Open-access Fidelidade do manequim: efeito na satisfação e autoconfiança de estudantes de enfermagem

Fidelidad del maniquí: efecto en la satisfacción y autoconfianza de estudiantes de enfermería

Resumo

Objetivo  Comparar o efeito da fidelidade do manequim na simulação sobre os níveis de satisfação e autoconfiança com a aprendizagem de estudantes de graduação em enfermagem em relação a administração de medicamento intravenoso ao paciente crítico.

Métodos  Ensaio clínico randomizado, paralelo, duplo cego. Os participantes do estudo foram alocados em Grupo Experimental (manequim de alta fidelidade) e Grupo Controle (manequim de baixa fidelidade) e expostos a sessão de simulação. Nos momentos pré, imediatamente após e 30 dias após a simulação os estudantes preencheram a Escala de Satisfação do Estudante e Autoconfiança na Aprendizagem. Foram utilizados os testes estatísticos Mann Whitney, Qui-quadrado, teste de Wilcoxon e Exato de Fisher. Adotou-se nível de significância de 5%, considerados significativos resultados com valor p ≤ 0,05.

Resultados  Foram avaliados 60 estudantes (31 no Grupo Experimental e 29 no Grupo Controle). Foi significante a redução da satisfação (p = 0,02) e da autoconfiança (p < 0,001) ao longo do período de 30 dias no grupo controle. No grupo experimental verificou-se sustentação dos níveis de satisfação e autoconfiança nas diferentes etapas do estudo.

Conclusão  A alta fidelidade do manequim não se mostrou efetiva para o desenvolvimento de habilidades não técnicas como a satisfação e a autoconfiança quando comparado a baixa fidelidade na administração de medicamentos intravenosos no paciente crítico por estudantes de enfermagem.

Treinamento por simulação; Manequins; Satisfação pessoal; Confiança; Estudantes de enfermagem; Administração de medicamento; Administração Intravenosa; Estado terminal

Abstract

Objective  To compare the effect of the manikin in the simulation on levels of satisfaction and self-confidence with the learning of undergraduate nursing students in relation to the administration of intravenous medication to critically ill patients.

Methods  Randomized, parallel, double-blind clinical trial. Study participants were allocated to the Experimental Group (high-fidelity manikin) and Control Group (low-fidelity manikin) and exposed to the simulation session. Before, immediately after and 30 days after the simulation, students filled out the Student Satisfaction and Self-Confidence in Learning Scale. The Mann Whitney, Chi-square, Wilcoxon test and Fisher’s exact statistical tests were used. A significance level of 5% was adopted, with results considered significant with a p-value ≤ 0.05.

Results  60 students were evaluated (31 in the Experimental Group and 29 in the Control Group). There was a significant reduction in satisfaction (p = 0.02) and self-confidence (p < 0.001) over the 30-day period in the control group. In the experimental group, levels of satisfaction and self-confidence were maintained in the different stages of the study.

Conclusion  The high fidelity of the manikin was not effective for the development of non-technical skills such as satisfaction and self-confidence when compared to low fidelity in the administration of intravenous medications to critically ill patients by nursing students. ClinicalTrials.gov register: NCT03828526

Resumen

Objetivo  Comparar el efecto de la fidelidad del maniquí en simulación sobre los niveles de satisfacción y autoconfianza en el aprendizaje de estudiantes universitarios de enfermería con relación a la administración de medicamentos intravenosos a pacientes críticos.

Métodos  Ensayo clínico aleatorizado, paralelo, doble ciego. Los participantes del estudio fueron asignados a un grupo experimental (maniquí de alta fidelidad) y a un grupo de control (maniquí de baja fidelidad) y tuvieron una sesión de simulación. Los estudiantes completaron la Escala de Satisfacción y Autoconfianza en el Aprendizaje en tres momentos: antes, inmediatamente después y 30 días después de la simulación. Se utilizaron las pruebas estadísticas Mann Whitney, Ji cuadrado, prueba de Wilcoxon y Exacto de Fisher. Se adoptó un nivel de significación del 5 %, donde los resultados con valor p ≤ 0,05 se consideraron significativos.

Resultados  Sesenta estudiantes fueron evaluados (31 en el grupo experimental y 29 en el grupo de control). La reducción de la satisfacción (p=0,02) y de la autoconfianza (p<0,001) fue significativa a lo largo del período de 30 días en el grupo de control. En el grupo experimental, se verificó que se mantuvieron los niveles de satisfacción y autoconfianza en las diferentes etapas del estudio.

Conclusión  La alta fidelidad del maniquí no demostró ser efectiva para desarrollar habilidades no técnicas, como la satisfacción y la autoconfianza, en comparación con el de baja fidelidad, en la administración de medicamentos intravenosos en pacientes críticos por parte de estudiantes de enfermería. ClinicalTrials.gov register: NCT03828526

Entrenamiento simulado; Maniquíes; Confianza; Satisfacción Personal; Estudiantes de enfermería; Administración de fármacos; Administración Intravenosa; Estado critico

Introdução

Incontáveis inovações e mudanças paradigmáticas no contexto acadêmico da graduação em enfermagem nos últimos anos primam pela formação de profissionais com competência não restrita à execução de habilidades técnicas, mas, sobretudo, ao aprimoramento de atitudes e sentimentos que serão cruciais para lidar de forma equilibrada e segura com as atividades inerentes à complexidade da profissão.(1,2)

Desfechos presentes na prática clínica conclamam a necessidade de direcionamento de esforços para correção de fragilidades assistenciais, à medida que erros humanos relacionados ao cuidado, além de não raros, impactam direta ou indiretamente no tratamento de indivíduos doentes e hospitalizados, a exemplo dos erros de medicação cometidos por profissionais de enfermagem.(3,4) A administração de medicamentos em unidades de saúde é responsabilidade legal da enfermagem e deve garantir precisão terapêutica, condição indispensável para minimizar riscos à saúde dos pacientes, a partir essencialmente de habilidades técnicas e não-técnicas.(5,6)

O investimento em estratégias ativas que estimulam estudantes de graduação ao desenvolvimento de habilidades não-técnicas, como a satisfação e autoconfiança, pode ser útil para melhoria do processo de trabalho do futuro profissional enfermeiro.(7-9)

A satisfação pode ser definida como sentimento de prazer ou desapontamento decorrente do desempenho que se espera e do desempenho alcançado, dadas as expectativas de cada indivíduo em relação a experiência.(10) Por sua vez, a autoconfiança se remete à crença em si mesmo ou à convicção de ser capaz de realizar algo e atingir seus próprios objetivos. Este sentimento proporciona benefícios significativos, culminando em resultados positivos para aprendizagem e, consequentemente, para a qualidade do serviço executado.(11)

O uso de manequins na educação baseada em simulação (EBS) durante a formação de enfermeiros não é recente e está atrelado a necessidade de desenvolver competências na ausência do risco de prejudicar pacientes humanos.(12) Manequins de alta fidelidade (MAF), possuem características que valorizam a ideia de realismo ao replicar respostas humanas. Por outro lado, manequins de baixa fidelidade (MBF) são estáticos e possuem mínima capacidade de replicar respostas humanas, portanto são geralmente limitados ao treino de habilidades.(13)

Manequins para simulação de pacientes humanos estão sendo amplamente utilizados na formação de profissionais de enfermagem e acredita-se que os níveis de autoconfiança e de satisfação de estudantes podem ser ainda maiores com auxílio da simulação.(14)

Revisão sistemática aponta que a EBS contribui para a aprendizagem dos estudantes de várias maneiras, mas ainda não há consenso se diferenças na fidelidade do manequim em cenários simulados tem efeito sobre a satisfação e a autoconfiança no processo de aprendizagem.(12)

Neste contexto, o objetivo deste estudo foi comparar o efeito de diferentes fidelidades de manequins empregados na simulação sobre os níveis de satisfação e autoconfiança com a aprendizagem de estudantes de graduação em enfermagem em relação a administração de medicamento intravenoso ao paciente crítico.

Métodos

Ensaio clínico randomizado (ECR), controlado e duplo cego desenvolvido em uma instituição de ensino superior (IES) pública no Distrito Federal, região Centro-Oeste do Brasil, entre março e dezembro de 2019. Foram adotadas as recomendações da Rubrica de Avaliação dos Estudos em Simulação(15) e os padrões da iniciativa CONSORT direcionados aos estudos com simulação.(16)

Houve cegamento do pesquisador principal e do responsável pela análise estatística. Os participantes não foram cegados devido ao esperado efeito de contaminação entre os grupos,(17) que foi reduzido pela estratégia de confinamento durante a intervenção, quando os grupos foram mantidos em ambientes separados.

O tamanho amostral foi calculado considerando significância de 5%, tamanho de efeito médio (d = 0,6), correlação intraclasse média (ρ = 0,50), dois grupos de comparação (g = 2) e a realização de três medidas em cada estudante (n = 3). Desta forma, 30 foi o número de estudantes em cada grupo para garantir poder mínimo de 80%.

A população do estudo compreendeu 88 estudantes regularmente matriculados no sétimo semestre do curso de graduação em enfermagem da IES. Foram incluídos os estudantes com idade igual ou superior a 18 anos e com matrícula ativa na disciplina de assistência de enfermagem ao paciente crítico, ofertada na modalidade obrigatória e presencial. Foram excluídos aqueles que declinaram em alguma etapa ou se recusaram a participar do estudo.

Inicialmente, seis estudantes se recusaram a participar do estudo, sendo os demais, 82, randomizados entre os grupos. A randomização foi realizada por um colaborador externo treinado e ocorreu por meio de sorteio manual usando envelope pardo lacrado com os números dos códigos das intervenções. Cada estudante foi codificado por combinação alfanumérica. Todos os questionários e escalas foram identificados pela codificação individual de cada participante e isso ocorreu em todas as etapas do estudo para manutenção do cegamento e anonimato.

Após a randomização, o total de 41 estudantes constituiu o Grupo Experimental (GE) e os demais 41 constituíram o Grupo Controle (GC). Durante o acompanhamento, houve perda de 10 estudantes do GE e 12 estudantes do GC por motivo de descontinuidade. Desta forma, a amostra do estudo contemplou 60 estudantes, sendo 31 do GE e 29 do GC (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma CONSORT

O cenário simulado foi elaborado seguindo o padrão de boas práticas recomendados pela International Nursing Association for Clinical Simulated and Learning (INACSL).(18) A temática do cenário foi sepse de foco pulmonar com ênfase na administração de medicamento intravenoso, tanto para o GE como para o GC. O diferencial foi o tipo de manequim de paciente, sendo para o GE o MAF Laerdal SimMan®, munido de aparato tecnológico capaz de mimetizar ações e respostas fisiológicas com fidedignidade, imprimindo para o aprendiz elevado padrão de interação, próximo ao real. Para o GC, adotou-se um MBF estático, incapaz de reproduzir respostas fisiológicas e promover interação.

O cenário foi validado por um painel de juízes constituído de cinco docentes da área de enfermagem com experiência em simulação, que ao assistirem a execução do cenário simulado preencheram um instrumento adaptado da proposta de Nascimento e Teixeira.(19) O coeficiente de correlação intraclasse de 0,83 (p<0,001) representou a confiabilidade das medidas realizadas pelos cinco avaliadores, que consideraram o cenário válido e adequado para implementação no estudo.

A simulação contemplou os seguintes momentos: 1) prebriefing, com duração de 15 minutos, para apresentação dos materiais disponíveis e leitura do caso clínico para o estudante por um facilitador treinado; 2) simulação, com duração de 15 minutos, para atuação do estudante e administração do medicamento; e 3) debriefing, com duração aproximada de 15 minutos, para reflexão dos estudantes sobre a vivência simulada.

O caso clínico da simulação contemplou um paciente simulado com sepse de foco pulmonar, fibrilação atrial, tosse produtiva há cinco dias e dores na região retroesternal, que evoluiu com piora hemodinâmica e necessidade de administração de medicamento antiarrítmico intravenoso.

As variáveis demográficas (sexo e idade) e independentes (distribuição percentual de reprovação em disciplinas durante a graduação, vivência simulada prévia e formação prévia na área da saúde) foram obtidas por meio de um Questionário Semiestruturado de Caracterização e Identificação dos Estudantes (QSCIE).

As variáveis dependentes (satisfação na aprendizagem e autoconfiança na aprendizagem) foram obtidas após preenchimento da Escala de Satisfação do Estudante e Autoconfiança na Aprendizagem (ESEAA), composta por 13 itens avaliados por meio de escala likert de 5 pontos, sendo 1 – discordo fortemente da afirmação; 2 – discordo da afirmação; 3 – indeciso, nem discordo nem concordo; 4 – concordo com a afirmação; e 5 – concordo fortemente com a afirmação. A ESEAA possui validade interna de conteúdo para a língua portuguesa expressa pelo Alfa de Cronbach de 0,86 para o constructo satisfação, 0,77 para o constructo autoconfiança e 0,84 para a escala geral.(11)

Os 13 itens da ESEAA são subdivididos em duas partes. São cinco itens relacionados a satisfação com a aprendizagem atual: item 1) Os métodos de ensino utilizados nesta simulação foram úteis e eficazes; item 2) A simulação forneceu-me uma variedade de materiais didáticos e atividades para promover a minha aprendizagem do currículo médico-cirúrgico; item 3) Eu gostei do modo como meu professor ensinou através da simulação; item 4) Os materiais didáticos utilizados nesta simulação foram motivadores e ajudaram-me a aprender; e item 5) A forma como o meu professor ensinou através da simulação foi adequada para a forma como eu aprendo. A autoconfiança na aprendizagem é avaliada por meio dos outros oito itens, sendo: item 6) Estou confiante de que domino o conteúdo da atividade de simulação que meu professor me apresentou; item 7) Estou confiante que esta simulação incluiu o conteúdo necessário para o domínio do currículo médico-cirúrgico; item 8) Estou confiante de que estou desenvolvendo habilidades e obtendo os conhecimentos necessários a partir desta simulação para executar os procedimentos necessários em um ambiente clínico; item 9) O meu professor utilizou recursos úteis para ensinar a simulação; item 10) É minha responsabilidade como o aluno aprender o que eu preciso saber através da atividade de simulação; item 11) Eu sei como obter ajuda quando eu não entender os conceitos abordados na simulação; item 12) Eu sei como usar atividades de simulação para aprender habilidades; e item 13) É responsabilidade do professor dizer-me o que eu preciso aprender na temática desenvolvida na simulação durante a aula.(11)

No tempo 0 (T0) ou baseline, anterior à intervenção, os estudantes preencheram o QSCIE e a ESEAA, sendo essa para avaliar a autoconfiança e satisfação com o processo de aprendizagem prévio à simulação. Tal estratégia foi necessária e motivada pela possibilidade de identificar a linha de base da autopercepção desses sentimentos pelos estudantes, possibilitando assim traçar um perfil ascendente ou descendente das variáveis do estudo.

Uma semana após o T0 os estudantes foram reunidos no auditório da IES, onde tiveram seus celulares recolhidos e acondicionados de forma segura para impedir comunicação com o ambiente externo. Nessa etapa os estudantes participaram de 60 minutos de aula teórica, expositiva e dialogada, preparatória e necessária para o nivelamento do conhecimento à vivência da sessão de simulação. A temática da aula foi “Segurança na administração de medicamentos intravenosos prescritos aos pacientes em unidades de terapia intensiva”. Imediatamente após a aula teórica ocorreu a randomização por sorteio. Respeitando a alocação aleatória, os estudantes foram encaminhados individualmente para simulação de alta fidelidade (GE) ou baixa fidelidade (GC) em diferentes espaços do laboratório. Os cenários foram replicados 31 vezes com MAF e 29 vezes com MBF.

Foi necessário estabelecer um itinerário para garantia de fluxo contínuo e controlado baseado em um modelo de breakpoints. Dessa forma, ao sair do auditório e ser encaminhado ao laboratório de simulação (breakpoint 1), o estudante não teria mais contato com os outros confinados. Da mesma forma, o estudante do GE participando das atividades simuladas com MAF no ambiente 1 do laboratório não tinha contato com o estudante do GC que estava no ambiente 2 realizando a atividade de simulação com MBF (breakpoint 2). Implementou-se, ainda, um terceiro breakpoint para impedir o contato dos estudantes no momento do debriefing, realizado na antessala 1 para o GE e na antessala 2 para o GC. Em todos os momentos os estudantes foram acompanhados por colaboradores de pesquisa. O fluxo dos estudantes no dia da intervenção seguiu o modelo de breakpoints, como pode ser observado em detalhes na figura 2.

Figura 2
Fluxo dos estudantes nos diferentes espaços da IES durante a intervenção

O pesquisador reaplicou a ESEAA imediatamente após a simulação e o debriefing (Tempo 1 – T1). Optou-se por reavaliar a satisfação e a autoconfiança dos estudantes após 30 dias da intervenção (Tempo 2 – T2), para verificar se houve alteração ou estabilidade durante o período em que não houve contato com a metodologia da simulação, visto que a medida quando realizada somente no T1 pode apresentar tendência a superestimação ou subestimação, frente aos sentimentos recém experienciados.

Os dados foram codificados em planilhas do Microsoft Excel® e exportados ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) versão 23. A anormalidade das variáveis foi verificada pelo teste Kolmogorov Smirnov, evidenciando necessidade de uso de testes não-paramétricos. Aplicaram-se os testes Qui-quadrado, Mann-Whitney e Exato de Fisher para as comparações entre o GE e o GC e o teste de Wilcoxon para as análises intragrupo. Assumiram-se como significativos os resultados com valores p ≤ 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde (CEP/FS) da Universidade de Brasília (UnB) sob número CAAE 02151218.1.0000.0030/(Parecer: 3.125.812), em respeito aos preceitos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após aprovação pelo CEP, o estudo foi registrado no Clinical Trials com identificador NCT03828526.

Resultados

Houve equivalência entre os grupos para todas as variáveis de caracterização e identificação (valor p > 0,05). Do total de 60 participantes, 29 constituíram o grupo controle e 31 o grupo experimental, sendo majoritariamente do sexo feminino (GE = 80,6%; GC = 82,2%, p = 0,9), com idade mediana de 22 (21 – 23) anos no GE e 22 (21 – 23) anos no GC (p = 0,3), o que mostrou homogeneidade demográfica entre os grupos. Somente no GE os participantes declararam como formação prévia o curso de técnico de enfermagem (6,5%). O percentual de reprovação foi superior no GE em relação ao GC (83,9% vs. 51,7%). A vivência simulada prévia foi declarada por mais da metade dos estudantes de ambos os grupos (GE = 64,6%; GC = 65,5%, p = 0,9). A formação prévia em outro curso da área da saúde foi observada em 9,7% dos estudantes do GE e 6,9% dos estudantes do GC (p = 0,9). Não houve diferença significativa entre os grupos para os construtos satisfação (p = 0,4) e autoconfiança (p = 0,7) no baseline/T0, indicando nivelamento inicial entre participantes. A ausência significante de diferença entre os grupos se manteve no T1 e no T2 (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação da satisfação e autoconfiança com a aprendizagem dos estudantes entre os grupos experimental e controle nos diferentes tempos do estudo (n = 60)

O gráfico do box plot mostra, na avaliação intragrupo, que não houve alteração significativa da satisfação dos estudantes do GE ao longo do tempo, mesmo com uso de manequim de alta fidelidade, tampouco da autoconfiança (p > 0,05). Especialmente ao longo do período de 30 dias, no GC foi identificada redução significativa da satisfação (p = 0,02). Ainda que imediatamente após a simulação (T1) os estudantes tenham demonstrado autoconfiança significativamente elevada (p = 0,03), não houve sustentação desse sentimento ao longo do período de 30 dias e, pelo contrário, houve significativo declínio com o uso do manequim de baixa fidelidade (p < 0,001), conforme visualizado na figura 3.

Figura 3
Avaliação intragrupo da satisfação e autoconfiança na aprendizagem dos estudantes entre os diferentes tempos do estudo

Discussão

O uso de práticas e técnicas inovadoras no ensino de enfermagem ajuda os estudantes a participarem ativamente do processo de aprendizagem e desenvolver comportamentos cognitivos, psicomotores e atitudinais.(20) Ao analisar as habilidades não técnicas, observa-se que a satisfação dos estudantes de enfermagem não modificou com o uso de MAF, mas com MBF estáticos após a vivência da simulação declinou significativamente (p=0,02). O sentimento de autoconfiança com a aprendizagem, apesar de melhorar imediatamente após a sessão de simulação, também mostrou significativo declínio no GC (simulador de baixa fidelidade) até 30 dias após a sessão de simulação (p < 0,001).

Os resultados da presente investigação contribuem para reforçar que o emprego de metodologia ativa baseada em simulação independentemente da fidelidade dos manequins pode contribuir e favorecer o desenvolvimento de habilidades não técnicas, como a satisfação e autoconfiança com a aprendizagem.

Meta-análise de 37 estudos experimentais e quasi-experimentais evidenciou que a SAF tem quase o mesmo efeito na autoconfiança em comparação com outros métodos de ensino, bem como é ineficaz para a satisfação na aprendizagem,(21) resultados esses que são corroborados na nossa investigação. Ressalta-se que os estudantes que participaram do GE e foram expostos ao uso do manequim de alta fidelidade no presente estudo direcionado a administração de medicamentos intravenosos no paciente crítico mantiveram níveis sustentados de satisfação e autoconfiança ao longo do tempo.

Mesmo na ausência de significativas diferenças entre os grupos, a EBS mostrou-se benéfica para a satisfação e autoconfiança no desenvolvimento de competências não técnicas, em nosso estudo. Tal resultado nos faz repensar minimamente sobre a importância do emprego de metodologias ativas, visto que o desenvolvimento de habilidades diretamente no paciente pode funcionar como potencial gatilho para a ansiedade devido ao medo de prejudicar o paciente e cometer erros.(20)

Na Teoria da Simulação de Jeffries/NLN, a autoconfiança e a satisfação estão entre os conceitos mais importantes.(22) A autoconfiança é importante tanto para estudantes quanto para profissionais de enfermagem.(20) Ser autoconfiante permitirá uma prática mais autônoma e, em última análise, contribuirá para a satisfação do enfermeiro e do paciente.(23) O ganho de autoconfiança e satisfação antes da formatura permite aos estudantes o alcance da satisfação em suas vidas profissionais.(24)

O nível de experiência clínica ou aprendizado prévio dos estudantes deve ser considerado e dados mais substanciais são necessários para identificar os efeitos da simulação de alta fidelidade em diferentes etapas da educação.(25) Não se deve subestimar que o efeito fidelidade também é influenciado por professores, estudantes e design de ensino.(26) Em nosso estudo a aula sobre a temática abordada na sessão de simulação foi ministrada para fins de assegurar maior homogeneidade entre os participantes e os facilitadores foram orientados, para manutenção do mesmo padrão na execução do cenário simulado.

Estratégias de ensino adequadas e baseadas na autonomia dos estudantes podem desenvolver a autoconfiança.(27) Estudantes que possuem autoconfiança podem estar prontos para enfrentar barreiras futuras e estabelecer crença positiva para atingir metas.(28) Dessa forma, mostra-se benéfica a aprendizagem no modelo mais ativo, seja com recurso de alta, média ou baixa fidelidade,(21) como evidenciado no atual estudo.

Recente revisão integrativa de 14 ECR e quase-experimentos nacionais e internacionais sumarizou evidências da simulação enquanto metodologia ativa, inovadora e promissora para o ensino de administração de medicamentos, inclusive em relação à ganhos de satisfação e autoconfiança de estudantes de enfermagem.(29) Ainda que a simulação seja universalmente reconhecida como estratégia promissora, o efeito das diferentes fidelidades dos simuladores no processo de aprendizagem ainda não se mostra totalmente consolidado,(12) o que ilumina e ressalta a relevância científica dos nossos achados.

Níveis elevados de satisfação e autoconfiança podem ser alcançados quando, a partir da estratégia de simulação, o estudante pode treinar tantas vezes quantas necessárias para conseguir desempenhar atividades com qualidade.(30) No presente estudo, cada estudante pôde participar do cenário de alta ou baixa fidelidade individualmente uma única vez, o que reduziu a possibilidade de repetição do cenário para correção das falhas, sendo tal reflexão emergida no momento do debriefing.

Os estudantes participantes do presente estudo foram expostos a curto tempo de simulação sem repetição da cena, o que configura reduzida oportunidade para consolidação completa do que foi aprendido e, exacerba a percepção das falhas em detrimento aos acertos e pontos positivos, culminando em sentimentos negativos, que se refletiram em menores pontuações nos constructos da ESEAA, ainda que tivessem vivência prévia de aprendizagem baseada em simulação. Esse resultado pode ser explicado ao passo que a dose da aprendizagem é proporcional ao desenvolvimento de competências técnicas e não-técnicas, como a satisfação e a autoconfiança.(31)

Esses achados agregam mais um degrau em direção a compreensão da simulação enquanto estratégia promissora e potencial geradora de sentimentos de autoconfiança e satisfação em estudantes de enfermagem.

Estatisticamente, o reduzido tamanho amostral pode ter dificultado o estabelecimento de relações causais entre as intervenções e os desfechos. Como os dados foram coletados em única IES, deve-se ter cautela ao generalizar os achados para diferentes contextos. Ainda assim nosso resultado se mostra diferenciado por ser um dos poucos estudos a propor esta avaliação em três diferentes momentos no tempo, possibilitando avaliar a curva de aprendizagem dos estudantes.

Conclusão

A alta fidelidade do manequim não se mostrou efetiva para o desenvolvimento de habilidades não técnicas, como a satisfação e a autoconfiança, quando comparado a baixa fidelidade na administração de medicamentos intravenosos no paciente crítico por estudantes de enfermagem.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de Mestrado para Santana BS).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2023
  • Aceito
    1 Jul 2024
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