áreas o estresse possa ser maior durante o noturno, para o centro cirúrgico, como as cirurgias eletivas se realizam durante o turno diurno, a demanda de conciliar produtividade em cirurgias eletivas com urgências e emergências para alguns serviços pode explicar o estresse mais elevado entre os que trabalham durante o dia. Estudos com enfermeiros perioperatórios mostram que até 70,3% deles apresentam estado constante de estresse mediado por exaustão emocional.(2)

Para profissionais de enfermagem de centro cirúrgico, a sala operatória é um local de altas demandas de responsabilidade, com muitas tarefas, manejo de tecnologias, onde se passam longas horas em tensão entre cirurgias, requerendo alta concentração.(2,14,19) Na sala operatória, os profissionais tem contato direto com sangue e fluidos corporais, com materiais pérfuro-cortantes, com fumaça cirúrgica, anestésicos voláteis e radiação, o que requer ainda mais atenção para garantir não apenas a segurança do paciente mas também a sua própria.(2,14,19)

O estresse tem gênese multifatorial, podendo surgir da sobrecarga de trabalho, das altas demandas com poucos recursos, treinamentos ou benefícios, falta de suporte organizacional e conflitos com colegas e profissionais de outras categorias, transformando o trabalho em pouco atrativo.(2,14,19,20)

A satisfação foi avaliada em nível de indiferença e próxima ao limite inferior para ser considerada satisfação. Esse indicador vai além da soma dos domínios da escala, representando a totalização da experiência prazerosa relacionada ao trabalho a despeito dos fatores que possam diminuir a satisfação.(10-20)

Não houve diferença significativa entre os níveis de estresse para enfermeiros e técnicos. Embora não tenha havido uma abordagem qualitativa que aprofundasse na compreensão da gênese do estresse em cada categoria, sabe-se que outros autores também apontam níveis próximos entre elas, mesmo que as causas sejam diferentes.(20) As causas de estresse no ambiente de centro cirúrgico implicam em tensões e clima organizacional desfavorável, com prejuízo da comunicação e segurança do paciente, bem como da qualidade de vida relacionada ao trabalho.(2,3,5-6,17) Sobrecarga, relações interpessoais desgastadas ou disfuncionais, modelo centrado no cirurgião e invisibilidade da enfermagem contribuem para que o trabalhador de enfermagem em CC, embora encontre satisfação na área, vivencie também sofrimento, o que pode contribuir para o estresse ocupacional, culminando em esgotamento, repercussões psicológicas e físicas.(6,7,21-22)

Ainda no tocante a questão do estresse, a percepção dessa variável na amostra pode ser influenciada pelo dimensionamento correto de pessoal. Neste estudo, pelo próprio desenho adotado, não foi possível considerar essa variável, contudo, há estudos que indicam que melhor dimensionamento favorece mais a presença do enfermeiro ao lado do paciente e a presença do enfermeiro em sala operatória melhora a adesão aos protocolos, aumenta a segurança do paciente, diminui a sobrecarga do circulante de sala, melhora o relacionamento interpessoal da equipe e aumenta o reconhecimento profissional do enfermeiro.(23-25)

A amostra foi composta em grande parte por servidores públicos concursados que não têm facilidade em trocar de emprego em busca de melhor reconhecimento salarial e que dependem de reajustes e promoções para incrementar a remuneração e melhorar a satisfação com o salário.(26,27)

Em outra pesquisa, encontrou-se que a exaustão emocional estava relacionada inversamente com a percepção de satisfação e com o desejo de mudar de emprego.(3) Outros autores apontam que a satisfação no trabalho e com o trabalho em equipe tem influência direta na realização das atividades de enfermagem no bloco operatório.(3,22)

A percepção maior de estresse entre profissionais com dois empregos está relacionada diretamente com aumento da carga-horária semanal e sobrecarga de trabalho. Estudos internacionais identificaram que dentre os fatores de estresse mais frequentes para a enfermagem do bloco operatório, a sobrecarga de trabalho era o estressor mais frequente, diferente dos achados ora apresentados.(14,29) A sobrecarga decorre muitas vezes de uma gestão para os resultados que cria demandas sem considerar as pessoas, incorrendo em processos exaustivos e mecanizados.(17,30) Uma gestão de processos para o centro cirúrgico focada na segurança do paciente pode dinamizar fluxos ao colocar a enfermagem em protagonismo, tendo por resultado maior produtividade e mais satisfação profissional.(30) Contudo, os modelos atuais de gestão focando em resultados recaem nos ombros da enfermagem na forma de cobranças por agilidade, redução de tempo, giro de sala e outros indicadores.

Sobre a demanda excessiva de trabalho, a sobrecarga impactava negativamente a satisfação com o trabalho e aumentava a vontade de deixar o emprego.(20) A percepção de estresse laboral para profissionais com dois ou mais empregos corrobora com o movimento nacional em defesa da redução de carga-horária para profissionais de enfermagem para 30 horas semanais.

Conclusão

A elevada proporção de profissionais com estresse moderado e elevado merece destaque entre os achados da pesquisa. Não houve diferença entre as variáveis para técnicos e enfermeiros nem quanto ao tipo de vínculo. Ter dois ou mais empregos e trabalhar em horários diurnos está associado a maior percepção de estresse relacionado ao trabalho.

Agradecimentos

À Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, CME e Recuperação Anestésica - SOBECC. Ao NASCECEM.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2024
  • Aceito
    25 Jun 2024
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