Open-access Concordância interavaliadores do protocolo de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia

Concordancia entre evaluadores del protocolo de acogida y clasificación del riesgo en obstetricia

Resumo

Objetivo  Determinar o grau de concordância, sensibilidade e especificidade da prioridade de atendimento determinada por enfermeiros interavaliadores, a partir do uso do protocolo de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia, em unidade de pronto atendimento obstétrico.

Métodos  Estudo transversal, com abordagem metodológica, realizado em uma maternidade-escola de Belo Horizonte-MG-Brasil, no período de setembro a novembro de 2020. Realizado em duas etapas: 1) Documental com avaliação dos registros de enfermeiros classificadores nos prontuários de gestantes, parturientes ou puérperas; 2) Entrevista com enfermeiros treinados e não treinados na classificação de risco. Realizou-se análise de sensibilidade, especificidade e empregou-se o coeficiente Kappa (k) para avaliar a concordância.

Resultados  Evidenciou-se que o grau de concordância Interavaliadores (enfermeiros treinados e não treinados) foi considerado moderado a forte (k= 0,47 e 0,77). Verificou-se tendência na subestimação das prioridades vermelha (sensibilidade de 85%; especificidade de 99%) e amarela (sensibilidade de 54%; especificidade de 85%), bem como superestimação na prioridade verde (sensibilidade de 62%; especificidade de 84%) e azul (sensibilidade de 89%, especificidade de 98%), porém sem diferenças significativas. Apesar da concordância e especificidade satisfatória, a sensibilidade foi baixa, devido aos índices de subestimação e superestimação na classificação de risco.

Conclusão  O protocolo é confiável para determinação da prioridade de atendimento em obstetrícia, porém houve baixa sensibilidade, diante de sua aplicação na determinação da prioridade de atendimento por enfermeiros treinados e não treinados.

Acolhimento; Risco; Medição de risco; Enfermagem em emergência; Gestantes; Maternidades; Sensibilidade e especificidade

Abstract

Objective  To determine the degree of agreement, sensitivity and specificity of the priority of care determined by inter-rater nurses, based on the use of the protocol for care and risk classification in obstetrics, in an obstetric emergency unit.

Method  Cross-sectional study with a methodological approach, carried out in a maternity school in Belo Horizonte-MG-Brazil, from September to November 2020. It was carried out in two stages: 1) Documental with an evaluation of the records of nurse classifiers in the medical records of pregnant women, parturients or puerperal women; 2) Interviews with trained and not trained nurses in risk classification. Sensitivity and specificity were analyzed and the Kappa coefficient (k) was used to assess agreement.

Results  The degree of inter-rater agreement (trained and not trained nurses) was found to be moderate to strong (k= 0.47 and 0.77). There was a tendency to underestimate the red (sensitivity of 85%; specificity of 99%) and yellow priorities (sensitivity of 54%; specificity of 85%), as well as overestimate the green (sensitivity of 62%; specificity of 84%) and blue priorities (sensitivity of 89%, specificity of 98%), although there were no significant differences. Despite satisfactory agreement and specificity, sensitivity was low, due to the rates of underestimation and overestimation in risk classification.

Conclusion  The protocol is reliable for determining priority of care in obstetrics, but its sensitivity was low when applied to determining priority of care by trained and not trained nurses.

Resumen

Objetivo  Determinar el nivel de concordancia, sensibilidad y especificidad de la prioridad de asistencia determinada por enfermeros interevaluadores, a partir del uso del protocolo de acogida y clasificación del riesgo en obstetricia, en una unidad de servicios de emergencias obstétricas.

Métodos  Estudio transversal con enfoque metodológico, realizado en una maternidad escuela de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de septiembre a noviembre de 2020. Fue realizado en dos etapas: 1) documental con análisis de los registros de enfermeros clasificadores en las historias clínicas de mujeres embarazadas, parturientas o puérperas; 2) entrevista con enfermeros capacitados y no capacitados en clasificación del riesgo. Se realizó análisis de sensibilidad, especificidad y se empleó el coeficiente Kappa (k) para evaluar la concordancia.

Resultados  Se observó que el nivel de concordancia entre evaluadores (enfermeros capacitados y no capacitados) fue considerado de moderado a fuerte (k= 0,47 e 0,77). Se verificó una tendencia de subestimación de la prioridad roja (sensibilidad de 85 %; especificidad de 99 %) y amarilla (sensibilidad de 54 %; especificidad de 85 %), así como una sobrestimación de la prioridad verde (sensibilidad de 62 %; especificidad de 84 %) y azul (sensibilidad de 89 %, especificidad de 98 %), pero sin diferencias significativas. A pesar de que la concordancia y la especificidad fueron satisfactorias, la sensibilidad fue baja, debido a los índices de subestimación y sobrestimación en la clasificación del riesgo.

Conclusión  El protocolo es confiable para determinar la prioridad de asistencia en obstetricia, pero se observó baja sensibilidad al ser aplicado por enfermeros capacitados y no capacitados para determinar la prioridad de asistencia.

Acogimiento; Riesgo; Medición de riesgo; Enfermería de urgencia; Mujeres embarazadas; Maternidades; Sensibilidad y especificidad

Introdução

O Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR) se refere ao ato de acolher com escuta ativa. Ademais, determina a prioridade de atendimento do paciente em situação de urgência e emergência.(1)

Em razão dessas situações, os profissionais da saúde, atuantes nas unidades de urgência e emergência, em especial os enfermeiros, necessitam ter conhecimento, habilidade e atitude para acolher, classificar o risco e determinar a prioridade de atendimento do usuário de saúde nesses serviços.(2) Além disso, é necessária avaliação criteriosa das condições clínicas do paciente, de acordo com a queixa do usuário. Para isso, é preciso seleção rápida e imediata das informações coletadas com intervenção eficaz e eficiente.(1)

Na obstetrícia, a proposta do Acolhimento e Classificação de Risco A&CR surgiu no município de Belo Horizonte, em 2010, com a criação de um protocolo específico para os atendimentos às demandas relativas ao processo gravídico e puerperal.(3) No âmbito nacional, ocorreram mudanças criadas a partir da Rede Cegonha, com a obrigatoriedade de realização do A&CR nos serviços de atenção obstétrica.(4) A Atenção Materno Infantil (RAMI) foi revogada, e a Rede Cegonha retomada enquanto estratégia de modo a reforçar da importância do A&CR e a estratificação de risco, nos serviços de atenção obstétrica e neonatal, seguindo as diretrizes clínicas e normativas do Ministério da Saúde (MS).(5,6)

Para seguir essas diretrizes, o MS desenvolve tecnologias em saúde, destacando-se, portanto o Protocolo de Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia (A&CR–O), o qual tem como propósito melhorar os indicadores de morbimortalidade materna e neonatal, mitigar a peregrinação materno infantil, descongestionar as unidades de urgência e emergência, promover linguagem padronizada e sistemática de atendimento, a fim de guiar a prática profissional nas maternidades e nos diferentes serviços de obstetrícia do Brasil.(7,8)

O intuito do presente estudo é certificar a reprodutibilidade de tal protocolo como tecnologia válida, segura e favorável ao direcionamento no julgamento clínico em saúde; para a identificação do discriminador de classificação de risco (CR) e dos indicadores clínicos em saúde, os quais fundamentam a determinação da prioridade de atendimento,(1,9) bem como ocorrem em outras escalas e protocolos de obstetrícia.(7,8,10-16)

Portanto, objetivou-se determinar o grau de concordância interavaliadores, sensibilidade e especificidade da prioridade de atendimento determinada por enfermeiros, a partir do uso do protocolo de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia, em unidade de pronto atendimento obstétrico.

Métodos

O estudo ocorreu em uma maternidade-escola filantrópica, não governamental, vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS) situada em Belo Horizonte-MG-Brasil. Trata-se de um serviço de saúde que possui leitos obstétricos e neonatais, reconhecido como referência nacional para a humanização da assistência ao parto e ao nascimento. Para a construção do estudo utilizou-se abordagem metodológica de caráter transversal, em que analisou a reprodutibilidade do protocolo A&CR-O do MS, por meio de duas etapas: a primeira documental, retrospectiva, com avaliação dos registros de enfermeiros classificadores em prontuários de gestantes, parturientes e/ou puérperas; a segunda foi uma entrevista semiestruturada com enfermeiros treinados e não treinados na classificação de risco.(8)

A coleta de dados ocorreu entre setembro e novembro de 2020. Devido a pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19), modificou-se a configuração da pesquisa, sendo necessário, para redução da exposição, uma coleta retrospectiva dos dados e não-participativa junto aos casos atendidos no pronto atendimento. O tamanho amostral foi alcançado a partir do cálculo considerando a proporção (p) estimada da população desconhecida. Considerou-se concordância de pelo menos 80% (p = 0,80) para o grau de concordância interavaliadores, uma margem de erro de 10% sobre tal estimativa e intervalo de 95% de confiança. A amostra final foi de 270 avaliações do Protocolo de A&CR–O, conforme a tabela 1.

Tabela 1
Número de registros avaliados, conforme a prioridade clínica por cores

No que tange ao nível de prioridade de atendimento e sua classificação por cores, seguiu-se o preconizado pelo Protocolo de A&CR-O(5), que preconiza: Vermelho – Prioridade I (Emergência - atendimento imediato); Laranja – Prioridade II (Maior Urgência - atendimento em até 15 minutos); Amarelo – Prioridade III (Urgência – atendimento em até 30 minutos); Verde – Prioridade IV (Menor Urgência - atendimento em até 120 minutos) e; Azul – Prioridade V (não urgente – atendimento não prioritário ou encaminhamento conforme pactuação).

A seleção dos prontuários aconteceu aleatoriamente por meio de sorteio das cores da CR. Para isso, foi realizada a busca dos números de identificação dos prontuários das mulheres atendidas no A&CR-O, no período de novembro de 2019 a maio de 2020, fato que gerou uma tabela numérica, sendo possível sortear de maneira aleatória o documento participante no universo dos prontuários. Foram incluídos aqueles que continham dados completos, com preenchimento adequado. As variáveis coletadas para a caracterização das mulheres foram: nome, idade, paridade, idade gestacional, queixa principal, presença de contrações e/ou perda de líquido, dor, sangramento vaginal, dados vitais, fluxograma e a classificação de risco determinada pelo enfermeiro. Quanto ao perfil dos profissionais foram analisadas variáveis como: idade, tempo de atuação em obstetrícia e se possuía treinamento relacionado ao A&CR-O.

O cálculo amostral para os enfermeiros participantes foi considerando o caráter comparativo envolvendo duas proporções: 1) proporção de concordância interavaliadores (Grupo de Enfermeiros Treinado - p1) em relação a cada uma das cinco cores (vermelho, laranja, amarelo, verde e azul), conforme o grau de complicações e risco de morte determinado pelo Protocolo de A&CR-O; 2) proporção de concordância interavaliadores (Grupo de enfermeiros não-treinados - p2). Foi considerada uma estimativa de 90%, com um nível de significância de 5% (α = 0,05), e poder de 80% (β= 0,20). Ao final, foi necessário a seleção de dez enfermeiros em cada grupo (treinados versus não-treinados), de modo a identificar diferenças de pelo menos 50% na taxa de concordância de cada grupo. A seleção desses dois grupos foi realizada por meio de amostragem aleatória simples, para isso foi feito uma busca dos enfermeiros treinados e não treinados na instituição com a coordenação, sendo incluídos aqueles que continham pelo menos dois anos de experiência assistencial.

Considerou-se enfermeiros treinados àqueles que foram capacitados previamente pela equipe do Ministério da Saúde (MS), mediante oficina com duração mínima de 20 horas. Os enfermeiros não-treinados foram aqueles que nunca haviam atuado na CR e não possuíam qualquer capacitação prévia. Não foi realizado treinamento durante a pesquisa, buscou-se aqueles que já tinham experiência e certificação comprovada.

No percurso dessas entrevistas, cada enfermeiro recebeu 27 casos clínicos com informações extraídas dos prontuários selecionados na primeira etapa do presente estudo, totalizando os 270 casos. Tais casos foram avaliados por dez enfermeiros treinados e dez enfermeiros não treinados, respondidos de forma individualizada, juntamente com a pesquisadora, em local privativo, preservando o sigilo.

Quanto à organização e análise dos dados, avaliou-se o grau de concordância entre os enfermeiros treinados versus não treinados, calculados por meio do coeficiente Kappa (k). Para interpretação da classificação do k, considerou-se: k<0 (sem concordância), k = 0 a 0,20 (fraco), k = 0,21 a 0,40 (razoável), k =0,41 a 0,60 (moderado), k =0,61 a 0,80 (forte) e k= 0,81 a 1,0 (perfeito).(17,18)

Adicionalmente, a sensibilidade foi utilizada para mensurar a capacidade de identificar se as mulheres classificadas nos níveis de maior urgência obtiveram classificação subestimada, e a especificidade foi abordada para verificar a probabilidade de uma paciente ter sido classificada de acordo com a prioridade clínica como não urgente e não demandar urgência no atendimento.(19)

Para o rigor metodológico utilizou-se como guia o Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE).(20)

As entrevistas com os enfermeiros ocorreram após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando os aspectos éticos e legais da Resolução 466/2012, com aprovação, conforme parecer n.º 4198387 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade e da Instituição de saúde (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 19261419.0.0000.5149).

Resultados

Dos 270 prontuários sorteados, 88% eram gestantes confirmadas por exames laboratoriais, exames de imagem ou avaliação clínica, 9% eram puérperas e 3% apresentavam atraso menstrual e tinham dúvida quanto a gravidez. Para a caracterização dessa população, foram coletadas informações relacionadas à idade das usuárias, idade gestacional e tipo de queixa.

Após avaliação dos 270 prontuários foi possível gerar um perfil das usuárias atendidas no serviço de acolhimento e classificação de risco em obstetrícia, as quais apresentavam-se na faixa-etária compreendida entre 21 e 33 anos (70%), dessas: 88% estavam gestantes, 49,7% eram primigestas e 72% tinham idade gestacional igual ou superior a 40 semanas. A figura 1 representa a idade da população analisada (n=270). A maioria das pacientes (70%) tinha entre 21 e 33 anos no momento do atendimento; sendo que a idade variou entre 14 a 45 anos, com média de 27 e mediana de 26 anos, desvio padrão de 7 anos e coeficiente de variação de 26%, indicando variabilidade moderada entre elas em relação à idade.

Figura 1
Histograma idade das pacientes

A figura 2 representa a idade gestacional (IG) por ocasião do acolhimento e classificação de risco, 72% das pacientes estavam com 40 semanas ou mais, variando de 5 a 43 semanas, com média de 36 e mediana de 39 semanas, desvio padrão de 7 semanas e coeficiente de variação de 19%, indicando pouca variabilidade em relação à IG.

Figura 2
Histograma com a distribuição da idade gestacional das pacientes gestantes

Os motivos da busca das usuárias pelo atendimento obstétrico estão relacionados na tabela 2, que são: contrações (62/23%), perda de líquido (42/15,6%), alteração da pressão arterial (22/8,1%) e sangramento aumentado (16/6,7%).

Tabela 2
Tipo de queixa apresentada pelas usuárias no momento da classificação de risco

Com relação aos Enfermeiros que participaram da pesquisa identificou-se diferença significativa na idade e no tempo de atuação dos profissionais, sendo os enfermeiros treinados com menor faixa-etária (média de 32,7 anos) e menor tempo (4,4 anos) de atuação profissional, quando comparado com os enfermeiros não treinados com média de 38,8 anos de idade e 9,0 anos de atuação na prática clínica, conforme tabela 3.

Tabela 3
Comparação do grupo treinado versus não treinado: análise da idade e tempo de atuação profissional

Partindo para a análise dos dados referente às respostas determinadas pelo enfermeiro treinado e enfermeiro não treinado quanto ao grau de concordância, especificidade e sensibilidade diante das prioridades de atendimento determinadas, obtiveram-se os resultados expostos na tabela 4. A cor vermelha – prioridade I teve concordância forte (k= 0,692), sensibilidade de 85,0%, o que demonstra que quase todas as usuárias classificadas como vermelho pelo enfermeiro treinado foram, também, classificadas com o mesmo nível de prioridade pelo enfermeiro não treinado. No nível de prioridade II - laranja, a concordância também foi considerada forte (k= 0,631), e a sensibilidade foi 74,0%, valor inferior comparado à classificação vermelho. Porém, grande parte das usuárias classificadas como laranja pelo enfermeiro treinado tiveram a mesma classificação pelo enfermeiro não treinado. Para o amarelo, prioridade III, a concordância entre os enfermeiros foi moderada (k= 0,522), a sensibilidade foi a menor entre todas as prioridades clínicas (54,0%). A especificidade foi 85,0%, ou seja, 15,0% das pacientes classificadas como amarelo pelo enfermeiro treinado foram superestimadas pelo enfermeiro não treinado. Assim, o risco atribuído pelo enfermeiro foi maior do que o risco apresentado pela usuária no momento do atendimento, demonstrando superestimação do risco.

Tabela 4
Concordância da classificação de risco entre enfermeiros treinados versus não treinados, utilizando-se do protocolo de A&CR-O

No nível de prioridade IV, verde, a concordância entre os enfermeiros foi moderada (k= 0,485) e a sensibilidade foi de 62,0%. A especificidade nesse grupo teve o pior desempenho entre todas as prioridades clínicas (84,0%), o que indica maior ocorrência de falsos positivos, ou seja, o risco atribuído pelo enfermeiro foi maior do que o risco apresentado pela usuária no momento do atendimento. Quanto ao nível de prioridade V, azul, a concordância entre os enfermeiros foi forte (k=0,696), a sensibilidade correspondeu a 89,0%, confirmando que quase todas (42/47) as usuárias classificadas como “azul” pelo enfermeiro treinado concordaram com a classificação atribuída pelo enfermeiro não treinado. A especificidade também foi alta (98,0%).

Na tabela 5, apresentam-se a concordância e o coeficiente kappa (k) para análise dos fluxogramas e das classificações de risco nas comparações de enfermeiro treinado versus não treinado; enfermeiro treinado versus dados do prontuário, bem como enfermeiro não treinado versus dados do prontuário. A concordância nos fluxogramas entre os dados coletados dos enfermeiros treinados e os dados dos enfermeiros não treinados foi considerada perfeita (k=0,821), correspondendo à concordância bruta de 87,0%. No tocante à classificação de risco, a concordância entre os dados coletados e comparados entre os enfermeiros treinados versus não treinados foi considerada moderada (68,0%; k= 0,588). A concordância entre os dados coletados do prontuário e os enfermeiros treinados foi considerada moderada (k=0,611), isto é, bom índice em estudos de confiabilidade. A concordância bruta correspondeu a 70,0%. A concordância entre os dados coletados do prontuário e os enfermeiros não treinados foi moderada (k=0,599), valor pouco mais baixo quando comparado com os enfermeiros treinados. A concordância bruta correspondeu a 69,0%.

Tabela 5
Resumo dos graus de concordância

Discussão

Os resultados mostraram que a classificação de risco em sala de emergência obstétrica teve boa concordância entre enfermeiros classificadores, principalmente, nas prioridades I e II, ou seja, emergência e maior urgência nas cores vermelho e laranja, respectivamente. No entanto, nas classificações consideradas urgência (amarelo) e menor urgência (verde), observou-se maior chance de falsos positivos, ou seja, tendência de superestimação por parte dos enfermeiros, treinados ou não treinados.

De qualquer forma, o instrumento de avaliação permite razoável determinação da prioridade de atendimento, mesmo na ausência de treinamento, já que o grau de confiabilidade interavaliadores foi considerado de moderado a forte, representado pelo coeficiente Kappa que variou entre 0,47 e 0,77.

Os dados corroboraram com estudo realizado com crianças em situação de urgência e emergência, também utilizando-se do Protocolo de ACCR, porém específico para pediatria. Neste estudo, atestou-se que este foi confiável para CR de crianças e adolescentes de modo a priorizar o atendimento, com qualquer enfermeiro, seja este treinado ou não..(1)

Outro dado que mereceu atenção na pesquisa foi sobre o quantitativo de casos não urgentes que demandam a porta de entrada hospitalar e promovem a superlotação, 39,1% foram classificados como urgentes (vermelho, laranja e amarelo) e 60,9% como não urgentes (verde e azuis). Tais dados corroboram com outro estudo realizado em pronto atendimento pediátrico de Fortaleza-Ceará-Brasil, o qual participaram 200 pacientes, sendo 35,5% classificados como urgentes (laranja, amarelo e verde) e 45,0% como não urgentes (azuis).(1,21)

Fato este, semelhante no âmbito da obstetrícia, outros estudiosos, também, avaliaram 736 mulheres atendidas no pronto atendimento obstétrico, sendo registrado o percentual de casos não urgentes com a predominância dos atendimentos (503 atendimentos: 70,6% dos casos); destaca-se que os casos urgentes representaram percentual de 29,4%.(7)

Essas evidências demonstram a necessidade de reflexão quanto à perceptível necessidade de redução da demanda espontânea das prioridades clínicas não urgentes na rede hospitalar, sendo importante rever as condições de pactuações mais robustas entre a Atenção Primária à Saúde (APS) e a rede hospitalar, a fim de garantir a continuidade, o acesso e a integralidade do cuidar da usuária em todos os níveis de atenção e complexidade em saúde.

Discute-se, também, a confiabilidade interavaliadores, nos casos de subestimação e a superestimação da prioridade de atendimento determinada pelos enfermeiros treinados e não treinados. Com relação à confiabilidade, um estudo contribuiu com a confiabilidade externa e interna do Protocolo de Manchester, de modo que os resultados evidenciaram confiabilidade substancial à quase perfeita dos interavaliadores (k= 0,78 e 0,86), porém, também, se constatou dados relacionados à superestimação e subestimação.(22)

Outro estudo transversal, realizado em unidade de emergência adulto de um hospital geral de Santa Catarina, Brasil, registrou concordância substancial com tais achados, durante a aplicação de um protocolo institucional de ACCR, com concordância quase perfeita em todos os níveis de classificação. No entanto, foram encontrados casos de subestimação, nos quais os usuários deveriam ser classificados em níveis de atendimento de maior prioridade.(23)

Corrobora-se com a reflexão de que a superestimação e a subestimação podem gerar classificações de risco de maior ou menor nível de prioridade, desnecessariamente, gerando alta demanda de casos prioritários, com maior tempo de espera, fator que poderá agravar a condição clínica da usuária, bem como provocar mortes nas filas de esperas do pronto atendimento.(24)

Esse fato pode ser cogitado devido ao tempo de atuação e experiência profissional no serviço de pronto atendimento e CR. Todavia, um estudo avaliou quais fatores poderiam interferir na acurácia da triagem de enfermagem em um serviço de urgência, ressaltaram que enfermeiros com maior tempo de experiência profissional e com treinamento específico para uso dos protocolos em serviços de emergência atuam com maior segurança e eficácia em serviços de CR.(25)

A presente pesquisa trouxe como implicação para a prática obstétrica que o protocolo do MS é considerado confiável para determinação da prioridade de atendimento a gestantes, parturientes e puérperas em situação de urgência e emergência, evidenciando que possam ser atendidas por enfermeiros treinados ou não treinados, independente do tempo de experiência profissional. Torna-se evidente, portanto, a necessidade de escuta qualificada, em tempo real, para promover melhor direcionamento da identificação dos riscos em que essa usuária se apresenta, com maior responsabilização pelas respostas rápidas e eficazes ao problema apresentado.

Essas habilidades profissionais vem sendo construídas e aprimoradas ao longo dos dias, meses e anos de experiência, pois a experiência profissional, mesmo não declarada, associada ao treinamento específico para utilização dos protocolos de A&CR, pode ser considerado como padrão ouro para atuação do profissional de enfermagem enquanto gerenciador do primeiro atendimento, a fim de evitar decisão inadequada que possa trazer impactos negativos e/ou danos às usuária, aos filhos destas, às famílias, bem como para o profissional de saúde e, consequentemente, o sistema de saúde.

Outro destaque do presente estudo é o subsidio para o uso de tecnologias em saúde confiáveis, como os protocolos de A&CR que forneçam subsídios e melhoria tanto nas avaliações clínicas quanto no atendimento das urgências e emergências, especialmente nas obstétricas realizadas por enfermeiro capacitados e sensibilizados a promover ambiente seguro, organizado e com assistência qualificada.

Uma limitação a ser mencionada é a diferença estatisticamente significativa do tempo de atuação entre os grupos avaliadores, sejam treinados ou não. Ou seja, o grupo de enfermeiros não treinados tinha mais que o dobro de tempo de atuação do grupo de enfermeiros treinados. Ademais, verifica-se concordância com achados de estudo prévio, o qual evidenciou, também, a diferença significativa do tempo de atuação entre os grupos avaliadores, porém não avaliou diferença da concordância na CR.(25)

Cabe indicar a necessidade de validade externa do estudo, como limitação importante, já que esta se refere ao potencial de generalização dos achados. O fato de ter sido realizado em uma única instituição de saúde, com protocolos institucionais e atuação dos enfermeiros com definições que podem ser distintas de outros contextos de atenção que utilizam esta ferramenta. Recomenda-se, portanto, a realização de novos estudos em outros cenários que utilizem o protocolo de A&CR-O contribuindo para confiabilidade do seu uso pelos enfermeiros na CR.

Como sugestão, expõe-se a necessidade da utilização de protocolos voltados, exclusivamente, para as singularidades da obstetrícia no A&CR–O nas maternidades nacionais e internacionais, no intuído de nortear a assistência prestada às mulheres no contexto da gestação, parto e nascimento. Além disso, sugere-se integrar esse tema na formação dos profissionais de saúde que atuam em obstetrícia. Já que a expertise nessa área poderá promover a identificação precoce ainda no pronto atendimento dos agravos e a pronta ação beneficiará e reduzirá danos às mulheres e suas famílias na assistência ao parto e nascimento.

Conclusão

Para mudanças nos indicadores de morbimortalidade materna, fetal e neonatal, os resultados desta pesquisa confirmaram a confiabilidade do protocolo de A&CR-O para determinação da prioridade clínica de atendimento em obstetrícia, uma vez que, demonstrou concordância moderada a forte, apesar da baixa sensibilidade ao comparar a indicação do risco obstétrico, por enfermeiros treinados e não treinados. Na CR, o acolhimento e a estratificação do risco necessitam estar alinhados, pois essa junção é de fundamental importância para avaliação e ação rápida quando necessária, além de ser campo de destaque para atuação do profissional enfermeiro, o que possibilita melhoria de acesso para a usuária e além de promover equidade no atendimento.

Referências

  • 1 Magalhães FJ, Lima FE, Almeida PC, Ximenes LB, Chaves CM. Care protocols with risk classification in pediatrics: inter-observer reliability. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):262-70.
  • 2 Lacerda AS, Sauthier M, Paes GO, Teixeira ER. Embracement with risk classification: relationship of justice with the user. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1496-503.
  • 3 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Comissão Perinatal. Associação Mineira de Ginecologia e Obstetrícia. Protocolo do acolhimento com classificação de risco em obstetrícia e principais urgências obstétricas. Belo Horizonte (MG): Secretaria Municipal de Saúde; 2010.
  • 4 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [citado 2023 Nov 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html
  • 5 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2023 Nov 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia.pdf
  • 6 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 13, de 13 de janeiro de 2023. Revoga Portarias que específica e dá outras providências. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2023 [citado 2023 Nov 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2023/prt0013_16_01_2023.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2023/prt0013_16_01_2023.html
  • 7 Brilhante AF, Vasconcelos CT, Bezerra RA, Lima SK, Castro RC, Fernandes AF. Implementation of protocol for reception with risk classification in an obstetric emergency unit. Rev Rene. 2016;17(4):569-75.
  • 8 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [citado 2023 Nov 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia_2017.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetricia_2017.pdf
  • 9 Michels BD, Marin DF, Iser BP. Time series analysis of in-hospital maternal case fatality ratio in the postpartum period according to pregnancy risks and route of delivery in the regions of Brazil, 2010-2019. Epidemiol Serv Saúde. 2022;31(3):e2022461.
  • 10 Tofani LF, Furtado LA, Andreazza R, Bigal AL, Feliciano DG, Silva GR, et al. A Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Brasil: revisão integrativa da literatura. Saúde Soc. 2023;32(1):e220122pt.
  • 11 Serafim RC, Temer MJ, Parada CM, Peres HH, Serafim CT, Jensen R. System for reception and risk classification in obstetrics: a technical quality assessment. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3330.
  • 12 Moudi A, Iravani M, Najafian M, Zareiyan A, Forouzan A, Mirghafourvand M. Obstetric triage systems: a systematic review of measurement properties (Clinimetric). BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20(1):275.
  • 13 Moudi A, Iravani M, Najafian M, Zareiyan A, Forouzan A, Mirghafourvand M. The development and validation of an obstetric triage acuity index: a mixed-method study. J Matern Fetal Neonatal Med. 2020;35(9):1719-29.
  • 14 Grosgurin O, Gayet-Ageron A, Suppan L, Simon J, Villar A, Trombert V, et al. Reliability and performance of the Swiss Emergency Triage Scale used by paramedics. Eur J Emerg Med. 2019;26(3):188-93.
  • 15 Fakari FR, Simbar M, Modares SZ, Majd HA. Obstetric Triage Scales; a narrative review. Arch Acad Emerg Med. 2019;7(1):e13.
  • 16 Robbins T, Shennan A, Sandall J. Modified early obstetric warning scores: a promising tool but more evidence and standardization is required. Acta Obstet Gynecol Scand. 2019;98(1):7-10.
  • 17 Vanbelle S. Asymptotic variability of (multilevel) multirater kappa coefficients. Stat Methods Med Res. 2018;28(10-11):3012-26.
  • 18 Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.
  • 19 Kawamura T. Interpretação de um teste sob a visão epidemiológica: eficiência de um teste. Arq Bras Cardiol. 2002;79(4):437-41.
  • 20 Cuschieri S. The STROBE guidelines. Saudi J Anaesth. 2019;13(Suppl 1):31-4.
  • 21 Magalhães FJ, Lima FE, Barbosa LP, Guimarães FJ, Felipe GF, Rolim KM, et al. Risk classification of children and adolescents: priority of care in the emergency unit. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190679.
  • 22 Souza CC, Chianca TC, Cordeiro Junior W, Rausch MC, Nascimento GF. Reliability analysis of the Manchester Triage System: inter-observer and intra-observer agreement. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3005.
  • 23 Moura BR, Oliveira GN, Medeiros G, Vieira AS, Nogueira LS. Rapid triage performed by nurses: Signs and symptoms associated with identifying critically ill patients in the emergency department. Int J Nurs Pract. 2022;28(1):e13001.
  • 24 Andrade-Silva FB, Takemura RL, Bellato RT, Leonhardt MC, Kojima KE, Silva JD. Validity and Reliability of the Manchester Scale used in the orthopedic emergency department. Acta Ortop Bras. 2019;27(1):50-4.
  • 25 Cetin SB, Eray O, Cebeci F, Coskun M, Gozkaya M. Factors affecting the accuracy of nurse triage in tertiary care emergency departments. Turk J Emerg Med. 2020;20(4):163-7.

Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2022
  • Aceito
    26 Jun 2024
location_on
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Accessibility / Report Error