Open-access Perfil profissional e práticas de cuidado no tratamento das úlceras do pé diabético

Perfil profesional y prácticas de cuidado en el tratamiento de úlceras de pie diabético

Resumo

Objetivo:  Analisar o perfil profissional e as práticas assistenciais dos estomaterapeutas no tratamento de úlceras do pé diabético em idosos.

Métodos:  Estudo transversal incluindo 181 estomaterapeutas desenvolvido em 2021. Os critérios de inclusão contemplaram estomaterapeutas que cuidavam de idosos e atuavam no cuidado direto. Aqueles que atuavam em consultoria, assessoria, ensino e pesquisa foram excluídos. Foram investigados dados sociodemográficos, profissionais e aspectos do cuidado ao idoso. O Statistical Package for the Social Sciences foi utilizado na análise de dados por meio de análise bivariada e regressão logística binária.

Resultados:  A média de idade foi de 43,18 anos, o tempo médio de experiência em estomaterapia foi de 7,51 anos, 121 (66,9%) não realizavam plano de cuidados individualizado e 58 (32%) não utilizavam instrumento para avaliação funcional do idoso. Houve associação significativa entre o tempo de treinamento em terapia enterostomal e o uso de diretrizes clínicas (χ2(1)=6,155 p=0,013) e o uso do teste de monofilamento para avaliação dos pés (χ2(1)=4,236 p=0,040).

Conclusão:  A prática clínica tem revelado escassez no uso rotineiro de instrumentos de avaliação funcional, o que impacta na qualidade geral da assistência na intersecção entre diabetes e saúde geriátrica. Estomaterapeutas experientes frequentemente utilizam diretrizes clínicas e avaliação dos pés com o teste de monofilamento, o que favorece melhores ações de cuidado. No entanto, o perfil profissional e as práticas de cuidado não apresentaram diferenças estatísticas na maioria das variáveis investigadas.

Descritores
Ferimentos e lesões; Ulcera do pé; Estomaterapia; Pé diabético; Idoso

Abstract

Objective:  To analyze the professional profile and care practices of stomatherapists in the treatment of foot ulcers related to diabetes in elderly people.

Methods:  a cross-sectional study composing 181 stomatherapists in 2021. The inclusion criteria contemplated stomatherapists who cared for or cared for older adults and those who worked in direct care, but who worked in consultancy, advisory, teaching, and research, were excluded. We investigated sociodemographic and professional data and aspects of caring for older adults and analyzed using the Statistical Package for the Social Sciences through bivariate analysis and binary logistic regression.

Results:  The average age was 43.18 years, the average time of experience in stomatherapy was 7.51 years, 121 (66.9%) did not carry out an individualized care plan, and 58 (32%) did not use a tool for functional assessment of older adults. There was a significant association between length of training in enterostomal therapy and the use of clinical guidelines (χ2(1)=6.155 p=0.013) and the use of monofilament to assess the feet (χ2(1)=4.236 p=0.040).

Conclusion:  It’s important to mention that clinical practice has shown a lack of routine use of functional assessment tools, which impacts the overall quality of care at the intersection of diabetes and geriatric health. Experienced stomatherapists frequently use clinical guidelines and foot evaluation with monofilaments, which favors better care actions. However, the professional profile and care practices did not show statistical differences in most variables investigated.

Resumen

Objetivo:  Analizar el perfil profesional y las prácticas asistenciales de los estomaterapeutas en el tratamiento de úlceras de pie diabético en personas mayores.

Métodos:  Estudio transversal que incluyó 181 estomaterapeutas, llevado a cabo en 2021. Los criterios de inclusión contemplaron estomaterapeutas que cuidaban a personas mayores y que trabajaban en el cuidado directo. Se excluyeron los que se desempeñaban en consultoría, asesoría, enseñanza e investigación. Se estudiaron datos sociodemográficos y profesionales y aspectos del cuidado de personas mayores. Se utilizó el Statistical Package for the Social Sciences para el análisis de datos mediante análisis bivariado y regresión logística binaria.

Resultados:  El promedio de edad fue de 43,18 años, el tiempo promedio de experiencia en estomaterapia fue de 7,51 años, 121 (66,9 %) no utilizaban plan de cuidados personalizado y 58 (32 %) no utilizaban ningún instrumento para la evaluación funcional del paciente. Hubo una asociación significativa entre el tiempo de capacitación en terapia enterostomal y el uso de directrices clínicas (χ2(1)=6,155 p=0,013) y el uso de la prueba de monofilamento para evaluar los pies (χ2(1)=4,236 p=0,040).

Conclusión:  La práctica clínica revela escasez de uso rutinario de instrumentos de evaluación funcional, lo que impacta en la calidad general de la atención en la intersección entre diabetes y salud geriátrica. Los estomaterapeutas con experiencia utilizan frecuentemente directrices clínicas y evalúan los pies con la prueba de monofilamento, lo que promueve mejores acciones en el cuidado. Sin embargo, el perfil profesional y las prácticas de cuidado no presentan diferencias estadísticas en la mayoría de las variables investigadas.

Descriptores
Heridas y lesiones; Úlcera del pie; Estomaterapia; Pie diabético; Anciano

Introdução

O manejo de feridas requer conhecimento dos aspectos fisiopatológicos e terapêuticos e da disponibilidade de serviços, recursos humanos e materiais. Além disso, o tipo de ferida, as características da pessoa que será cuidada e o profissional que realizará o cuidado são elementos essenciais para o planejamento de cuidados adequado.(1)

Em relação ao tipo de ferida, as úlceras do pé diabético são lesões complexas e com alta prevalência. Segundo a International Diabetes Federation (IDF), a frequência de recorrência de úlceras variou de 8% em 2013 a 52% em 2018 nos Estados Unidos. A prevalência varia de 10% a 30% no continente africano, de 1 a 17% no continente europeu, e de 1 a 21% no Brasil.(2)

Pessoas diabéticas com úlceras nos pés são principalmente as idosas, e sua taxa de mortalidade é duas vezes maior do que as de pessoas sem úlceras. Podemos estimar que mais de 60% das amputações não traumáticas de membros inferiores ocorrem em pessoas com diabetes, sendo 85% delas precedidas por úlceras nos pés. Cerca de 30% dos pacientes morrem no primeiro ano de amputação, porcentagem que sobe para 50% no terceiro ano e para 70% no quinto ano.(3)

No que se refere aos profissionais de saúde, os enfermeiros estomaterapeutas se destacam por sua formação clínica avançada na gestão de pessoas com feridas, e com isso, oferecem competência teórica e prática, inclusive no manejo de tecnologias inovadoras da terapia de feridas.(4,5)

Mesmo com formação específica, é fundamental ponderar se esses profissionais consideram os aspectos inerentes à pessoa cuidada, especificamente os idosos, pois estes apresentam alterações fisiopatológicas e psicossociais típicas do processo de senescência, entendidas como alterações decorrentes dos processos fisiológicos do envelhecimento. Essas particularidades são fundamentais para a funcionalidade desses indivíduos e primordiais para o cuidado e a qualidade da assistência.(6,7)

A literatura relata que a avaliação tardia, aspectos demográficos, comorbidades e tratamento inadequado sem a utilização de diretrizes específicas são aspectos que influenciam no prognóstico das úlceras do pé diabético.(8,9) No entanto, há carência de estudos que relacionem o perfil e a prática da assistência profissional nesse tipo de cuidado.

Dessa forma, ao identificar a relação entre o perfil e as práticas assistenciais dos profissionais de saúde no tratamento das úlceras de pé diabético, é possível preencher lacunas de conhecimento sobre o tema e, consequentemente, oferecer aos estomaterapeutas a oportunidade de aprimorar sua prática clínica com idosos, possibilitando desenvolver um manejo adequado e um acompanhamento multidimensional do indivíduo, garantindo um cuidado diferenciado que atenda às necessidades dessa população, reduzindo internações e amputações.

Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil profissional e as práticas assistenciais dos estomaterapeutas no tratamento das úlceras do pé diabético em idosos.

Métodos

Estudo observacional transversal realizado de abril a agosto de 2021 seguindo as diretrizes da rede EQUATOR, utilizando a ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).(10)

A população foi composta por enfermeiros estomaterapeutas associados à Associação Brasileira de Estomaterapia (SOBEST). Em janeiro de 2021, consultamos o site oficial da SOBEST. A pesquisa mostrou um total de 339 enfermeiros estomaterapeutas associados, divididos por região da seguinte forma: 4% (n=13) da região Centro-Oeste, 5% (n=18) da região Norte, 14% (n=47) da região Sul, 22% (n=76) da região Nordeste e 55% (n=185) da região Sudeste.

Para o cálculo amostral, foi utilizada a fórmula de população finita, considerando prevalência presumida de 50%, erro amostral tolerável de 0,05 e nível de confiança de 95%, resultando em uma amostra de 180 participantes estratificados por região. Foram utilizados os percentuais de distribuição dos associados, obtendo o seguinte número de profissionais: Norte, nove; Nordeste, 40; CentroOeste, sete; Sudeste, 99; Sul, 25.

Os critérios de inclusão foram estomaterapeutas que cuidavam de idosos em sua prática assistencial. Especialistas sem experiência em Terapia Enterostomal (TE) ou que atuassem exclusivamente na indústria, comércio, consultoria, serviços de assessoria, ensino ou pesquisa foram excluídos.

Os dados foram coletados por meio de instrumento desenvolvido no Survey Monkey®, ferramenta de questionário online composta por questões objetivas que contemplavam dados sociodemográficos e profissionais (idade, escolaridade, região em que atua, tempo de experiência em estomaterapia e cuidado com as lesões nos pés relacionadas ao diabetes); aspectos relativos à avaliação da capacidade cognitiva e funcional de idosos; e aspectos relacionados à prática clínica do profissional.

A estratégia de bola de neve foi utilizada para recrutamento dos participantes. Nela, as pessoas que atendem aos critérios de inclusão são convidadas a indicar novos contatos de sua rede com as características desejadas, e assim sucessivamente. A coleta de dados começou com os enfermeiros estomaterapeutas vinculados à Liga Acadêmica de Enfermagem em Estomaterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC) por meio de redes sociais (WhatsApp, Instagram e Telegram). Ao serem contatados, esses profissionais eram informados sobre a pesquisa e convidados a participar. Dessa forma, chegamos a 288 estomaterapeutas, representando 85% do total de associados da SOBEST no momento da coleta. Destes, excluímos 107, totalizando 181 respondentes.

As variáveis para análise descritiva foram: idade do profissional; sexo; região em que atua; tempo de graduação; titulação; tempo como especialista; tempo de experiência com feridas nos pés de pessoas com diabetes; sobre o uso de alguma diretriz para orientação da prática clínica; anos de experiência cuidando de idosos; sobre a realização de avaliação da marcha de idosos; de quantos idosos cuidam por turno em média; sobre o uso de instrumentos de avaliação; se a presença de cuidadores é considerada; se a presença de dor é avaliada; sobre o uso de equipamento para avaliação dos pés; se oferece diretrizes para o cuidado; como oferece diretrizes para o cuidado; se é elaborado um plano de cuidado individualizado para idosos.

Para análises bivariadas e multivariadas, as variáveis independentes selecionadas para o estudo foram o tempo de experiência como estomaterapeuta e no cuidado de lesões nos pés relacionadas ao diabetes. Em relação ao tempo como especialista e tempo com diabetes, enfermeiros estomaterapeutas com mais experiência podem apresentar conhecimento, habilidades, práticas e histórico superiores no que concerne o cuidado clínico de diabetes e suas complicações. O tempo foi dicotomizado em “até cinco anos” e “mais de cinco anos”, considerando que este é um período aceitável para enfermeiros se especializarem e começarem a prática após a graduação.

A classificação das variáveis dependentes foi dividida em dois grupos principais:

1) Prática assistencial de avaliação funcional: objetivou avaliar se esses profissionais investigam as especificidades relacionadas ao envelhecimento durante seus cuidados. Para avaliar essa prática, questionamos se os estomaterapeutas adotam os instrumentos e testes clássicos disponíveis na literatura, os quais são amplamente utilizados durante a prática clínica para avaliação da funcionalidade desses idosos o Instrumento de Avaliação Cognitiva, para Avaliação das Atividades Básicas da Vida Diária, para Avaliação das Atividades Instrumentais da Vida Diária, o Teste de Marcha, para avaliação da acuidade visual (Teste de Jaeger) e o Teste de Sussurro.(11)

O cuidado na avaliação da capacidade funcional identifica déficits sensoriais (visuais e auditivos) e investiga a realização das atividades básicas da vida diária, caracterizadas por tarefas relacionadas ao autocuidado (como alimentação, controle esfincteriano, deambulação, higiene pessoal, capacidade de vestir-se e tomar banho sem auxílio), e das atividades instrumentais da vida diária, definidas como tarefas complexas associadas ao ambiente onde o indivíduo vive.(12)

2) Prática clínica: objetivou avaliar a conduta do cuidado de enfermagem às úlceras do pé diabético em idosos ao considerar os três aspectos a saber: 1) Quais diretrizes clínicas norteiam a prática do profissional International Working Group on the Diabetic Foot (IWGDF), Americana Diabetes Association (ADA), protocolo do Ministério da Saúde (MS), protocolo da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), artigos científicos, Protocolos Institucionais ou a experiência própria do profissional; 2) Avaliação clínica uso de teste de monofilamento, diapasão, pinos, martelo de reflexos, avaliação das estruturas expostas da lesão, tipo de tecido, exsudato, aspectos das bordas/margens, pele peri-ferida, presença de infecção, avaliação de deformidades, calosidades, pulsos e avaliação neurológica;

3) Orientação sobre cuidados preventivos com os pés e prevenção de lesões não andar descalço, usar calçados com meias, inspecionar os calçados antes do uso, secar bem entre os dedos, não mergulhar o pé em água quente; corte correto das unhas, uso de emolientes, consultas periódicas para avaliação dos pés. Listamos essas ações nas diretrizes existentes para o cuidado de pessoas com diabetes.(13,14,15,16)

Os dados foram registrados em uma planilha do Microsoft Excel, versão 2016, e exportados para o Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0, para análise descritiva das variáveis estudadas (média, desvio padrão e distribuição de frequência). Na análise bivariada, foram utilizados os testes qui-quadrado e exato de Fisher para as variáveis dependentes e independentes. Analisamos a suposição de multicolinearidade para a regressão, onde a tolerância foi mais significativa que 0,1 e o Fator de Inflação da Variância (FIV) foi menor que 10, indicando ausência de multicolinearidade, atendendo esta suposição. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. Foi realizada regressão logística binária (método enter).

A pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética da instituição, sob o número 4.613.606 (CAAE: 41874720.1.0000.5054). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

As características sociodemográficas revelaram média de idade de 43,18 anos (±10,23) e maioria do sexo feminino, 161 (89,0%). A região mais prevalente foi a Sudeste com 87 (48,1%), seguida da Nordeste com 48 (25,3%), Sul com 26 (14,4%), Norte com 12 (6,6%) e Centro-Oeste com oito (4,4%). Em termos de titulação, 23 (12,7%) possuíam pós-graduação stricto sensu. O tempo médio de formação foi de 17,16 anos (±8,66), média de 7,51 (±6,42) anos de experiência em estomaterapia e média de 9,35 (±6,95) anos de experiência em cuidados com feridas nos pés de pacientes com diabetes. Esses enfermeiros atendem em média 4,64 (±4,00) idosos por turno e trabalham há 11,78 (±7,70) anos com essa clientela. Foi realizado um teste qui-quadrado para investigar se havia associação entre o tempo de formação em estomaterapia (Tabela 1) e a experiência no cuidado de feridas nos pés de pessoas com diabetes (Tabela 2) e as variáveis dependentes que caracterizam a prática clínica.

Tabela 1
Associação entre o tempo de experiência em estomaterapia e avaliação funcional de idosos, prática clínica de enfermeiros estomaterapeutas e ações educativas sobre medidas preventivas
Tabela 2
Associação entre tempo de trabalho com úlceras de pé diabético e avaliação funcional de idosos, prática clínica de enfermeiros estomaterapeutas e ações educativas sobre medidas preventivas

Houve associação significativa entre o tempo de treinamento em TE e o uso das diretrizes clínicas do IWGDF (χ2(1)=6,155 p=0,013). As análises de razão de chances revelaram chances 2,13 vezes maiores de uso das diretrizes do IWGDF por profissionais com mais de cinco anos de experiência na área. No entanto, a experiência do profissional também teve 2,11 vezes mais chances de definir o comportamento de estomaterapeutas com mais de cinco anos de experiência (χ2(1)=6,083 p=0,014). A análise bivariada também mostrou associação significativa entre o tempo de treinamento em TE e o uso do teste do monofilamento para avaliação clínica dos pés de idosos com diabetes (χ2(1)=4,236 p=0,040), sendo que esta ferramenta tem uma razão de chances de 1,89 de uso por profissionais com mais de cinco anos de experiência. Encontramos uma associação significativa entre o tempo de experiência com feridas do pé diabético em idosos e o uso de diretrizes clínicas do IWGDF (χ2(1)=8,399 p=0,004), com análises de razão de chances mostrando que essas diretrizes têm 2,51 mais probabilidade de serem usadas por estomaterapeutas com mais de cinco anos de experiência no cuidado de feridas em pessoas com diabetes do que por aqueles com menos experiência. Esses indivíduos tem 2,61 mais probabilidade de terem a avaliação neurológica de seus pés realizada por profissionais com mais experiência (χ2(1)=8,616 p=0,003). Uma regressão logística binária foi realizada na variável dependente uso das Diretrizes do IWGDF, pois esta foi estatisticamente significativa em relação ao tempo de treinamento em estomaterapia e tempo de prática no cuidado das feridas do pé diabético (Tabela 3).

Tabela 3
Variáveis preditoras em relação ao uso do International Working Group on the Diabetic Foot

O modelo foi estatisticamente significativo [c2(2) = 10,256, p = 0,006; Nagelkerke R2 = 0,740] e conseguiu predizer adequadamente 63,0% dos casos. Dos preditores, apenas o tempo gasto com úlceras do pé diabético foi estatisticamente significativo (exp(b) =2,042 [95% IC: 1,019 – 1,098]). As análises mostraram que o tempo de experiência em TE e o cuidado de úlceras do pé diabético não diferiram estatisticamente na maioria das variáveis estudadas, indicando que o tempo de experiência não afeta o cuidado de pessoas idosas de forma significativa.

Discussão

Em relação às práticas de cuidado e às implicações para o tratamento de úlceras do pé diabético em idosos, o estudo revelou que, de forma geral, o profissional de TE realiza a maioria das ações necessárias para o cuidado de idosos. Pontos relevantes que incitam a discussão merecem destaque são: o uso de um plano individualizado, avaliação da capacidade funcional, uso de recursos educacionais para o autocuidado e uso de equipamentos de avaliação dos pés.

Um número razoável de TEs não utiliza um plano individualizado no cuidado de idosos, e este aspecto pode interferir no cuidado prestado, pois o cuidado individualizado se torna ainda mais relevante na presença de condições crônicas.(17,18) O profissional de TE que utiliza um plano individualizado pode alinhar as particularidades de cada idoso no processo de envelhecimento, o cuidado com as úlceras do pé diabético e a interação única entre esses dois aspectos. Estudos mostram que um plano individualizado é vital na gestão das condições de saúde conforme as características específicas do paciente. O plano de cuidados centrado no idoso é um elemento organizador da assistência integral à saúde, que permite planejamento adequado e uma implementação direcionada para estabelecer diagnósticos, terapias e ações de saúde preventivas, promocionais, curativas, paliativas e restauradoras mais eficazes.(16,17,18,19)

O cuidado individualizado ao idoso está intimamente ligado à necessidade de avaliação da capacidade funcional. O fato de um número considerável de TEs não avaliar essa capacidade em idosos com úlceras do pé diabético é preocupante, pois não há como elaborar um plano de cuidados sem saber quais aspectos da vida diária, sejam eles básicos ou instrumentais, estão ou não preservados. Portanto, os TEs devem utilizar instrumentos como as Escalas de Katz e Lawton como ferramenta de trabalho e, assim, incorporar a avaliação da capacidade funcional em sua prática clínica. Pesquisas revelam que ter diabetes foi o fator mais importante para as atividades básicas da vida diária, aumentando em 7,30 vezes a probabilidade de dependência, o que reforça a necessidade de cuidados individualizados nessa população.(20)

Conhecer os aspectos que contribuem ou limitam a independência funcional é significativo para determinar o plano de cuidados individualizado, respeitando as peculiaridades do envelhecimento de acordo com as potencialidades e dificuldades de cada idoso.(21)

Além disso, investigar a funcionalidade do idoso é essencial, pois o profissional obtém conhecimento sobre atividades básicas realizadas pelo indivíduo, como alimentação, vestir-se, entre outras, as quais podem impactar diretamente no autocuidado e na compreensão sobre a continuidade desses cuidados no ambiente domiciliar.(22)

Diferentes recursos educacionais voltados ao autocuidado para úlceras do pé diabético foram citados neste estudo e são parte fundamental do tratamento. É imprescindível discutir dois aspectos relacionados aos idosos: primeiro, a adequação do material apresentado; e segundo, como garantir a incorporação dessas orientações pelos idosos, tendo em vista que para tanto, é necessário conhecer sua capacidade funcional e cognitiva.

Foi demonstrado que o tempo de experiência pode nortear melhores ações de cuidado e as diferentes experiências na prática clínica no tratamento de úlcera do pé diabético estão ligadas aos profissionais que atuam na área há mais de cinco anos. Corroborando isso, outro estudo aponta que profissionais de enfermagem que exercem a mesma função há mais tempo se adaptam de forma mais expressiva ao setor de trabalho, rotinas de serviço e atividades assistenciais, desenvolvendo mecanismos para amenizar eventos estressantes e se tornando mais confiantes e seguros nos cuidados que oferecem.(23)

Em relação à utilização do IWGDF, ressaltamos que diretrizes baseadas em evidências são essenciais para subsidiar o manejo clínico de alta qualidade, pois a atualização sobre o assunto auxilia na definição de padrões de prevenção e cuidado dessa condição. O IWGDF enfatiza cinco passos para prevenir as úlceras do pé diabético: (1) identificar o pé em risco; (2) inspecionar e examinar regularmente o pé em risco; (3) educar a pessoa com diabetes; (4) garantir o uso rotineiro de calçados adequados; (5) e tratar os fatores de risco para ulceração. Esses passos são essenciais para um atendimento eficaz e de qualidade, proporcionando identificação precoce de alterações e desta forma, promovendo tratamento oportuno.(13)

A diretriz recomenda a abordagem do exame e avaliação da sensibilidade tátil do pé por meio de um teste de monofilamento, o que corrobora o estudo, pois profissionais mais experientes utilizam regularmente esse instrumento. O monofilamento de Semmes-Weinstein 10 g tem sido o teste mais favorecido para exame dos pés devido à facilidade de uso e ampla disponibilidade. Além disso, o monofilamento de Semmes-Weinstein é um instrumento confiável, o que enfatiza a sua importância para avaliar o risco de doença do pé diabético.(24,25)

Por fim, enfatizamos o pioneirismo deste estudo na análise do perfil profissional e das práticas de cuidado dos estomaterapeutas e suas implicações no tratamento de úlceras do pé diabético em idosos. Os resultados mostram que cuidar de idosos, geralmente com múltiplas morbidades e incapacidade funcional, sujeitos a limitações e dependência, reflete um aumento nas necessidades de saúde.

Uma limitação do estudo foi o preenchimento incompleto do formulário por alguns participantes. Além disso, apesar de ter atingido o valor total da amostra calculada, foi impossível manter a estratificação, com defasagem amostral na região Sudeste do Brasil.

Conclusão

É importante mencionar que a prática clínica tem demonstrado uma falta de uso rotineiro de instrumentos de avaliação funcional, o que impacta a qualidade geral do cuidado na intersecção entre diabetes e saúde geriátrica. Foi constatado que o perfil profissional relacionado ao tempo de experiência em TE e no cuidado de úlceras do pé diabético, com as práticas de cuidado a idosos com diabetes e úlceras dos pés não apresentou diferenças estatísticas na maioria das variáveis estudadas, indicando que o tempo de experiência aparenta não exercer impacto significativo no cuidado a idosos com essa condição. Isto sugere que, independentemente do alcance do conhecimento, há certa homogeneidade no cuidado de estomaterapeutas no tratamento dessas lesões em idosos. A utilização de elementos essenciais, como seguir diretrizes clínicas e realizar avaliações dos pés com o teste do monofilamento, está relacionada a estomaterapeutas mais experientes.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2024
  • Aceito
    30 Set 2024
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