Open-access Implementation intention na adesão aos antidiabéticos orais: validação de estratégia de intervenção

Implementation intention en la adhesión a los antidiabéticos orales: validación de estrategia de intervención

Resumo

Objetivo  Desenvolver e validar uma estratégia de intervenção breve baseada no conceito de implementation intention para promover adesão aos antidiabéticos orais em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 em acompanhamento na atenção primária.

Método  Estudo metodológico realizado em uma unidade de saúde primária de Carmo do Cajuru, Minas Gerais, Brasil, no período de Mai/2022-Abri/2023. As etapas percorridas envolveram a construção da intervenção baseada no conceito de implementation intention, com a validação de seu conteúdo por sete especialistas e avaliação da sua compreensibilidade por 11 pessoas com diabetes mellitus tipo 2. O comitê de especialistas avaliou a relevância, compreensibilidade e abrangência da intervenção e o público-alvo avaliou exclusivamente sua compreensibilidade por meio de uma entrevista cognitiva. A concordância entre os especialistas foi avaliada pelo índice de validade de conteúdo (IVC) do item e total, sendo considerado satisfatório, IVC do item e total ≥ 0,85.

Resultados  A estratégia de intervenção foi denominada “Plano de enfrentamento de dificuldades para tomar os antidiabéticos orais” e sua versão final validada foi composta por um conjunto de instruções iniciais, um tópico sobre o comportamento pretendido, uma coluna com 13 possíveis dificuldades e uma coluna com 16 possíveis soluções para as dificuldades listadas. Foi obtido um IVC-total de 0,99; a estratégia de intervenção foi compreendida pelo público-alvo.

Conclusão  A estratégia de intervenção breve obteve evidência de validade de conteúdo. Esta tecnologia poderá fundamentar e motivar a prática de profissionais da saúde, principalmente do(a)s enfermeiro(a)s, para melhorar sua abordagem junto aos usuários com diabetes mellitus tipo 2 em relação à adesão aos antidiabéticos orais.

Adaptação psicológica; Diabetes mellitus tipo 2; Adesão à medicação; Hipoglicemiantes; Atenção Primária à Saúde; Estratégias de saúde

Abstract

Objective  To develop and validate a brief intervention strategy based on the concept of implementation intention to promote adherence to oral antidiabetics in people with type 2 diabetes mellitus being monitored in primary care.

Method  This is a methodological study carried out in a primary health unit in Carmo do Cajuru, Minas Gerais, Brazil, from May 2022 to April 2023. The stages taken involved intervention construction based on the concept of implementation intention, with validity of its content by seven experts and assessment of its comprehensibility by 11 people with type 2 diabetes mellitus. An expert committee assessed the intervention’s relevance, comprehensibility and comprehensiveness, and the target audience exclusively assessed their comprehensibility through a cognitive interview. Agreement among experts was assessed by the item and total Content Validity Index (CVI), with item and total CVI being considered satisfactory ≥ 0.85.

Results  The intervention strategy was called “Plan for coping with difficulties in taking oral antidiabetics”, and its final validated version was composed of a set of initial instructions, a topic on intended behavior, a column with 13 possible difficulties and a column with 16 possible solutions to the difficulties listed. A total CVI of 0.99 was obtained, and the intervention strategy was understood by the target audience.

Conclusion  The brief intervention strategy obtained evidence of content validity. This technology can support and motivate healthcare professionals’ practice, especially nurses, to improve their approach to users with type 2 diabetes mellitus in relation to adherence to oral antidiabetic medications.

Resumen

Objetivo  Elaborar y validar una estrategia de intervención breve basada en el concepto de implementation intention para promover la adhesión a los antidiabéticos orales en personas con diabetes mellitus tipo 2 que realizan seguimiento en la atención primaria.

Métodos  Estudio metodológico realizado en una unidad de salud primaria de Carmo do Cajuru, Minas Gerais, Brasil, entre mayo de 2022 y abril de 2023. Las etapas llevadas a cabo fueron la elaboración de la intervención basada en el concepto de implementation intention, la validación del contenido por siete especialistas y la evaluación de la comprensibilidad por 11 personas con diabetes mellitus tipo 2. El comité de especialistas evaluó la relevancia, la comprensibilidad y el alcance de la intervención, y el público destinatario evaluó solo la comprensibilidad mediante una entrevista cognitiva. La concordancia entre los especialistas se evaluó mediante el índice de validez de contenido (IVC) de los ítems y total, donde se consideró satisfactorio IVC de los ítems y total ≥ 0,85.

Resultados  La estrategia de la intervención fue denominada “Plan para enfrentar las dificultades de tomar antidiabéticos orales” y su versión final validada estuvo compuesta por un conjunto de instrucciones iniciales, un tópico sobre el comportamiento esperado, una columna con 13 dificultades posibles y una columna con 16 soluciones posibles para las dificultades enumeradas. Se obtuvo un IVC total de 0,99, y la estrategia de intervención fue comprendida por el público destinatario.

Conclusión  La estrategia de intervención breve obtuvo evidencia de validez de contenido. Esta tecnología podrá justificar y motivar la práctica de profesionales de la salud, principalmente de enfermeros(as), para mejorar su forma de abordar a los pacientes con diabetes mellitus tipo 2 respecto a la adhesión a los antidiabéticos orales.

Adaptación psicológica; Diabetes mellitus tipo 2; Cumplimiento de la medicación; Hipoglucemiantes; Atención Primaria de Salud; Estrategias de salud

Introdução

Ensaios controlados randomizados e revisões sistemáticas têm mostrado que a adesão aos medicamentos antidiabéticos orais (ADOs) é um comportamento complexo. As principais barreiras identificadas para a não adesão aos ADOs em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) estão relacionadas aos seguintes fatores: pessoais (idade, condições socioeconômicas, nível educacional etc.); complexidade do regime terapêutico (duração do tratamento, número de comorbidades, presença de complicações, polifarmácia, classe dos ADOs prescritos etc.) e fatores relacionados aos serviços de saúde (custos com o tratamento, acesso aos serviços de saúde, frequência de consultas etc.). Além disso, falta consenso sobre o que é uma adequada adesão ao tratamento do DM2.(1-4)

Por outro lado, tem sido recomendado que a elaboração de intervenções seja sustentada por uma avaliação individual das crenças, potenciais barreiras, experiências com o uso de medicamentos, recursos disponíveis e o contexto da prática clínica onde o tratamento será realizado.(1,3,5) Argumenta-se também que intervenções baseadas em modelos teóricos podem ser mais efetivas para produzir resultados benéficos quanto aos comportamentos relacionados à saúde, incluindo a adesão medicamentosa.(3,5-7)

Modelos teóricos têm sido usados para elucidar e otimizar a adoção de comportamentos relacionados à saúde, incluindo o comportamento de aderir ao uso dos medicamentos. Em alguns deles, a intenção ou motivação é o principal determinante do comportamento.(7-9) Porém, apesar das intenções positivas, lacunas podem impedir que as pessoas possam traduzir sua intenção em comportamento.(8)O conceito de implementation intention preconiza que as pessoas com intenção positiva elaborem planos de superação de barreiras para favorecer a realização do comportamento desejado, reduzindo a lacuna entre intenção e implementação do comportamento.(8)

Implementation intention são planos no formato “se...então” (“if...then”) que objetivam identificar barreiras que dificultam a realização do comportamento relacionando-as com os planos de superação (“se a situação “A” ocorrer, então realizarei a ação “B” para efetivar o comportamento “C”). Este modelo teórico permite que as pessoas mentalmente automatizem a execução de comportamentos planejados, passem a lidar mais rapidamente com situações críticas e tornem-se o centro do processo de cuidar, pois suas preferências e valores foram considerados, contribuindo para a satisfação pessoal e maior flexibilidade para realizar o comportamento pretendido.(8,10)

Em geral, enfermeiros da atenção primária são a maior força de trabalho, sendo fundamentais para fortalecer este nível de saúde.(11,12) Assim, é promissor o desenvolvimento por estes profissionais de intervenções baseadas no conceito de implementation intention para promover a adesão de pessoas com DM2 aos ADOs. Um estudo clínico randomizado foi conduzido no Brasil para verificar o efeito de planos if...then em pessoas com DM2 em uso de ADOs acompanhadas na atenção primária. Foi observado que o programa de intervenção melhorou significantemente o comportamento de adesão, os níveis de hemoglobina glicada e o estresse relacionado ao DM2. Porém, o tempo para desenvolver os planos e a intervenção foi estendido.(3,13)

Segundo nossa hipótese, compilar estes planos if...then pode facilitar a aplicação desta tecnologia na prática clínica e contribuir para uma maior adesão e satisfação das pessoas com DM2. Portanto, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e validar uma estratégia de intervenção breve baseada no conceito de implementation intention para promover a adesão ao uso de antidiabéticos orais em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 em acompanhamento na atenção primária.

Métodos

Estudo do tipo metodológico. Estes estudos descrevem a lógica, os processos de tomada de decisão, os métodos e achados desde o início da intervenção até sua versão disponível para os testes de viabilidade, piloto ou de eficácia antes de um ensaio clínico randomizado.(14)

As etapas percorridas envolveram a construção da estratégia de intervenção, a validação de seu conteúdo por um comitê de especialistas e a avaliação de sua compreensibilidade junto ao público-alvo. A coleta de dados ocorreu em domicílios atendidos por uma unidade de saúde primária localizada em Carmo do Cajuru, (MG, Brasil) entre maio de 2022 e abril de 2023.

A primeira etapa foi baseada em resultados de estudos anteriores(3,13) que identificaram barreiras e soluções para efetivar o comportamento de tomar os ADOs em pessoas com DM2 em seguimento na atenção primária usando o conceito de implementation intention.(8) Tais estudos identificaram diferentes situações (esquecimento, presença de eventos adversos e incompreensão do motivo de uso dos ADOs, entre outros.) que podem ocorrer no cotidiano (trabalho ou lazer) de pessoas com DM2 e podem ser consideradas dificultadoras para a tomada de ADOs. Além disso, eles listaram planos de superação destes desafios (tais como planos para possibilitar melhor visualização das caixas de medicamentos e estabelecer uma rotina para alimentação), conforme os conceitos teóricos do implementation intention.(8)

No presente estudo, foi realizada leitura exaustiva dos planos e soluções propostos em estudos anteriores(3,13) para construir uma estratégia de intervenção a partir da categorização, por similaridade, dos planos para adesão ao uso de ADOs. Os itens seguintes foram considerados como essenciais: título, descrição do comportamento esperado, listas de obstáculos para tomar os ADOs e as respectivas soluções e um espaço para relacionar as dificuldades com as soluções elencadas.

A validação de conteúdo foi realizada por um comitê de especialistas. Para recrutar os especialistas foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro, mestre ou doutor, especialista na área (diabetes mellitus, adesão medicamentosa ou comportamento em saúde), conhecimento e/ou habilidade adquiridos por experiência profissional mínima de um ano (assistência, ensino ou pesquisa), experiência no desenvolvimento de tecnologias em saúde e estudos de validação. Foram excluídos os que responderam ao instrumento de coleta de dados de forma incompleta e/ou não o devolveram no prazo de 30 dias.

A busca por especialistas foi realizada na Plataforma Lattes (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq) inserindo os termos “diabetes mellitus tipo 2”, “adesão medicamentosa”, “uso seguro de medicamentos” e “estudos de validação”. Foram convidados 19 profissionais por meio de uma rede de contatos: 12 deles não retornaram, e a amostra resultou em sete especialistas. O número mínimo de seis especialistas foi considerado conforme recomendação prévia envolvendo a elaboração de escalas psicométricas.(15)

Para a coleta de dados, os participantes receberam uma carta convite contendo: objetivo do estudo, termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), estratégia de intervenção breve e um instrumento de caracterização sociodemográfica (iniciais, sexo, idade (anos completos), tempo de formação, cidade onde trabalha, titulação, ocupação atual, tempo de formação, local de trabalho, experiência assistencial e docente com publicação na área).

Os especialistas foram então convidados a avaliar a intervenção usando um formulário composto por uma escala tipo Likert de quatro pontos. De acordo com o Consensus-based Standards for the selection of health Measurement Instruments (COSMIN)(16)três propriedades foram avaliadas: Relevância (se o item é considerado relevante ao construto conforme a população e o contexto de uso: 1. definitivamente não é relevante; 2. não relevante; 3. relevante e 4. definitivamente relevante); Compreensibilidade (se o item é considerado compreensível pela população de interesse como pretendido: 1. definitivamente não compreensíveis, 2. não compreensíveis, 3. compreensíveis e 4. definitivamente compreensível) e Abrangência (se todos conceitos-chave e dimensões necessárias foram incluídos: 1. não abrangente, 2. ligeiramente abrangente, 3. abrangente e 4. fortemente abrangente).

Após a validação pelo comitê de especialistas, a estratégia de intervenção foi aplicada na população-alvo para avaliação de sua compreensibilidade. Por meio de um cadastro de pessoas com DM2 realizado por agentes comunitários de saúde da unidade, a interventora convidou os participantes ao estudo via contato telefônico. No dia agendado, ela foi ao domicílio dos participantes para a coleta de dados. Foram incluídas pessoas com idade ≥18 anos com DM2, que usam ADOs por pelo menos seis meses, em acompanhamento na unidade de saúde relacionada ao estudo e que mostraram capacidade para estabelecer comunicação efetiva.(17)Foram excluídas pessoas às quais ADOs eram administrados por um cuidador, que estiveram internadas nos últimos 30 dias ou apresentaram complicações graves do DM2. Foram incluídos 11 participantes; este número foi definido pelo critério de saturação.(18)Foi realizada uma entrevista para coletar as características sociodemográficas e clínicas (I. Identificação do usuário; II. Perfil sociodemográfico: sexo, estado civil, escolaridade, arranjo familiar e renda familiar; III. Caracterização clínica: tempo de diagnóstico de DM2, tratamento medicamentoso prescrito atual, tempo de uso dos ADOs e modo de acesso aos medicamentos) e para aplicar a estratégia de intervenção.

Ao disponibilizar a ferramenta impressa aos participantes, a interventora leu as instruções e explicou que eles deveriam ler e identificar as dificuldades enfrentadas por eles enfrentadas para tomar os ADOs e, então, elencar as soluções mais adequadas. Finalmente, os participantes deveriam relacionar, cada dificuldade com a solução escolhida para sua superação.

Ao finalizar o preenchimento da estratégia de intervenção, foi usada a técnica da entrevista cognitiva(19) para investigar a compreensão, a presença de ambiguidades, as interpretações errôneas dos itens, bem como avaliar a aceitação do layout e as instruções para preenchimento. A interventora se dirigiu aos participantes mostrando interesse em ouvi-los; em seguida, ela fez algumas perguntas para verificar se a estratégia de intervenção foi de fato compreendida. As sugestões e comentários feitos pelos participantes foram anotados e usados para alterar os itens da estratégia. Os itens avaliados são apresentados no quadro 1.

Quadro 1
Itens para avaliar a compreensibilidade e questões relacionadas

Os dados foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS; v. 21.0). Para analisar a concordância dos especialistas sobre os itens da estratégia de intervenção, foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) usando o cálculo do Item-Level Content Validity Index (I-CVI) (que corresponde à concordância dos especialistas com cada item avaliado) e o IVC-total. O valor do I-CVI foi calculado dividindo o número de especialistas que pontuaram escores 3 ou 4 neste item pelo número total de especialistas; o IVC-total corresponde à média de todos I-CVI. O item que obteve média ≥0,85 foi considerado como desejado na validação.(20) Foi realizado o teste binomial para mensurar a proporção de concordância de cada item entre os especialistas; uma proporção de concordância ≥85% foi considerada satisfatória. Para as demais análises foi considerado um nível de significância de 5%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente (parecer 5.394.132) (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 56885422.5.0000.5545) e cumpriu as exigências da Resolução 466/2012 (Conselho Nacional de Saúde, CNS). Todos participantes assinaram o TCLE.

Resultados

A estratégia de intervenção breve foi denominada “Plano de enfrentamento de dificuldades para tomar antidiabéticos orais”. O conteúdo foi validado por sete especialistas. Todos participantes eram enfermeiros, com idade média de 37,4 (±6,7) anos e tempo médio de formação de 14,1(±7,3) anos. A maioria (n=5; 81,3%) era docente e doutor em instituições públicas de ensino superior; outros (n=2; 18,8%) eram enfermeiros especialistas assistenciais na atenção primária ou secundária. Todos especialistas tinham publicação com temas relacionados ao DM ou comportamentos em saúde. Na etapa de validação de conteúdo, o IVC-total foi 0,99; o teste binomial evidenciou significância estatística (p<0,001) para concordância ≥0,85 entre os especialistas em todos itens avaliados (Tabela 1).

Tabela 1
Concordância dos especialistas sobre os itens da estratégia de intervenção breve

Na etapa de validação com especialistas, apenas uma rodada foi necessária; porém, alguns fizeram sugestões para melhorar a estratégia de intervenção (Quadro 2). Na etapa de aplicação junto ao público-alvo para verificar a compreensibilidade (entrevista cognitiva), participaram 11 pessoas com DM2 em uso de ADO há 4(±1,1) anos e com média de idade de 59,5(±9,1) anos. A média de escolaridade foi 6,1(±1,9) anos. Sete (77,0%) participantes moravam com companheiro(a) e tinham renda média de 2,5(±0,9) salários-mínimos (em 2023: R$1.302,00). Todas sugestões dadas pelo público-alvo foram aceitas independentemente do valor obtido pelo IVC. Nas entrevistas cognitivas, os participantes referiram que “são coisas que acontecem mesmo, que atrapalham a rotina de tomar o remédio; ficou muito bom” (Participante 1); “gostei do quadro” (referindo-se ao layout), “vai ajudar muito a pensar em como melhorar a rotina de tomar o remédio” (Participante 4); “vou usar esse jeito de pensar para não esquecer de tomar meus remédios” (Participante 9); “foi fácil de ligar as dificuldades com as soluções” (Participante 8) (Quadro 2).

Quadro 2
Modificações realizadas na estratégia de intervenção breve a partir das sugestões de especialistas e público-alvo

O quadro 3 apresenta a versão final da estratégia de intervenção; ela foi composta por um guia contendo instruções, um tópico explicando o comportamento pretendido e colunas com possíveis dificuldades (13) e soluções (16).

Quadro 3
Versão final da estratégia de intervenção

Discussão

Pessoas com DM2 frequentemente relatam dificuldades para tomar os medicamentos prescritos devido à complexidade dos regimes terapêuticos, crenças sobre os medicamentos e acesso aos serviços de saúde.(1,2,21)

Neste contexto, intervenções conduzidas por enfermeiros e centradas nas pessoas podem ser altamente eficazes para promover o comportamento de adesão aos ADOs.(2,3)Estes profissionais têm proposto tecnologias, tais como cartilhas educativas,(6) instrumentos de medidas(22) e tecnologias móveis(23) para efetivar o comportamento de adesão medicamentosa. Contudo, ainda não foi divulgada uma intervenção breve, construída e validada para este fim com foco no perfil dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Este estudo compilou barreiras e soluções para efetivar a tomada de ADOs com base no conceito da implementation intention. A partir deste modelo teórico, é possível formar planos do tipo “se... então” (“if...then”) e então construir metas individuais, realistas, sucintas, fáceis de entender e definidas pela própria pessoa. Assim, uma intervenção com essas características é promissora às pessoas atendidas em serviços de atenção primária no Brasil uma vez que os baixos níveis de escolaridade e literacia em saúde prevalecem nesta população e são desafios aos profissionais da saúde para mudanças de comportamento.

A validação de conteúdo por um comitê de especialistas foi uma das etapas realizadas. Nesta etapa foi constatado que os itens incluídos eram relevantes, compreensíveis e abrangentes quanto aos conceitos necessários para disponibilizar a intervenção. A validação de conteúdo é um dos tipos de validação de instrumentos de medida de variáveis subjetivas, sendo definida como a condição na qual os itens mensurados correspondem ao construto a ser aferido. Assim, esta é uma etapa fundamental em que falhas podem comprometer a medida proposta.(17,23) Este tipo de validação também tem sido aplicado para validar o conteúdo de taxonomias,(24) questionários de entrevista motivacional(25)e estratégias de intervenção(26) a exemplo do presente estudo. Durante esta etapa, todos os itens avaliados obtiveram I-CVI e IVC-total satisfatórios conforme recomendado pela literatura.

A avaliação da compreensão pelo público-alvo foi outra etapa percorrida neste estudo. A partir da técnica de entrevista cognitiva,(19) os participantes puderam avaliar a intervenção e relatar as dificuldades identificadas no conteúdo e aparência. Neste estudo, cinco itens (título, dificuldades 1, 7 e 8 e solução 11) não apresentaram total compreensão pelo público-alvo sendo alterados após as sugestões recebidas. Os resultados da entrevista cognitiva mostraram os aspectos positivos desta estratégia. Sua viabilidade foi apoiada pelos participantes em falas direcionadas a: contribuição da intervenção para tomar os ADOs, facilidade para identificar barreiras e possibilidade de compreender a importância não só do autogerenciamento do DM2 mas também da adesão medicamentosa. Além disso, os participantes relataram satisfação pois se sentiram acolhidos com a experiência da participação.

O desenvolvimento de uma estratégia de intervenção baseada em um referencial teórico robusto(8) e os critérios de avaliação da validação de conteúdo apoiados por recomendação metodológica internacional(16) são os pontos fortes deste estudo. Quanto às limitações, a inclusão recomendada de um membro da população-alvo no comitê de especialistas não foi realizada. Porém, a participação e opinião dessas pessoas foi valorizada durante a entrevista cognitiva como recomendado pela literatura.(27) A desejabilidade social também pode ser considerada uma limitação. Ela se refere ao viés cognitivo ou comportamental em que os participantes respondem de uma maneira enviesada ou tendenciosa para apresentar uma imagem socialmente aceitável de si mesmos em detrimento da veracidade ou precisão das respostas. Esse fenômeno está associado à busca de aprovação social e minimização de comportamentos ou traços considerados socialmente indesejáveis.(28) Para minimizar esse viés, os participantes que tiveram contato anterior com os autores do estudo não foram incluídos. Finalmente, pode ser considerado o viés de memória referente à distorção sistemática das lembranças e recordações dos participantes, influenciando a precisão e a confiabilidade dos dados coletados.

Para mensurar a eficácia e efetividade da intervenção, futuros estudos são recomendados em uma amostra representativa da população-alvo. A realização de estudos de viabilidade, explorando logística, recursos e desafios práticos da implementação da intervenção em cenários de cuidados de saúde reais, fornecerá insights valiosos para assegurar sua aplicabilidade e sustentabilidade no contexto clínico. Uma abordagem mais aprofundada sobre a aceitação, adesão e satisfação dos usuários com a intervenção também pode enriquecer a compreensão de seus efeitos e limitações, contribuindo para seu refinamento contínuo e adaptação às necessidades clínicas e contextuais.

Conclusão

A estratégia de intervenção breve foi sustentada por evidências satisfatórias de validade de conteúdo. Esta tecnologia pode fundamentar e motivar profissionais da saúde da atenção primária, principalmente enfermeiro(a)s, a aperfeiçoarem sua abordagem às pessoas com diabetes mellitus tipo 2 em relação à adesão aos antidiabéticos orais. Esquecimento, ausência de rotina para realizar refeições e eventos adversos foram algumas barreiras incluídas nesta tecnologia em saúde. Os principais planos de enfrentamento envolveram ações do cotidiano como deixar os comprimidos em local de fácil acesso e estabelecer rotinas para se alimentar.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001”.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    2 Out 2023
  • Aceito
    17 Jun 2024
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